Os Sem Dente

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dentista_jpegUma pesquisa sobre saúde bucal, realizada pelo Ministério da Saúde, mostrou a existência de cerca de 20 milhões de desdentados no País. O programa Brasil Sorridente, lançado pelo Governo Federal procura amenizar a situação da população brasileira de baixa renda que não dispõe de serviços odontológicos públicos.

Através de ações como distribuição de milhões de kits com escovas de dente e creme dental para alunos da rede pública, construção de centros odontológicos com laboratórios em municípios estratégicos, e engajamento das equipes do Programa Saúde da Família, o Governo Federal busca conscientizar a população mais carente sobre a necessidade da prevenção da saúde bucal.

Mesmo nos dias de hoje, o acesso aos serviços médicos e odontológicos é um privilégio de poucos que moram na capital ou nas sedes dos municípios.

É verdade que o tempo é sempre o causador das grandes transformações por que passa a sociedade. Os costumes se alteram, as práticas se modificam, as políticas públicas acompanham o clamor popular e até os nossos valores acabam sendo ajustados ao sabor desse tic-tac inevitável do relógio.

Não muito distante dos dias de hoje, uma prática muito comum utilizada pelos candidatos na busca dos votos era visitar as comunidades levando consigo um médico para distribuir consulta e remédio de graça. O dentista, também, nunca era esquecido nessa caça ao eleitor.

Assim foi que Zé Augusto, jovem dentista formado no Piauí, tão logo chegou a Pinheiro foi imediatamente incorporado à campanha eleitoral de Dico Araújo rumo à prefeitura do município.

Certo dia, a população do Pimenta aguardava ansiosa pela chegada da comitiva. Uma salva de foguetes anunciou a presença do médico e do dentista, que só eram vistos de dois em dois anos por ocasião das campanhas eleitorais.

Após uma cansativa viagem, enquanto o médico improvisava o consultório numa pequena sala na casa de Robson Oliveira, Zé Augusto acomodou-se sob as sombras de um frondoso pé de Angelim para ali instalar o seu gabinete ambulante.

Em poucos minutos, o espaço sombreado sob o Angelim já não cabia mais ninguém. Homens, mulheres, crianças, uns em pé, outros carregando seu próprio mocho, espremiam-se curiosos e ansiosos pelo início dos trabalhos. Quase todos com dores nos dentes ou nos cacos que ainda lhes restavam dentro da boca.

Zé Augusto apresentou-se, pediu voto pro candidato e organizou a fila. Todos deviam arranjar um banquinho ou uma cadeira e sentar-se um após o outro. Formou-se uma enorme fila. Improvisando o consultório, colocou sobre uma mesinha uns pacotes de algodão, alicates, boticões, alavancas, pinças, o estojo de esterilizar os aparelhos e os vidrinhos com a anestesia.

Para dar conta do serviço, montou uma verdadeira linha de produção. Ia aplicando a xilocaína de um em um, até o final da fila. Nesse momento, a anestesia já estava fazendo efeito naqueles que a receberam primeiro. Rapidamente ele corria para o início da fila. Começava, agora, a fase da “extraição” dos dentes.

Cada qual, gemendo de dor, apontava dentro da sua própria boca para um dos dentes e o dentista, com aquele boticão que mais parecia o bico de um carcará, segurava com firmeza o dente ou o pedaço que dele restava. Torcia para um lado, virava para o outro e Vupt… Enquanto o eleitor gritava de dor ou de alívio, o dente era jogado dentro de uma lata de querosene vazia que se deslocava ao lado, carregada por um ajudante improvisado.

Zé Augusto seguia arrancando os dentes num ritmo alucinante, extraindo de dois a três dentes por pessoa. O balde de dentes já se encontrava pela metade, quando ele se deparou com um jovem pálido que, de boca aberta, grunhia de tanta dor. O rapaz apontou para um dente que foi extraído sem nenhuma dificuldade, apontou para outro, que da mesma forma saltou da boca e foi fazer companhia a mais de uma centena deles dentro da lata. Para cada dente apontado, era um a menos dentro boca… Foi quando ofegando e gritando alguém correu na direção do dentista.

− Doutor! Pelo amor de Deus, pare!!! Esse rapaz não é bom do juizo… Ele é doido!

− Doido!? Respondeu Zé Augusto. − Pois ele encontrou, então, foi um mais doido que ele…

Ainda bem que os tempos são outros! Ultimamente a justiça eleitoral vem evoluindo e coibindo esses abusos.

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