A marca social da violência

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É cada vez mais improvável que, nos próximos anos, venhamos a viver a paz social. As guerras, os crimes, as injustiças, as desigualdades e, sobretudo, a violência em suas diferentes formas de expressão, provocam em cada sujeito marcas indeléveis de indignação, insegurança e medo. São práticas tão comuns que além de provocarem sensações graves de insegurança, nos dão a impressão de que já estão incorporadas em nossa cultura e em nosso modo de vida.

A violência social e pessoal é um tema que abastece a grande mídia nacional. Vejam que boa parte do tempo dos noticiosos, dos telejornais e de outras mídias é dedicado ao anúncio de fatos violentos, sendo muitos com requinte de crueldade. Os anos passam, as queixas se avolumam e parece que estamos cada vez mais imobilizados diante do avanço sistemático dessa violência entre nós.

A violência, do ponto de vista comportamental e fenomenológico, pode ser considerada sob dois aspectos: como um epifenômeno, em que suas as raízes estariam ligadas a fatores pessoais e sociais de diferentes matizes, os quais colaborariam para sua expressão final. Seria, então, a “ponta do iceberg”, uma espécie de sintoma cujas causas verdadeiras estariam escondidas. Isto é, a violência como um sintoma que esconde a verdadeira doença e, esta, por sua vez, expressaria as profundas contradições e desagregações, tanto individuais quanto sociais, comuns na atualidade.

Por outro lado, por se tratar de algo frequente, comum e, quiçá, já incorporado à cultura, a violência seria fenomenologicamente “a própria doença” e não sintoma, com identidade e autonomia no contexto psicossocial. Portanto, a violência se transformaria em um padrão de comportamento psicossocial a inspirar outros comportamentos sociais.

Há verdades em ambas as afirmações. A presença da violência em grande escala e sem controle social, como a vemos na atualidade, provocaria tanto uma coisa quanto a outra, representaria duas faces distintas de uma mesma moeda.

Comumente, as pessoas só se dão conta de seus efeitos revelados por medos e inseguranças e nada mais. A indiferença ao fato causador, entremeada à banalidade de sua ocorrência, passa a ser a regra. As manifestações de indignação dão-se de forma localizada e isolada, dissonantes das medidas públicas que são precariamente utilizadas para seu enfrentamento.

Tais fatos colaboram para a construção de um novo ser humano, autor e vítima do próprio comportamento. Um homem indiferente, frio e insensível às questões sociais. Um homem que só se preocupa consigo e com seus interesses e nada mais. É um novo ser que está sendo construído pela sociedade moderna, indiferente à dor e ao sofrimento do outro, um homem que a cada dia pratica a maldade com requintes de crueldade, um homem distante da ética, da bondade da crença, da fé, um homem que cultiva o desamor, arrogância, onipotência, ávido pelo poder, pela posse, sem solidariedade e sem humanidade, entre outras coisas. Um homem que expressa a própria violência em sua natureza.

O legado dessas transformações antropológicas e sociais contemporâneas produz um homem sem autocrítica. Por isso mesmo, matam-se uns aos outros, como se não fizéssemos parte uns dos outros. Destruímos as plantas, os animais e o meio ambiente, como se fôssemos alheios aos mesmos. Exortamos e praticamos o ódio como se fosse um instrumento de defesa, não de autodestruição. Eis a matriz da violência. Não é o trânsito que mata, as drogas que destroem a humanidade, muito menos a injustiça que nos destrói, muito embora se saiba que cada um desses fatos é sumamente importante na definição de nossa sociedade. O essencial é que tudo isso nós mesmos inventamos e seremos nós que haveremos de mudar.

Somos autores, atores e diretores de nossa história, de tal forma que para mudar nosso script atual, temos de rever o que está escrito dentro de cada um de nós para podermos alterar nosso destino.

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