Os diamantes não são eternos

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Todo ser humano almeja a eternidade e comporta-se como se isso fosse possível. Na vida pós-moderna (especialmente após a virada do século) a cultura da ilusão e do apelo ao imediatismo procura excluir a morte da realidade cotidiana mediante a ocultaçãode sua presença  e do que ela representa.

Assim, tudo aquilo que a morte carreia é, propositadamente,tratado com distanciamento e indiferença, e isso se manifesta de variadas formas: No desprezo cada vez maior à velhice ; Na exaltação exacerbada à beleza e a juventude ; Na condolência pelos assassinos (cruéis, mas vivos) ao invés de pelas vítimas (honestas, mas mortas) ; Na falta de afeto pelos doentes terminais, confinados e entubados nos quartos dos hospitais, em vezde no convívio de seus familiares.

Esse comportamento é constatável no artificialismo a que tendem os funerais nas regiões urbanas, onde predomina o distanciamento afetivo, expresso nas conversas em paralelo e expressões de riso e até de alegria, diferentes da solidariedade espontânea que somente ainda se vê nos rincões mais afastados.

 Igualmente, os valores trazidos pela consciência da finitude da vida ficam relegados, cada vez mais, a segundo plano: a humildade, a honestidade, a maturidade e a reflexão  são interpretados como sendo incompatíveis com a agressividade necessária para competir no mundo atual e são desestimuladas pelos livros de autoajuda e pelas palestras de empreendedorismo que proliferam nos ambientes sociais.

Naatual Pandemia, esse comportamento, ao invés de interrompido ou, pelo menos,amenizado pela iminência da morte, ganhou tons mais concretos de efetivação como se a Pandemia o referendasse. As pequenas regras de solidariedade ao ente terminal, como a contrição, a reserva, o luto e a oração foram substituídos por um ‘salve-se quem puder’ muito adequado a quem já dispensaria os esforços de demonstração de pesar durante as exéquias de alguém.

Nada de estranhar que na Europa empresas hajam se especializado em prestar um ‘serviço de eternização’, digamos assim, transformando as cinzas dos mortos em diamantes. A procura desse serviço virou uma mania para quem pode pagar. Claro que a homenagem assim prestadatem valor afetivo, mas cedo reverbera uma verdade que a empobrece, pois induz à reflexão de que o dinheiro podendo comprar tudo, ao não conseguir vender a eternidade,  tenta, pelo menos, permutar seu símbolo. No fundo, não passa de um“Compra-se memória”, quemesmo quando visto pelo lado do negócio, tem um  custo-benefício do tamanho de um engodo. O dinheiro é gasto à toa, porque as mesmas cinzas conservadas em depósito mais humilde, se referenciadas com ternura teriam valor equivalente ou maior.

“Os diamantes são eternos” é um filme antigo de James Bond. Vá lá que isso seja verdade, porém,um ser humano, que em vida é  constituído de corpo e memória,  pode até transformar os restos de seu corpo em diamante, mas nunca em memória. Ao contrário esta terá de ser efetivadadurante a sua vivência como única chance de eternizar-se, findo o corpo.

A evolução tecnológica pode muita coisa, mas jamais conseguirá dourar a memória do que alguém fez ou do que construiu em prol dos homens e da sociedade. O que, por ser accessível ao mais humilde dos homens, é o seu maior diamante,e o único capaz de eternizar-se.

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas

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