Nihil sub sole novi

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350px-pol_radom_castle_nihil_novi.jpgTodos nós esperamos que do poder Judiciário possam sair decisões que preservem os direitos individuais do cidadão e da coletividade.

Durante esta semana, nos surpreendeu a manchete de um dos principais jornais do País: “Procuradoria “vê balcão de negócios” no Tribunal de Justiça do Espírito Santo”.

Ação da polícia Federal havia recolhido ao xadrez, nada mais nada menos que o próprio presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado.

O governador Paulo Hartung admitiu a gravidade das denúncias apresentadas, e chegou a relembrar a época em que o então presidente do Poder Legislativo era considerado o líder do crime organizado no Espírito Santo. Mas, saiu em defesa de seu estado, para protestar contra o “carimbo” da corrupção!

Os casos apontados seriam pontuais e não caracterizariam o apodrecimento do tecido social de seu Estado.

De fato, não podemos e nem devemos generalizar o episódio, senão lamentar que exatamente aqueles que deveriam dar o exemplo de imparcialidade, ética, honestidade e justiça, abusem do direito de fazer o errado.

Infelizmente, essa prática não é de agora!

Aproveitando o episódio, me vem à memória o meu avô Chico Leite que, se vivo ainda estivesse, estaria completando 104 anos neste mês de dezembro.

Com seu espírito oposicionista ele era uma voz constante na defesa dos oprimidos. Sarney Costa dizia estar o Maranhão àquela época “cheio de rábulas sem nenhuma qualificação”.

Incentivado por ele, Chico Leite decidiu estudar e, mesmo sem estar formado em Direito, submeter-se ao teste da OAB. Foi aprovado. Iniciou, a partir daí, sua presença no Judiciário maranhense, como advogado criminal, cível, eleitoral, enfim, de todas as causas, sobretudo como defensor dos pobres e dos injustiçados.

Durante muitos anos, Chico Leite recebeu orientação de grandes nomes do Judiciário maranhense, tais como Dr. Teodoro Rosas, desembargador Teixeira Júnior, Dr. Agnelo Costa e por último do Dr. Orlando Leite. Quando apareciam questões que ele não sabia como resolvê-las, por vezes recorria a Sarney Costa, seu primo, advogado àquela época, para trabalharem juntos.

Dessa forma, assimilou por muito tempo os conhecimentos de seu primo aprimorando seus métodos de trabalho.

Sempre andava às turras com os juízes da cidade elevando sua voz e exercitando sua pena para protestar contra a morosidade da Justiça e a presença de magistrados inoperantes. Não raro, recorria a sua verve poética para importuná-los, utilizando o expediente de deixar pequenas estrofes “esquecidas” dentro dos processos:

“Oh! Justiça de Pinheiro,Em que lugar tu te escondes, A gente clama por ti, Tu te calas, não respondes …. Vem, Justiça! Te imploramos, Ao nosso apelo atender, Pois, ninguém no mundo pode, Sem ti, Justiça viver”.

Em alguns momentos mais críticos, protestando contra a desonestidade de determinado magistrado, chegou a ponto de apelar até para a pichação de muros, extravasando seu grito de clamor pela justiça.

Teria contratado o velho Gereba para sair pela cidade grafitando nos muros mais alvos das residências:

O bom ladrão tem salvação! O juiz venal não tem perdão!

Neste 11 de dezembro, no auditório da Assembléia Legislativa do Maranhão o brilhante desembargador Nilson Coutinho nos brindou com uma primorosa palestra sobre a história do parlamento.

É verdade, desembargador Milson Coutinho, Nihil sub sole novi!

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A historia de uma casa, contada por ela mesma

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 “Boa Noite!

Deixem que a luz prateada desta lua, nascida anteontem, faça-me enxergar a realidade deste instante de encantamento!
Eu sou esta Casa.

Já estava adormecida… De repente, sonhei! Escutei passos na minha calçada… risos…vozes cantando! Acordei!

Descobri (encantada) que meu sonho esta se realizando. O silêncio do meu sono fez-se música, fez-se luz, fez-se alegria!Meu corpo (trêmulo) achava-se diante das recordações e das saudades!

Preciso contar-lhes a minha história:

Repito, EU SOU ESTA CASA, nasci no século passado. Foi um europeu – Américo de Almeida Gonçalves – nascido em Santa Cruz da Trapa em Portugal, que determinou a minha construção. Em meu corpo “corre” a argamassa de pedra, cal, barro e cimento de que fui feita.

Fui construída de frente para o nascente. Por isso o sol doura os meus terraços todas as manhãs. Os cômodos que ficam para trás, permitiriam que eu assistisse, diariamente, o pôr-do-sol, não fossem as edificações já existentes ali quando nasci. Dizia o Pequeno príncipe que “quando a gente esta triste gosta de ver o por do sol”. Asseguro-lhes que o pôr-do-sol nunca me fez falta porque sempre fui uma casa alegre! A alegria espalhou luzes e cores pelos meus aposentos. Sempre fui uma casa clara e colorida! A alegria pôs música até mesmo nas minhas dobradiças.

As paredes que subiram dos meus alicerces têm quase um metro de espessura! Sabem por que me tornei esta fortaleza? Para proteger e dar segurança àqueles que se aninhavam em meu interior.

Foi isso mesmo que ouviram. Eu fiz um ninho para recebê-los! Ninho de beleza, alegria, amizade, doçura e carinho!

Pela minha localização-trecho nobre da cidade-; pelo meu fino acabamento, pela minha imponência colonial. Conquistei prestígio e o título da CASA MAIS BELA DA CIDADE, por muitos e muitos anos!

A matéria prima do assoalho da minha sala principal, a madeira, veio da floresta amazônica (do Para) em dois tons: a Braúna, madeira negra… e o Pau-de-Cadeia-de-Marajó, madeira amarela. Ambas, madeiras de lei, raras, porque são fechadas à umidade e têm a característica de não apodrecerem.

Alguns dos meus números:

Data de Nascimento: Dezembro de 1954

Cômodos: 22, sendo 15 em cima e os demais nos porões.

Possuo 17 portas e 32 janelas, todas as folhas duplas.

É esse, como vêem, o meu corpo físico. A minha decoração também foi realizada com apuro.

Os móveis que me mobiliaram tinham marca CIMO, eram de Imbuía, trazidos diretamente de Curitiba, para os meus salões.

Enquanto eu esperava a visita do Presidente Juscelino Kubstcheck, cortinas de organza de cor pérola, encimadas por bandôs de cetim, balançavam-se etéreas, das minhas janelas, constantemente, abertas.

Arranjos de flores espalhavam-se pelos meus aposentos! Um espelho de cristal reproduzia rostos felizes!

Um jardim onde floresciam rosas, dálias, jacintos e lírios via-se encravado por trás da varanda! Toalhas de puro linho – tecido nas aldeias de Portugal – cobriam minhas mesas para os almoços domingueiros. À chegada de visitantes mais especiais, o aparelho de porcelana fina e os talheres de prata, saíam do aparador da copa, em companhia das taças onde era servido o gostoso vinho do Porto. Trazido de Portugal em barris e engarrafado por Seu Américo, aqui, entre minhas paredes.

Tudo isso eu presenciei. Tudo isso eu vivi.

A família Gonçalves tinha algumas tradições gastronômicas:

Todo óleo usado no bacalhau era de oliva, português.

No carnaval preparavam-se pratos de “filhoses” que eram servidos, encharcados em uma calda de açúcar em ponto de fio.
Na Páscoa o bacalhau era à portuguesa e o banquete de frutos do mar era oferecido a todos os afilhados que apareciam para tomar a bênção, aos padrinhos.

As crianças no almoço e jantar não tomavam água, nem sucos ou refrigerante. Tomavam leite.

No Natal, depois da ceia, eram servidos: figo, ameixas secas, passas, castanhas portuguesas, nozes, tâmaras e avelãs.
Depois do falecimento de seu Américo, por herança, passei a pertencer ao seu filho caçula José Maria, casado com Marita, uma vez que aqui moravam desde o seu casamento.

Seis crianças povoaram meus quartos e salas! Brinquei com eles de esconde-esconde pelos terraços; de amarelinha pelos quintais cheios de fruteiras.

Até que um dia… Fui vendida. Decisão gerada entre dores, lágrimas e saudades.

Marita, viúva, já residia em S. Luis, mas… Veio despedir-se de mim.

Emocionada percorreu todas as minhas dependências. Chorava em silencio.

Ao entrar na sala “ouviu vozes rezando”. Aproximando-se do aposento da frente “viu um pequeno esquife, coberto com a bandeira dos escoteiros onde um boné de lobinho havia sido também, ali colocado, por Padre Risso, grande amigo do pequenino morto. Quatro escoteiros perfilavam-se como “escudeiros”, onde quatro círios choravam suas lágrimas de cera”. Fora a partida de uma das crianças da casa, para o céu.

Sacudindo essas lembranças tristes ela revê a sala de jantar, a cozinha, o quarto das crianças, o jardim e o quintal. Os pés de loucura estavam cobertos de flores… mas no quintal… as arvores abaixaram suas copas. Não queriam que ela visse suas lágrimas de orvalho!

Eu já fui jovem e bela!…Ali estava eu a constatar que depois que meus primeiros donos mudaram-se para S. Luis, as plantas eram os únicos seres vivos que me faziam companhia. Com elas recordava o que as pessoas diziam quando entravam em minha sala:

Sandra Mendes: – “Parece que estou entrando numa igreja”.

Iná Luiza: – “É uma satisfação visitar a casa de Marita. Sempre arrumada, clara, colorida, iluminada, linda e cheia de novidades”!

Pela minha soleira já passaram: padres, promotores, advogados e desembargadores, gerentes de banco e poetas, membros da Academia Maranhense de Letras, governadores, deputados, palhaço de circo, “Papai Noel”, jornalistas e repórteres de famosas revistas nacionais, como “O Cruzeiro”. Hospedei por três dias o representante do Presidente da República (Juscelino Kubstcheck) o senador Assis Chateaubriand e toda a sua comitiva. Minhas paredes (que tem ouvidos) já escutaram muitas histórias da Carunchinha cantadas por uma das avós que aqui moraram, a vovó Carmem, que narrava para os netinhos. A outra, a vovó Almerinda, à noite, para adormecê-los cantava lindas canções de ritmos tristes e dolentes.

Das minhas janelas alegrias, sonhos e sorrisos pulavam para o meio da rua e iam brincar com as crianças da vizinhança.
Fui palco de festas de aniversário com temas próprios, decoração de teto, convites impressos, escritos em versos; ceias de bagres; jantares. 1º comunhão, Festa de Páscoa, baile de orquestra, inesquecíveis Natais!

Acostumado às belezas da Europa meu dono construiu-me com o puro e o esmero com que se faz uma obra de arte.

E… como OBRA DE ARTE, já fui homenageada de várias formas:

FOTOGRAFIA: Vejam a minha foto, já fui modelo!

ESCULTURA: Aqui tenho a minha maquete, feitas pelo acadêmico da  APLAC, Erivaldo Moreira.

PINTURA: Pousei para esta tela. Olhem! Ela foi pintada por…

POESIA: Também fui musa inspiradora de poeta! Antonio Carlos Pereira Lobato, Patrono da APLAC, irmão de Marita, imortalizou-me em versos “A TUA CASA  MARITA””.
Esta crônica foi escrita por Marita Gonçalves, membro da Academia Pinheirense de Letras Artes e Ciências – APLAC, e lida por ocasião do terceiro aniversario da APLAC dia 21 de novembro de 2008.

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O poço do Mercado

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pocodepinheiro.JPGA Academia Pinheirense de Letras comemorou o seu terceiro aniversário com uma larga programação na cidade de Pinheiro. 

Com  a participação da comunidade, foi feito um passeio noturno pelos principais pontos históricos da cidade e em cada um deles encenada uma apresentação cultural.

Destaque para o belo texto, que aproveito para reproduzir a seguir, de autoria da escritora e confrade Graça Leite, enaltecendo o velho poço do Mercado, marco da cidade de Pinheiro:                        

              
“O passado sentou-se à beira do poço do Mercado e espiou para dentro.

Viu o seu rosto envelhecido refletido no espelho das águas, fechou os olhos e sonhou…

Na nebulosidade do seu sonho, logo apareceu uma dezena de escravos cavando a terra, fazendo aquele buraco, em busca de água fresca e pura que lhes desalterassem  a sede.

Suor e lágrimas escorriam pelos corpos seminus dos negros.

Talvez, quem sabe? Aquela pocinha d água, lá no fundo, que nunca seca, seja o acúmulo daquelas gotas de sofrimentos!…
Lentamente, um vulto feminino se desprende das barreiras marrons e do fundo do poço emerge a figura de uma mulher: era a Mãe D`água. Bela, branca, cabelos lisos, longos e dourados. Viu-a sentar-se no bocal do poço penteando os seus longos cabelos em noites de lua cheia. Tinha uma fisionomia serena, doce, mas era assombração, e assombração era coisa do mal, tanto é que os cachorros latiam, uivavam, gemiam, corriam pra lá e pra cá no areial das ruas e nos quintais das casas,tentando fugir dos assobios e dos açoites da dona das águas…

Depois da mãe d’água, apareceu o currupira.

Veio subindo, depressa e quando apareceu na superfície mostrou logo as suas travessuras. Moleque danado de safado! Calcanhares pra frente com os dedos dos pés todos virados para trás. Deixava rastros esquisitos pelos caminhos da mata e corria no ruma das tucunzeiras, encarrapitando-se lá no olhinho entre os espinhos e levando consigo as crianças desobedientes que se atreviam a sair de casa no pino do meio-dia.

Em seguida, apareceu de dentro do poço uma tocha de fogo e passou zunindo no rumo do campo. Era a curacanga.
Temida e respeitada por pescadores, as cabeças das velhas feiticeiras libertavam-se dos corpos que ficavam nas redes, nas noites de sexta-feira, saiam pelos campos com a sua magia incandescente, soltando faíscas, subindo e descendo, bailando ao sopro da brisa, separando-se e unindo-se em um só foco de luz que o olhar amedrontado dos pescadores fazia crescer…

Olhem! Vejam! Lá vai a curacanga riscando o céu! Vai no rumo do oiteiro de São Carlos!

A procissão de lendárias imagens, continua no sonho do passado.

 É lá que ele arranca, de dentro do poço, a manguda.

 Lá vem ela surgindo das águas, aparecendo nas noites escuras, com o seu chambrão branco esvoaçando, indo em desabalada carreira pelas ruas da vila de Pinheiro em busca de um amor proibido. Quem a avistava de longe, corria mais do que ela e, ofegante, chegava em casa, apagava a lamparina e jogava-se na rede com os cabelos todos em pé.
Mal a manguda desaparece, eis que o marulhar das águas do poço indica o aparecimento de mais uma lenda: é a velha feiticeira que virava porca.

Deitada no lamaçal “bucho de velha”, lá perto da Forgata, em frente à usina, ela roncava, grunhia, sapateava e pingando lama, corria atrás dos transeuntes que se aventurassem a chegar perto do seu leito lamacento.

Até a mata do Bom Viver foi resgatada pelo sonho lendário do passado e trazida para a procissão de lembranças.
Foi vista bem ali, com o seu caminho de mato com barreiras altas, estrada funda, fechada lá em cima pelas copas das palmeiras de babaçu. Da escuridão da mata ouviam-se gritos, apareciam vultos estranhos, sumiam, tornavam a aparecer,montavam na garupa dos cavaleiros, emparelhavam com o galope dos cavalos, deixando as barrigas dos animais ensangüentadas pelos fustigamentos das esporas dos seus condutores. A febre nervosa, no dia seguinte, era curada por benzições e garrafadas dos pajés.

De repente, ZAZ! Surge de dentro do poço a carroça de ossos, a meia noite, atritando correntes, chacoalhando ossos de defuntos e sai pelas ruas da cidade, interrompendo o sono dos pinheirenses que afirmam, no dia seguinte, haverem escutado o sinistro som.

A evocação destas lembranças trás o velho passado para o presente. Só então ele percebe o quando aquelas lendárias imagens estão distantes! Cento e cinqüenta e dois anos se passaram e foram guardados no fundo daquele poço! Somente ele resistiu aos impactos do mundo moderno, representando a única testemunha viva daquela época. É tudo o que restou do tempo em que o conhecimento era empírico e o povo buscava explicações para a vida simples que levava, misturando lendas, superstições e crendices, fazendo do imaginário o código das suas leis.

És tu, oh! Poço do Mercado, nosso velho amigo centenário, o depositário dos nossos mais caros tesouros!

Quantos anos tens?

Ninguém sabe. Sabemos apenas que das profundezas das tuas águas turvas, nasceram as nossas origens.

Sentado no bocal do poço do mercado, o velho passado medita.

Tem consciência de que as imagens saídas dali somente virão à tona nas páginas dos livros dos estudiosos ou na lembrança dos antigos pinheirenses.

Diante desta constatação, o velho passado espiou mais uma vez para dentro do poço e desta vez… chorou! Lágrimas de saudades foram saindo dos seus embaciados olhos  cansados e pingando, pingando, uma a uma foram caindo dentro do poço misturando-se, lá no fundo com as novas águas que começaram a brotar da vertente do progresso.   

Foi então que o milagre aconteceu:

Oh! Céus!

O passado e o presente se misturaram dentro do poço e as águas começaram a subir: foram subindo… subindo… e explodiram na superfície formando uma CASCATA DE LUZ!!!”

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