Outramento e alguns tormentos

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Começando com Fernando Pessoa

Descobri a palavra outramento. Estava fazendo uma pesquisa sobre Fernando Pessoa quando me deparei com esse termo, que me soou bizarro mas,  ao mesmo tempo,  instigante. E, mais ainda quando conheci seu verbo correspondente: Outrar-se. Fiquei imaginando como se conjugaria o dito cujo: “Eu outro-me, tu outras-te, ele outra-se…” e por aí vai,  salvando-se quem puder.

Se o termo não deve constituir novidade para os especialistas na obra do poeta lusitano imagino que alguns leitores estejam, assim como eu então, querendo saber do que se trata.  Outrar-se é fazer-se de outro, adotar várias personalidades dando-lhes vida e independência como fez Fernando Pessoa com seus muitos heterônimos.

Por indução, comecei a pensar em algumas outras palavras que, na esteira da invenção do poeta, cairiam muito bem para explicar certas atitudes comuns nos dias que correm.  

1,Patriotamento.

Patriotamento (nada a ver com patriotismo) seria a atitude de alguém  se produzir como patriota, investindo nisso para tirar proveito na competição da alavancagem social .  Aliás, o que é mesmo ser patriota?

Guardo a convicção de que qualquer cidadão honesto, probo e cumpridor de seus deveres faz mais pelos cidadãos e sua Nação  do que um outro que sai por aí beijando a bandeira nacional, cantando hino e torcendo por time de futebol em época de copa do mundo.  Patriotar-se seria a ação correspondente a essa velhacaria.

Se alguém não captou a semântica exata deste neologismo proposto nem precisa recorrer a Samuel Johnson que dizia,  com muita propriedade,  que o “Patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. Basta observar ao redor. O que tem de gente patriotando-se neste país dá  para encher vários estádios de futebol.  

2.Corruptamento.

É o termo faltante em nosso dicionário capaz de traduzir a atitude, tão comum hoje em dia, daquele que se adapta à corrupção não pelo talento (corrupto natural), mas por costume ou mimetismo. Ou seja, como se já não bastassem os corruptos nascendo a torto e a direito adicione-se às desgraças deste país o Corruptamento, que viria a ser uma contaminação, um vício, ou até mesmo um aprendizado.

Corruptamento esse  que tem se tornado tão frequente na vida deste país que até mesmo gente boa,  tida como incorruptível,  sucumbe aos seus atrativos ou sua contaminação,  como por exemplo na mudança de atitude em relação ao juiz Sergio Moro. Sobra para essas pessoas, vítimas do corruptamento, abrirem a boca com feroz loquacidade (imitando a fala abjeta e oportunista de Gilmar Mendes) para vociferar contra o juiz Sergio Moro, justamente ele, um caçador de corruptos que botou na cadeia, indistintamente, políticos de todas as ideologias e partidos com o propósito de limpar o país  e que, surpreendentemente, não conseguiu agradar a todos;  mesmo conseguindo a proeza de, caçando corruptos, devolver a todo cidadão brasileiro  uma parte do  dinheiro que lhes foi roubado.

Pessoas assim, que não são corruptas profissionais ou de nascença,  mas abrem a boca para vociferar contra autoridades bem intencionadas, tentando acobertar seus dignos propósitos e  seus feitos que são de todos; a bem dizer corruptaram-se, o que, contudo,  ainda não é o mesmo que corromper-se. Pelo menos por enquanto.

Artigos publicados no jornal O estado do Maranhão, às quintas

José Ewerton Neto é autor da novela policial premiada O ofício de matar suicidas, em terceira edição

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