Carta a José Sarney

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Minha confreira da Academia Pinheirense de Letras, escritora Graça Leite, elaborou em nome de Pinheiro esta carta endereçada a seu filho mais ilustre.

Compartilho-a com meus leitores.

“Meu menino aniversariante.

A idade cronológica não conta para os grandes guerreiros. O número de vitórias conquistadas substitui o número de anos vividos. A idade é determinada pelo número de batalhas vencidas, o que vale para você completar hoje mais de um século de vida.

Porém os dias correm, o calendário avança e quando nos damos conta dos anos passados, eis que as vitórias já não significam tanto para nós, sendo apenas lembranças gratificantes, títulos, medalhas e troféus acumuladas na empoeirada estante do tempo, mesmo para um guerreiro como você, ainda em plena forma.

Escrevo-lhe sempre no dia do seu aniversário para parabenizá-lo e conversarmos um pouco sobre nós.

Embora os e-mails estejam em moda com a informática dominando o mundo, a sua velha mãe centenária ainda é apologista da caneta, por considerar o ato de escrever uma espécie de canal por onde jorram expressões da alma. As teclas dos computadores são frias, eletrônicas, não conseguem passar a magia que uma carta contém. Ah! Que saudades do carteiro gritando na nossa porta “correio!” e a gente correndo ansiosa para abrir o envelope aéreo com as bordas verde-amarelo porque sabíamos que ao abri-lo encontraríamos dentro um mundo de emoções.

Perdoe as reminiscências, mas são elas que nos fortalecem, alimentando a nossa vivência moderna, levando-nos a comparações que nos colocam em lugar de observadores e daí aceitar, sem entender, a vida moderna que vivemos hoje.

Confesso a você, filho, que é muita confusão para cabeça de uma centenária caipira!

Avalie que até aqui, na nossa casa, ninguém mais pára pra contemplar a beleza dos campos cheios, ninguém se detém para ouvir o canto dos bem-ti-vis, ou sentir o cheiro da terra molhada que exala dos nossos quintais. É uma correria sem fim e o que é pior, as mazelas das grandes cidades já chegaram por aqui: violência, tráfico de drogas, assaltos, chantagens, golpes e seus irmãos, outrora tão pacatos, são agora protagonistas de crimes hediondos, latrocínios, estupros e eu fico estarrecida pois sou a mãe que os educou.

Onde foi parar a educação de respeito, honra, dignidade que lhes dei? Onde estão os princípios de ética, amor, honradez que os nossos antepassados nos legaram?

É com o coração sangrando que vejo as minhas filhas adolescentes exibirem os seus corpos nus e praticarem cenas de sexo explicito que são mostradas nas telas dos celulares e na internet, sem nenhum pudor e até vangloriando-se do feito.
A sua velha mãe está triste, muito triste com os avanços da modernidade por estas bandas.

E eu lhe pergunto:

O que poderemos fazer, eu como cidadã, você como Senador da República e as demais autoridades, para encontrarmos uma fórmula que possa compatibilizar tecnologia, urbanismo, desenvolvimento, com a dignidade e a Paz? O que fazer para resgatar a nossa tranqüilidade que se perdeu no labirinto da aceleração global, do permissível, da busca desenfreada do dinheiro, do trabalho frenético e do prazer insaciável?

São questionamentos como estes que angustiam a sua velha mãe-terra, e fazem dela uma cidade-mulher pessimista quanto ao nosso futuro. Temo por seus irmãos, temo por mim, cidade centenária que a cada dia assisto a destruição dos meus velhos casarões para dar lugar e empreendimentos comerciais modernos distanciando-me cada vez mais, do meu passado, das minhas tradições. A modernidade vai aos poucos acabando com a minha identidade centenária. Desculpe o desabafo. Deve ser fruto da idade!

Hoje é um dia festivo para você e não sou eu, a sua velha mãe-terra que o adora, que vai empanar o brilho da festa com as minhas lamúrias.

Envie-me um fio de esperanças. E não me fale mais de Dossiê, CPI, Grampos e todos esses assuntos, vazios para nós, que somos poetas, e que contribuem para aumentar a nossa desconfiança. Fale-me de assuntos que fortaleçam a nossa credibilidade e façam despertar as nossas esperanças.

Creia, meu filho, não era esta a carta que eu gostaria de lhe escrever hoje, mas sabe como é, a alma triste vai deixando jorrar pela caneta os sentimentos mais profundos. Sei que você me entende.

Parabéns pela data!

Nada, nada mesmo nem as “intrigas da oposição”, nem as loucuras do mundo moderno, serão capazes de me fazer esquecer o filho amado, que sempre pensou em mim e me colocou em destaque na história do Maranhão.

Que Deus abençoe a sua vida, a sua família e os seus projetos.

Sou e sempre serei a mamãe coruja mais orgulhosa do filho que possui.

Carinhosamente, sua mãe-terra.

Princesa da Baixada.”

Pinheiro – 24/04/09
Graça Leite
Membro da Academia Pinheirense de Letras

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Sábia é a natureza

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sabia-e-a-natureza.jpgOs Os verdes campos da Baixada maranhense são um espetáculo de rara beleza. Mesmo aqueles que já estiveram pelo Pantanal de Mato Grosso, dizem que os campos alagados do Pericumã são incrivelmente belos.

A mansidão das águas, repletas de flores que desabrocham das plantas nativas, acolhe bandos de jaçanãs e japeaçocas que, com seus vôos rasantes e belos cantos, preenchem o azul do céu nos dias ensolarados do inverno.

Várias foram as tentativas de fazer o melhor uso dessas terras alagadas. Em meados do século passado, pensou-se que a criação dos búfalos pudesse ser a grande vocação econômica daquela região.

A criação desordenada e extensiva provou que não era o melhor caminho. Surgiram conflitos de interesse entre fazendeiros e os pequenos agricultores. O clima social ficou tenso e o governo teve que intervir. Na luta da sobrevivência, perdeu o búfalo. Tenho minhas dúvidas se o homem do campo ganhou…

O certo é que a tão vislumbrada redenção da Baixada maranhense, com sua pecuária forte, foi literalmente para o brejo. O caboclo continua sobrevivendo da pesca e da cultura da mandioca.

Anos mais tarde, o então presidente José Sarney sonhou e decidiu implantar nas margens do rio Pericumã, um audacioso projeto de irrigação. Espelhado no exemplo de sucesso do vale do São Francisco, o governo investiu milhões, selecionou e assentou colonos na esperança de que a agricultura irrigada na bacia do Pericumã fosse capaz de transformar os pequenos agricultores em produtores rurais.

Teria sido o projeto mal concebido? Talvez aquela gente simples não tivesse recebido a devida capacitação! Ou mesmo, teriam falado mais alto os genes mestiços de seus antepassados indígenas, que lutam apenas pela sobrevivência? O certo é que, infelizmente o sonho não se tornou realidade.

Com a implantação desse projeto chegou a Pinheiro um experiente técnico agrícola com a missão de pesquisar vocações para o cultivo de diversas frutas. Garden era o seu nome. Recrutou alguns serviçais nativos e com eles passou a fazer experimentos. Manga, uva, coco, melancia, melão etc… Além de hortaliças, quase todas, desconhecidas na região.

Dentre tantos, Romualdo destacava-se pela capacidade de trabalho e pelo interesse em tudo o que o Garden lhe ensinava.
Certa feita, Garden decidiu ir até São Paulo e levou consigo Romualdo, que nunca havia saído de Pinheiro, para conhecer alguns projetos de cultivo. Na manhã seguinte, bem cedo, foram ver de perto o Mercado da Ceasa.

No caminho, do hotel ao Mercado, tudo era superlativo para Romualdo. As largas avenidas, a quantidade de carros, os arranha-céus…

Ao chegarem ao local, o negrinho Romualdo assustou-se com as pilhas de melancia, arrumadas umas sobre as outras, formando verdadeiras montanhas. Mais alto que o Outeiro do Finca, pensou consigo mesmo.

Perguntou ao Seu Garden, se essas melancias levavam quanto tempo para serem vendidas.

−Essas melancias vão acabar em poucas horas. Tem muita gente pra comer aqui em São Paulo… Respondeu Garden.

Aquela imagem das montanhas de melancia não saía da cabeça de Romualdo.

No dia seguinte, foram ao centro da cidade. Ao atravessarem o viaduto do Chá, Garden deu por falta do Romualdo. Assustado, (já pensaram se o Romualdo se perde? Nunca mais vai ser encontrado!…) procurando entre a multidão que freneticamente cruzava o Vale do Anhangabaú, identificou o boné do projeto DIBON na cabeça do negrinho. Aproximando-se, percebeu que ele contemplava aquela multidão em baixo do viaduto, balançando a cabeça de um lado para outro. Falava baixinho, consigo mesmo:

− Não dá, não dá….

− Mas o que é que não dá? Indagou Garden.

− Aquelas melancia, siô… Ponderou Romualdo. − Não dá mesmo pra esse povo todo, não…

Hoje, remando numa pequena canoa, deslizando pelas águas do Pericumã não me canso de contemplar a beleza das cenas que se renovam a cada ângulo. Arrisco-me a dizer, que a natureza está a espera que o aproveitamento dessa riqueza deva ser feito através de uma outra forma. Precisamos deixar de ser egoístas e compartilhar a beleza desses campos alagados com mais gente. Vamos preparar nosso povo, fazer a infraestrutura adequada e divulgar nossa região para o Mundo.

O turismo pode ser a grande solução.

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