As múltiplas facetas do descuido – III

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           Conforme anunciei anteriormente, esse é o terceiro e último artigo em que trato das questões familiares e do processo de educação dos filhos. Nos dois artigos anteriores procurei tratar de fatores da vida moderna, tais como: a necessidade premente de ambos os pais se ocuparem muito no dia-a-dia; a dificuldade de estabelecerem limites na educação das crianças; a falta de autoridade de ambos os pais; a falta de diálogo e de convivência entre pais e filhos; a violência doméstica; bullying na família e, fundamentalmente, o silêncio categórico que vigora atualmente dentro de casa. Estes são considerados, na atualidade, os mais importantes fatores predisponentes ao desenvolvimento de inúmeros problemas psiquiátricos, psicológicos e psicossociais na população infanto-juvenil.

            Tenho dito que, em grupo ou isoladamente, esses fatores elencados funcionam de forma decisiva para gerar problemas de caráter ou de personalidade nas crianças. Portanto, tais situações constituem-se como graves ameaças à saúde mental, emocional ou social dessa população, que por natureza e/ou por idade já são vulneráveis.

            Por falar nisso, sabe-se que esse assunto de saúde mental, na contemporaneidade, é uma questão absolutamente relevante e de interesse geral. Nunca se adoeceu tanto, mental, emocional e socialmente, quanto hoje. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que vivemos em uma sociedade enferma, complicada, confusa e que funciona sob condições de profundos desajustes, especialmente nas relações pessoais. Ao mesmo tempo, percebe-se que o mundo contemporâneo repleto de perdas profundas de valores, constrangimentos pessoais sucessivos, aborrecimentos pessoais e frustrações constantes, desrealizações sociais e pessoais, fracasso e decepção diante projetos de vida, descrença geral e uma avassaladora insegurança da população, constituem-se como base do mal-estar geral das pessoas, das famílias e da sociedade.

               Como resposta a tudo isso, cresce, assustadoramente, o número de pessoas enfermas psíquicas, desadaptadas sociais, portadores de diversos quadros psicopatológicos. Entre eles, destacam-se: depressões severas em todas as idades, quadros graves de transtornos de ansiedade, consumo cada vez maior de drogas de abuso (sobretudo maconha e cocaína), índices alarmante de suicídio avançando na direção de pessoas de menor idade, homicídio, feminicídio, desagregação familiar e muitos outros problemas de saúde, legais e psiquiátricos.

          E todas essas mazelas psicossociais e médicas, inseridas em profundas transformações socioculturais, éticas e religiosas e permeadas por problemas socioeconômicos (desemprego e subemprego), passam a se constituir como um cenário complexo e desafiador quanto ao modo de viver das pessoas da modernidade.

            Nesse artigo, destacarei um desses fatores, quiçá um dos mais importantes e que fere, profundamente e às vezes de forma mortal uma criança: o silencio (ou distanciamento e a falta de relacionamento que vem ocorrendo nas relações pais-filhos). Vejam esse exemplo, recentemente atendi um jovem de 14 anos, em meu consultório e perguntando-lhe sobre como iam as relações dele com a família, me dissera: “Dr. Quando tento falar com meu pai e não consigo, por ele está sempre muito ocupado, é como se me matasse”. Essa declaração eu ouvi de um adolescente e demonstra, claramente, como um jovem se sente em não ser ouvido, em não poder conversar, dialogar ou mesmo compartilhar algo com os pais. Esse silêncio entre pais e filhos é avassalador, produzem crianças inseguras, amarguradas, infelizes, carentes, desconfiadas, e com uma sensação de profunda desvalia, no mais profundo sentido mais desses termos. O silêncio se materializa, concretamente, pela falta de comunicação que não há entre pais e filhos, pois esses não conversam.

         O silêncio, também se revela através dos maus tratos, do autoritarismo, da desatenção, da falta de um abraço, de um aconchego, de um colo, de um beijo, de uma palavra de carinho, pois esses não têm tempo para os filhos ou para dar-lhes o mínimo de atenção possível.

        Portanto, o silêncio, é algo dinâmico que atinge profundamente a criação dessas crianças, desde a mais tenra idade, até idades posteriores, ele, passa a enfraquecer a alma dessas criaturas, deixando-as isoladas, ensimesmadas e revoltadas e mais voltada para dentro de si mesmas.  Muitas atitudes estranhas, inusitadas, esquisitas, observadas em filhos oriundos dessas famílias não são percebidas nem por pai nem por mãe, devido ao profundo afastamento que há entre eles. Tem pais que descobrem que o filho usa droga aos 17 anos, embora tenha iniciado aos 12 ou 13. Outros, não sabem o ano que o filho está cursando na escola e muitos não sabem nem o dia do seu aniversário dos filhos.

           Muitos pais, por não poderem mudar o seu “modus vivendi”, apesar de reconhecerem-se responsáveis por grande parte dessas dificuldades, passam ser mais muito indulgentes, condescendentes, permissivos e transigentes. Outros perdem o comando e o pulso na educação desses filhos, e se tornam omissos e negligentes. Outros ainda, se tornam autoritários, dominadores e violentos com os filhos que lhes cobram atenção e outros ainda, passam a premiá-los, indevidamente, como se pedissem desculpas por não poder estar ao seu lado ou compensá-los por suas ausências: “mea-culpa, mea- culpa, mea máxima culpa! É o que querem dizer.

           Vejam as criancinhas de hoje que desde muito cedo já carregam um tablet, um smartphone, já acessam jogos eletrônicos, redes sociais, WhatsApp, e-mails e muitos outros recursos e usam esses equipamentos todos os dias e as vezes o dia todo, sem qualquer controle. Não sabendo esses pais que a educação não se dá com permissões exageradas, ou por concessões desmedidas, muito menos com atitudes desmerecidamente indulgentes ou uma criação sem regras, sem controles e sem limites.

            A educação se dá em um clima de conversa, de entendimento, levando-as a respeitarem a autoridade dos pais, as normais e regras vigentes na família, respeitar valores éticos e dar muito amor, atenção e carinho, é através disso que se educa e desde que cheguem ao mundo.  As crianças se alimentam da voz da mãe e do pai, do calor, do aconchego, do abraço, do colo, do carinho, da autoridade, da firmeza, da atenção, da sinceridade, da franqueza e da confiança em seus pais. Se lhes falta isso, tornam-se “desnutridos afetiva, social e psiquicamente e porque não dizer enfermos existenciais”. Serão carentes e vazios e tentarão a vida toda compensar essas deficiências.  

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As múltiplas facetas do descuido – II

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Semana passada postei aqui, o primeiro de três artigos destinados a examinar as crises que vêm ocorrendo no seio de nossas famílias. A ideia foi relacionar uma série de acontecimentos os quais podem estar contribuindo para graves problemas familiares, especialmente na educação dos filhos.

Neste segundo artigo, tratarei sobre os avanços tecnológicos, internet, redes sociais, entretenimentos (vídeo games etc), equipamentos tecnológicos e a relação disso com a a educação dos filhos, dentro e fora de casa.

         Iniciaria, perguntando: alguém duvida que os avanço tecnológicos, são importantes para a humanidade? Que sua aplicação, em todas as áreas, vem trazendo grandes benefícios? Como trabalharíamos, estudaríamos, nos relacionaríamos, ou garantiríamos nossa sobrevivência, nos dias atuais, sem os recursos dessas tecnologias? Como avançaríamos no rumo do desenvolvimento social, científico e tecnológico sem a interveniência desses recursos? E nossa capacidade produtiva, nossas relações sociais, a segurança, a saúde, as outras áreas humanas, como seriam sem esses dispositivos? O entretenimento mudou ou não mudou com jogos e outras diversões eletrônicas?

        Essas são algumas questões que me parecem relevantes para esclarecer o significado desses avanços tecnológicos na sociedade moderna. O mundo mudou, tornou-se pequeno, as relações humanas não são as mesmas de 30 anos atrás, pois bastam alguns cliques em um teclado para vasculhar o mundo e deixá-lo ao nosso alcance. As distâncias se estreitaram em tempo real, estamos vivendo em múltiplos lugares sem sair do lugar e em qualquer lugar alcançamos tudo em uma velocidade surpreendente.

       Como produto dessas invenções, surgiram as redes sociais, que se abastecem, de tudo o que é bom e do que não presta.  Essas redes virtuais emanam da Sociologia e Antropologia Social, no final do século XX, como um novo paradigma das ciências sociais, aplicada e desenvolvida em disciplinas como a antropologia, a biologia, os estudos de comunicação, a economia, a geografia, as ciências da informação, a psicologia social e, sobretudo, no serviço social. Portanto, as redes sociais virtuais têm bases nas ciências aplicadas.

            Elas operam em diferentes níveis: relacionamentos (facebook, Orkut, Myspace, Twitter, Instagram, WhatsApp, etc.), profissionais (como Linkedin), comunitárias (redes sociais em bairros ou cidades), aplicadas à saúde, segurança e em muitas áreas. Ganham, a cada dia, mais importância e notoriedade, especialmente devido a sua capacidade de se expandir e compartilhar informações, disseminar conhecimentos, fazer amizades, garantir interesses, estudos, negócios, política, etc.

            E assim a coisa foi se desenvolvendo. Até aí, confesso que não vejo problemas sobre essas redes. Caso as relacionemos com as mazelas sociais e familiares, estamos tentando encontrar um bode expiatório para problemas que estão muito além dessas redes e dessas tecnologias. É bom que se diga que redes sociais, internet, equipamentos eletrônicos e outros ingredientes tecnológicos são meios e não fins em si mesmos.

          O maior sentido e importância de cada um desses elementos está em sua utilização, de tal forma, que não podemos atribuir a qualquer um deles a prerrogativa de fazer bem ou mal às pessoas ou à sociedade. Aventar que jogos eletrônicos, games, redes sociais, internet são causas disso ou daquilo pode ser um sofisma, afirmando que são elas os vilões desses graves problemas familiares, incluindo, certamente, o que vem ocorrendo com a educação dos filhos.

          O que está em jogo, ao meu ver, em matéria dos conflitos na educação dos filhos, são aspectos muito mais profundos e mais complexos. Ocorre que, devido aos alcances e aos enormes benefícios dessas redes, muitas pessoas foram se seduzindo, de forma incontrolável e se entregaram a elas de “corpo e alma”, a ponto de adoecerem, perderem a noção de adequação e racionalidade em seu manejo, em suas diferentes áreas de aplicação: entretenimento, lazer, profissionalismo, negócios, relações amorosas, comunicação, etc.

           Pai e mãe, filhos, irmãos, pais e filhos, amigos, marido e mulher, estão usando esses dispositivos abusivamente, inconsequentemente, obsessiva e descontroladamente, às vezes sacrificando muitas ocasiões de bons relacionamentos, onde poderiam crescer e se desenvolver com bom diálogo. Mas, muitos ficam clicando boa parte do tempo em seu smartphone, tablet, etc., de forma insubstituível, deixando esses grandes momentos de lado pelos cliques nas redes sociais.

           Hoje, dentro e fora de casa, as conversas verdadeiras, afagos, reuniões familiares, entretenimentos, compartilhamentos, em diferentes ocasiões, ocorrem raramente e parecem ser coisas do passado. As relações entre e inter-humanos que são reais e verdadeiras estão se dando de forma também efêmera e virtual e cada vez mais superficiais e quando isso ocorre é por pouco tempo, para logo em seguida as pessoas se recolherem ao seu anonimato e à sua vida solitária. Tem gente que quando acorda já pega seu telefone, tablet ou notebook e vai ver o que está ocorrendo no mundo e só depois, cumprimentam os outros de casa. Acordam os filhos para a escola ou se preparam para o trabalho. Nunca as pessoas se cumprimentaram tanto na vida. Bom dia, boa tarde e boa noite enchem as redes sociais, mas se alguém cruzar com alguém no elevador, na rua ou em qualquer lugar, não abrem a boca, não se cumprimentam, ficam em silêncio clicando nos celulares.

             Quem usa, o que usa e para que usa definirão a utilização dessas tecnologias. Sobre jogos eletrônicos, esses são brinquedos, são entretenimento e lazer, muito embora existam os que não prestam e disseminam o mal. Coisas ruins que circulam na internet e que podem prejudicar a nós e a nossos filhos, são criadas por psicopatas, organizações criminosas, pessoas insensíveis e irresponsáveis, que não têm compromissos sociais.

         As ameaças desses bandidos, criminosos e aliciadores surgem sob qualquer forma, em qualquer tempo ou em qualquer de nossas idades. Tráfico de drogas e de seres humanos e outros crimes cibernéticos deverão fazer parte das atividades de controle dos pais. São eles que deverão controlar esses acessos dos seus filhos. Controlar o tempo de uso, orientá-los sobre as ocasiões em que podem usar tais equipamentos, denunciar bandidos às autoridades policiais competentes, tais atitudes são o mínimo que podemos fazer para proteger nossas crianças das coisas terríveis que circulam na internet.

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