Uma porta à procura de uma casa

7comentários

Tempos atrás, recebi um convite para conhecer um velho casarão colonial no Centro Histórico da cidade.
Chicão, meu amigo, mostrava-me objetos antigos espalhados pelos cômodos da casa de seu pai no sobrado da ladeira de Santo Antonio. Imagens sacras, plafonds, porcelanas, fotomobils, cristais da Bohemia e de outras praças, prataria, petisqueiras de jacarandá com vidros bisotados, enfim, um autêntico antiquário.

Cada uma daquelas peças carregava, com certeza, uma história de vida daqueles que a possuíram por algum momento. Enquanto percorria aquele amontoado de objetos, fiquei a imaginar cenas que essas peças teriam presenciado ao longo de sua existência no convívio com seus antigos proprietários. Porém, mesmo absorvido pelos meus pensamentos, ao cruzar o corredor principal da casa, minha atenção foi atraída por algo que teria sido, há muito tempo, uma porta. O perfume do cedro ressecado pelo tempo ainda recendia pelo ambiente. Mesmo na penumbra do confinado espaço, meus olhos brilharam! Aquela porta teria enfeitado o sobrado de alguma família nobre de São Luís.

Entre tantos achados interessantes, acabei por adquirir aquela porta. Contratei um caminhão e, num sábado ensolarado, cheguei à minha casa, eufórico, com o achado.

Beth, minha mulher, ao ver aquele emaranhado de peças soltas, velhas e empoeiradas, não deixou por menos:

− O que uma porta velha vem fazer na minha casa? Onde vou colocar uma quinquilharia dessas?…

Logo depois que aqui chegamos fomos morar em uma casa ampla, moderna, feita sob medida para criar os nossos filhos. Embora nascidos no Rio de Janeiro, havíamos decidido criá-los numa cidade menor, mais segura e no aconchego dos amigos e da família. É bem verdade que aquela porta nada tinha a ver com a nossa casa… Mas tentei tranqüilizá-la alegando que era uma peça centenária, rara, histórica e que eu iria restaurá-la.

Chamei Curió, um mestre na arte da marcenaria de restauro, que passou quatro meses dedicando todo o seu esforço e maestria na recuperação daquela preciosidade. Tal qual uma Fênix, a porta ressurgiu de suas mãos ainda mais bela e imponente e no aguardo de um espaço nobre para abrigá-la. Até minha mulher passou a admirá-la. Mas, insistia na pergunta:

− E agora, o que vais fazer com ela?

− Vou fazer uma casa para abrigar esta porta! Respondi prontamente.

Por curiosidade, resolvi partir em busca da origem da porta. E não é que o destino devolve à família Soares a porta que um dia havia lhe pertencido?! No casarão da Rua do Passeio, quase na esquina do Canto da Viração, essa porta deixou-se abrir para dar passagem a ilustres figuras de São Luís que freqüentavam a casa de seu antigo proprietário. Pertenceu ao renomado médico e primeiro deputado federal, constituinte de 1946 e filho de Pinheiro, Dr. Odilon Soares.

O tempo passa e, de repente, os nossos filhos crescem, saem para estudar, casam e batem asas para fazer suas próprias vidas. Assisti dias atrás o filme de Daniel Burman, “O ninho vazio”, que trata da experiência vivida por muitos casais ao se depararem com o fato de que, de repente, começam a ficar sozinhos quando os filhos partem para assumir o comando de seus próprios destinos.

A nossa casa, alegre com a algazarra dos filhos e de seus amigos, começou a ficar silenciosa. E enorme! O azul da piscina já não mais refletia o sorriso dos meninos e os nossos objetivos e prioridades começaram a se transformar.

Recentemente, Turíbio Santos, um arquiteto amigo ao nos visitar deparou-se com aquela porta encostada em uma das paredes de nossa morada. Encantou-se. Manifestamos a ele o desejo de construir uma nova casa, desta feita adaptada às necessidades dos novos (ou velhos) tempos. O projeto foi gestado, decidimos construir um novo ninho e dentro em breve estaremos nos mudando para o nosso novo lar. Nosso e da porta. Que irá se abrir novamente para receber com carinho os amigos mais chegados.

7 comentários »

La Bluette – II

0comentário

A notícia já viajou o mundo.

Recebo informações provenientes de um renomado historiador Pablo Hernadez Ortega, de Las Palmas, na Espanha.

O site listado a seguir é rico em detalhes sobre a aventura da travessia do oceano Atlântico pelo la Bluette.

http://www.johnratcliffe.eu/LUCIADEHERRERA/III_TRABAJOS/IIIT08_naves/IIIT081_veleros/III0812_clandestinos/IIIT08124_bluette/index.htm

sem comentário »

La Bluette

6comentários

 Tão logo entrou em cartaz no Brasil o filme Rede Social, minha caixa de e-mail não sossega com a chegada de inúmeras mensagens convidando-me para fazer parte do Facebook. A Internet, através das redes sociais, tem permitindo disseminar notícias e garimpar informações numa velocidade surpreendente. A um simples comando suas idéias podem ser compartilhadas e difundidas mundo afora.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, muitos europeus encheram-se de esperanças e tentaram construir uma nova vida longe de suas pátrias. Deixaram para traz os horrores da Guerra e bens materiais e trouxeram apenas o coração cheio de saudades da família.

No início de 1949 partia da Espanha com destino à Venezuela, um veleiro trazendo uma pequena leva de imigrantes recrutados para trabalhar na exploração de madeiras no Novo Mundo. Charles Dell´Eva e Lúcia Paullete, dentre muitos outros, faziam parte desse grupo.

La Bluette era o nome da embarcação. Após uma conturbada travessia do Atlântico sob fortes ventos e tempestades o barco é desviado de sua rota original e sofre graves avarias. Sem o astrolábio, navegaram dias e noites perdidos e sem rumo na imensidão do mar. Era 18 de fevereiro de 1949 quando avistaram, ao longe, a luz de um farol. Na manhã seguinte ancoraram na baía de São Marcos em São Luís do Maranhão.

Durante a Guerra, enquanto trabalhava como enfermeira no Hospital da Cruz Vermelha em Paris, Lúcia Paullete seguia um rigoroso tratamento orientado pelo Dr. Jassoneneix para livrar-se de um fibroma. Anos mais tarde, ainda sem ter se curado do tumor, embarcou na Espanha munida de fortes doses de Ergotamina para agüentar a longa travessia. Sobreviveu às inúmeras hemorragias ao longo da viagem e chegou a São Luís pesando míseros 40 quilos.

Hospedados no Hotel Central Charles e Lúcia decidiram por permanecer em São Luís em busca de cuidados médicos que ela tanto carecia. Lá conheceram Dr. Pedro Braga filho. Por ele foram apresentados ao Sr. Francisco de Paula Gomes que lhes acolheu e propôs uma alternativa de trabalho.

Charles! Perguntou Paula Gomes. − Você saberia fazer tijolos e telhas?

Et porquoi pas!? Apressou-se em responder Charles.

Foi assim, em companhia de Auguste e Guy, dois compatriotas companheiros da árdua travessia, que iniciaram a vida no Brasil amassando barro e transformando em telhas e tijolos na Olaria situada às margens do Rio Bacanga no sítio do “Tamancão”.

Alugaram uma residência no distante bairro da Alemanha – Casa Veneza – que Charles descrevia como “longe de tudo e perto de nada”… Após meses de tratamento e repouso absoluto Lúcia engravidou e as hemorragias voltaram a ser freqüentes. Atendida pelo doutor Bacelar Portela, ela foi informada que deveria ser submetida a uma delicada intervenção cirúrgica. A criança estava bem, no entanto os exames mostravam a presença não de um, mas, de dois fibromas que deveriam ser removidos imediatamente para garantir a vida do bebê.

Naquela época era uma cirurgia de alto risco. Marcada para o Hospital Português, a operação, assistida pela Irmã Bernadette do colégio Santa Teresa, foi realizada e considerada um grande sucesso da medicina. Além do mais, a barriga aberta surpreendeu a equipe médica. Tratava-se não de dois, mas de apenas um tumor e dois bebês…

Joanna Alice, esse é o nome de um daqueles bebês, nascidos em São Luís do Maranhão numa plena terça feira de Carnaval, em 14 de fevereiro de 1949, data essa em que se comemora, na França, o Dia dos namorados.

É de Joanna Alice o mais recente e-mail que recebo, em busca de mais informações que possam completar essa interessante história de vida.

Nesse mesmo mês de fevereiro as fortes chuvas que desabaram sobre São Luís destruíram a Olaria do Bacanga levando com ela, além dos tijolos e telhas, os sonhos e as esperanças de Charles.

Para quem enfrentou as tormentas em alto mar e vivenciou os horrores da Guerra não seriam as águas de fevereiro que iriam afogar a obstinação de Charles. Desolado, mas com a ajuda de seus amigos de São Luís, empreende um novo negócio: Em julho de 1950, Inaugura o restaurante “A Brasileira” na Rua Godofredo Viana entre a Rua Grande e a Rua da Paz.

Durante quase dois anos a Casa passa a ser conhecida como “o restaurante dos franceses” e é freqüentada pelos artistas famosos, intelectuais e até o ex-presidente Getúlio Vargas tem seu nome registrado no Livro de Ouro do restaurante.

(Quem conhecer mais detalhes sobre o Bluette fineza informar para [email protected])

P.S.: A foto da embarcação é do historiador Pablo Hernandez Ortega, de las Palmas – Espanha.

6 comentários »
https://www.blogsoestado.com/josejorge/wp-admin/
Twitter Facebook RSS