Investigações apontaram omissão e fraude no sistema de proteção à criança e ao adolescente

Uma denúncia proposta pelo Ministério Público do Maranhão levou a Justiça a determinar o afastamento das secretárias municipais de Saúde, Chrystiane Piancó Lima, e de Assistência Social de Buriticupu, Áurea Cristina Costa Flor, dos cargos por 180 dias. Também foram afastados o diretor de Proteção Social Especial, Paulo Sérgio Pereira Mendes, e Alexandre Florentino Magalhães, assessor jurídico da Procuradoria Geral do Município.
A decisão liminar também proíbe os denunciados de manter contato com testemunhas e servidores das secretarias e do Conselho Tutelar, seu acesso às sedes das instituições e aos seus sistemas de informação, além de ter determinado a busca e apreensão dos bancos de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e e-mails institucionais.
A operação de busca e apreensão foi realizada na manhã desta terça-feira, 9. O material apreendido será analisado, conforme determina a determinação judicial.
ENTENDA O CASO
A 1ª Promotoria de Justiça de Buriticupu encaminhou, em 6 de agosto, uma Recomendação ao prefeito João Carlos Teixeira da Silva, solicitando a adoção, no prazo de 30 dias, de providências para organização da rede de proteção às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência no município.
Entre as medidas solicitadas estavam a criação de um comitê para gestão da rede de cuidado e proteção, com representantes das Secretarias de Saúde, Assistência Social e Educação, Polícia Civil, Conselho Tutelar e acompanhamento do Ministério Público; formalização de fluxo e mecanismos de comunicação; adoção de ficha padronizada sobre casos de violência entre os órgãos da rede; implementação de programas de capacitação obrigatória e periódica para todos os profissionais da rede de proteção; elaboração de plano de monitoramento da rede para avaliar o impacto social das medidas.
Outras providências seriam a criação de grupo de trabalho permanente entre a Prefeitura e o Ministério Público, para monitorar a execução do plano de ação e a adoção de uma política comunicação pública baseada em dados verificáveis sobre casos de violência contra crianças e adolescentes, para evitar informações imprecisas ou que atribuam responsabilidade de forma leviana a outros órgãos sem devida apuração.
No entanto, de acordo com o promotor de justiça Felipe Augusto Rotondo, após a emissão da Recomendação, as investigações apontaram um cenário de total colapso da rede de proteção. De um universo de 105 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes notificados no Sinan, pelo menos 95 não foram comunicados à Polícia Civil, “caracterizando uma omissão sistêmica e deliberada”.
“O ponto culminante da investigação foi a confissão formal da gestão municipal, em ofício protocolado em 05/09/2025, de que praticava a inserção sistemática de dados falsos no Sinan codificando atendimentos pré-natal de adolescentes como ‘violência sexual’ para, segundo alegado, justificar a não comunicação dos casos reais e mascarar a falha primária da rede”, explicou o titular da 1ª Promotoria de Justiça de Buriticupu.
Diante de tal situação, o Ministério Público denunciou Chrystiane Piancó Lima, Áurea Cristina Costa Flor e Paulo Sérgio Pereira Mendes pelos crimes de omissão de comunicação (art. 26 da Lei Henry Borel), falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal) e desobediência qualificada (art. 10 da Lei nº 7.347/85) Já Alexandre Florentino Magalhães foi denunciado por patrocínio simultâneo ou tergiversação (art. 355, do CP), por atuar ilegalmente na defesa pessoal das gestoras utilizando o cargo público.
Foi com base nessa Denúncia que a 1ª Vara de Buriticupu determinou a medida liminar que afastou os envolvidos dos cargos.
ACP
Além da Denúncia no âmbito penal, a 1ª Promotoria de Justiça de Buriticupu também propôs Ação Civil Pública por improbidade administrativa contra as secretárias Chrystiane Piancó Lima e Áurea Cristina Costa Flor. De acordo com Felipe Rotondo, elas “ao longo de toda a investigação do Ministério Público, violaram de forma deliberada e reiterada os princípios da Administração Pública, especialmente os da legalidade, publicidade e lealdade às instituições”.
O Ministério Público aponta que as gestoras, notificadas pessoalmente em múltiplas ocasiões para apresentar documentos essenciais que comprovassem a comunicação dos casos de violência, adotaram um padrão de obstrução, apresentando respostas evasivas, incompletas, intempestivas ou simplesmente ignorando as requisições ministeriais.
A ação argumenta que essa omissão não foi mera negligência, mas uma conduta dolosa com a finalidade de ocultar a grave falha de suas gestões na omissão em massa na comunicação dos crimes e, com isso, evitar a própria responsabilização administrativa e criminal.
Se condenadas, as duas secretárias estarão previstas a sanções que incluem o pagamento de multa civil e a proibição de contratar com o poder público.