BELEZA E PERSONAGEM

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artigo publicado no jornal O estado do Maranhão

Existiria uma personagem da literatura mais  bela  que todas as outras? Seria possível compará-las?

Woody Allen, o cineasta e comediante norte americano, usou da ironia para dizer que a grande vantagem da masturbação é que ela permite fazer amor com quem você quiser.  Parodiando-o, sem ironia,  poderíamos dizer que a grande vantagem da literatura é que ela permite colocar em sua heroína a beleza que você quiser. Mas, como comparar a beleza (física) das personagens se a personagem descrita pelo romancista está à espera da fisionomia que você vai colocar na mesma?

Sendo impossível responder objetivamente, posso dizer que todas as personagens dos romances que li têm a beleza que imaginei para cada uma delas, o que me permite, com certa ousadia, compará-las.

Lembro   Catarina Earnshaw de  O Morro dos ventos uivantes . Bela, desde criança, mas não sei se sua beleza, meio bucólica, sobreviveria longe dos ventos uivantes dos morros a açoitar seus cabelos. Parece-me que perdeu um tanto de sua beleza depois que abandonou a charneca e, na minha imaginação, já não era tão bela quando morreu nos braços do cigano que amou. E Capitu, a célebre adúltera de Machado de Assis, de olhos de ressaca, “parecendo uma epilepsia do mar”? Será que era bonita de verdade? Penso que para trair um sujeito inseguro como Bentinho uma mulher sequer precisaria ser bonita. Enfim, cada Dom Casmurro tem o chifre que merece independente da beleza da parceira. E Ana Karenina?

 

Devia ser bela sim, mas possivelmente um tanto gorda para os padrões atuais. Instável e atormentada, morreu debaixo de um trem,  e mulheres lindas a perder de vista  não se perdem debaixo de um trem. Madame Bovary, por sua vez,   imagino parecida com a russa,  e não apenas na busca do adultério como redenção de vida . É provável  que Ana Karenina  fosse até mais bonita que Ema Bovary, mas a dama criada por Flaubert tinha um tom a mais de sensualidade , o que a fazia mais desejável.

Iracema  de José Alencar, teve a beleza inflada pelos adjetivos de seu exagerado autor , tal e qual as mulheres de hoje  inflam com botox suas pobres belezas. ‘A virgem dos lábios de mel que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna’ devia ser  buchudinha e ter dentes cariados, de pouco trato. Por sua vez a Mildred de Servidão Humana, de Somerset Maugham, podia ser feia, vulgar e burra, mas extraía de sua postura inacessível ao romantismo  um poder de sedução tão avassalador que sua beleza se instalava para além de sua mediocridade.

Curiosamente, heroínas apenas imaginadas podem tornar-se  mais bonitas quando se tornam palpáveis via atores que as representam. Lembro-me de Lara do romance Doutor Jivago que se corporificou, através de Julie Christie, uma beleza ao mesmo tempo poética  e selvagem. Ela teria tudo para ser a heroína mais bela das versões cinematográficas de livros se…

 

 

 

Se não existisse Sofia Loren em Duas mulheres (La ciociara), de Alberto Morávia. Já havia apreciado o romance quando vi o filme anos  depois. Nele surgiu, para mim,  a personagem mais bela da literatura por estar associada ao rosto dessa atriz, que ganhou o Oscar por sua interpretação. E Sofia Loren tinha, certamente, um rosto mais bonito do que qualquer imaginação seria capaz de criar.

José Ewerton Neto é autor de

O entrevistador de lendas

 

 

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