A crise do teto municipal não nasceu de política menor, mas de uma injustiça grave contra trabalhadores que tiveram direitos ignorados e salários reduzidos enquanto a verdade era distorcida diante da população
Por Marlon Botão, ex-secretário municipal de Cultura de São Luís e militante político há mais de 40 anos

A crise envolvendo o teto remuneratório do funcionalismo municipal de São Luís, amplificada nas últimas semanas por versões simplificadas ou francamente manipuladas nas redes sociais, não pode desviar nossa atenção do essencial: a injustiça profunda cometida contra auditores, médicas, médicos e demais servidores que tiveram direitos suprimidos, salários reduzidos e dignidade ferida por uma decisão administrativa que afrontou a lei e desprezou o diálogo institucional.
Antes de qualquer disputa política, é preciso lembrar quem são as pessoas atingidas. São trabalhadoras e trabalhadores concursados, que dedicaram décadas ao serviço público e garantem, todos os dias, o funcionamento da nossa cidade — seja na organização jurídica e financeira do município, seja no atendimento à saúde da população. Muitos já aposentados, muitos na fase final de carreira, todos amparados por direitos e decisões judiciais que jamais poderiam ter sido ignorados.
O que ocorreu no fim de 2024 e ao longo de 2025 contradiz frontalmente o que se espera de uma gestão comprometida com a legalidade. Eduardo Braide reduziu proventos, suprimiu verbas alimentares, impôs um teto artificialmente inferior ao previsto em lei e insistiu em descumprir uma norma cuja constitucionalidade foi reiteradamente afirmada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão e pelo Supremo Tribunal Federal. Nos autos da representação apresentada à Câmara, servidores descrevem perdas abruptas, atingindo sobretudo idosos e aposentados — um quadro que deveria ser motivo suficiente de indignação coletiva.
Em vez de corrigir os erros administrativos que produziram esse colapso remuneratório, a gestão municipal escolheu um caminho ainda mais danoso: desumanizar servidores, transformar uma pauta institucional legítima em conflito político e tentar convencer a população de que toda a crise se resumia a uma recusa pessoal em aumentar o próprio salário. Mais grave ainda, Eduardo Braide insinuou que a Câmara queria cassá-lo, atribuindo aos vereadores uma intenção que nunca existiu. A própria dinâmica interna da Casa demonstrou que não havia articulação política para derrubá-lo; o pedido de cassação chegou ao Legislativo por dever legal, e não por vontade política. Deslocar o debate para essa ficção narrativa não apenas desinforma, como também tenta deslegitimar o papel institucional da Câmara.
Essa estratégia, que encontrou nas redes sociais terreno fértil, revela como nos aproximamos perigosamente de um ambiente em que líderes se valem do poder digital para fabricar versões convenientes e induzir milhares de pessoas ao erro. É a lógica dos ditadores digitais: transformar problemas de gestão em batalhas emocionais, deslocando a discussão dos fatos para o terreno das percepções manipuladas.
Não se governa uma cidade atacando servidores públicos. Não se constrói política pública sem diálogo entre Poderes, sem respeito às leis, sem reconhecer que decisões administrativas impactam vidas reais. A arrogância institucional, quando prospera, leva ao desprezo pelo contraditório, ao isolamento político e ao tratamento desrespeitoso de categorias inteiras de trabalhadores. A história recente está repleta de exemplos de gestores que confundiram popularidade com autorização para agir sem limites — e os resultados foram desastrosos.
O pedido de cassação apresentado à Câmara — posteriormente arquivado — não nasceu de oportunismo político, mas de meses de tentativas de diálogo frustradas, decisões judiciais ignoradas e prejuízos acumulados aos servidores. Pode-se discutir o instrumento escolhido, mas não o que o motivou: o descumprimento de uma lei válida, promulgada, publicada e confirmada pela Justiça. Quando o diálogo é rompido unilateralmente pelo gestor, restam à democracia os mecanismos que o Direito oferece.
Por isso reitero minha solidariedade aos auditores, médicas, médicos e demais profissionais da rede municipal. Sua luta é justa, urgente e revela muito sobre o tipo de cidade que queremos ser. O que está em jogo não é uma disputa corporativa, tampouco uma contenda pessoal: é o respeito ao serviço público, à legalidade e à dignidade de quem mantém São Luís de pé.
A classe trabalhadora já deu sua resposta. Buscou a Justiça, mobilizou sindicatos, foi às ruas, defendeu o que é seu. E continuará defendendo, porque sabe que esse enfrentamento vai além do salário: é sobre cidadania, sobre limites institucionais, sobre não permitir que a desinformação prevaleça sobre a verdade.
A defesa dos servidores públicos é, antes de tudo, a defesa da própria cidade. Não há justiça possível enquanto quem sustenta o serviço público segue pagando por erros que não cometeu. Essa luta precisa continuar — com coragem, consciência e unidade — até que a justiça de verdade seja feita.