Negro Ovídio

2comentários

negoovidio.jpgQuando da abolição da escravatura, os senhores de engenho de Alcântara perderam seus escravos e deu-se início a um processo de declínio econômico em todo o Estado do Maranhão. Muitos dos escravos adentraram pelo Interior em buscas de terras e juntaram-se a outros negros que haviam se refugiado nas matas distantes.

A região de Guimarães, mais tarde desmembrada para criação dos municípios de Mirinzal e Central do Maranhão, entre outros, abrigava vários quilombos desde o final do século XVIII, destacando-se os de Frechal e São Sebastião.

Na divisa de Pinheiro com Central do Maranhão, o povoado do Pirinã foi formado em grande parte pela população descendente dos quilombolas vizinhos.

Em meados do século passado, conduzida pela liderança do casal Dodô e Dona Nhazinha, a comunidade de negros do Pirinã prosperou e muitas conquistas sociais foram, por eles, adquiridas.

Dona Nhazinha, católica fervorosa, decidiu construir, sob o regime de mutirão, uma pequena capela no local. A inauguração seria feita com a celebração de uma Missa, ministrada pelo padre Luiggi Risso, missionário do Sagrado Coração de Jesus, recém chegado da Itália, cuja fama de rabugento já havia extrapolado os limites da cidade. Em suas Missas, o padre não tolerava ruído e muito menos quem chegasse atrasado; em seus batizados, crianças não podiam chorar e, em dias de festa, tocar foguetes, nem pensar…

Morador do Pirinã, Ovídio era um negro beiçola que não gostava de ser contrariado e era conhecido nas redondezas pela sua enorme ignorância. Ele pretendia aproveitar a Festa para batizar um neto e foi procurar Dona Nhazinha para orientá-lo.

– Olha Ovídio, vou logo te dizendo: O padre Risso só batiza se tu aprenderes o catecismo e se souberes fazer o sinal da Santa Cruz!

– Mas que sinal é esse, Dona Nhazinha? Perguntou Ovídio.

– Presta atenção Ovídio! Que eu vou te ensinar a fazer: E começou Dona Nhazinha, fazendo com o dedo polegar uma pequena cruz na testa.  – Pelo sinal da Santa Cruz, – Nova cruz, dessa vez sobre os lábios, – Livrai-nos Deus, nosso Senhor… Mais outra cruz na altura do coração… – De nossos inimigos… E por último, com a mão direita e os dedos juntos, continuou: – Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…

Ovídio, olhar espantado, assistiu a todo aquele ritual, e, sob a orientação de Dona Nhazinha, repetiu inúmeras vezes, até que foi dispensado para procurar alguém que soubesse ler e lhe ensinasse o catecismo. Na saída, Dona Nhazinha advertiu:

– Ovídio, vou te avisar pela última vez! Presta atenção! Aprende tudo direitinho que o padre é zangado e não batiza ninguém se não souber o catecismo e não fizer direito o sinal da Santa Cruz!

No dia da Festa, a comunidade toda se preparou para assistir a Missa e fazer os batizados dos meninos, ansiosa por participar das comemorações de inauguração da capela.

O padre chegou ao local da Festa suando em bicas e muito arreliado depois de quatro horas montado num boi-cavalo e foi, logo, convocando todos a participarem da Celebração.

O nego Ovídio, vendo aquele padre enorme, todo paramentado, vermelho que nem um pimentão, nervoso e passando carão em todo mundo, foi logo se afrouxando e, aproximando-se do padre, disse:

– Olha, seu padre, o catecismo eu até que aprendi, mas aquele negócio de espalhar reza pela cara, não teve jeito.

2 comentários »

Sabedoria

0comentário

sabedoria_trabalhador-rural.jpgBertrand Russell, filósofo inglês do século passado e Prêmio Nobel de Literatura em 1950, fazia distinção entre dois diferentes tipos de conhecimento. Um deles é o conhecimento científico, racional, que se aprende nas escolas e que apresenta resultados que podem ser experimentalmente comprovados. O outro, mais complexo e de difícil comprovação é aquele que permite distinguir e utilizar o conhecimento científico em benefício do ser humano. A este último ele classificou como sabedoria (em inglês, “wisdom”).

Para Russell, “a sabedoria era a essência ou suma da experiência humana sobre a Terra. Sem ela, por mais que inventassem e descobrissem, mais perdidos e desgraçados estariam os homens…”

Em que pese o pensamento do filósofo inglês, a sabedoria nem sempre é associada ao conhecimento científico. Pessoas simples, às vezes sem nenhuma formação acadêmica, nos surpreendem com seus comportamentos e suas atitudes.

É o caso, por exemplo, do Sr. Antonio Pedro que graças a seu trabalho como lavrador em Poção de Pedras, conseguiu, com muita dificuldade, educar todos os três filhos mandando-os para estudar em São Luís.

Sem ter saído uma vez sequer de seu município, e ainda mais morando na zona rural distante 20 km da sede, o sonho do Sr. Antonio Pedro era fazer uma viagem, sozinho, à cidade de Teresina. Já com seus 69 anos, sempre que externava o seu desejo, os filhos diziam logo:

– Mas papai, o senhor nunca saiu sozinho, nem para Pedreiras, como é que o senhor vai chegar em Teresina? – Ainda mais, Teresina é uma cidade grande, pai! – O senhor vai ser enganado assim que chegar lá…

O pai ficava resmungando e, sempre que podia, manifestava a intenção de fazer, sozinho, aquela viagem. Com os filhos já criados e se sentindo realizado, decidiu ele pela concretização desse sonho. Iria a Teresina fazer uma consulta na Clínica Lucídio Portella que um compadre seu havia lhe relatado como sendo “coisa de outro mundo”!

Certo dia, no início da década de 1990, sem dizer nada a ninguém, acordou mais cedo que de costume, pegou sua sacola que havia preparado na véspera e, em vez de tomar o caminho da roça, Sr. Antonio Pedro partiu para a beira da estrada. Andou por quase duas três horas e pegou o primeiro ônibus até Pedreiras. Raiando o dia, já se encontrava tomando um café em Peritoró. Esperou um pouco mais e, logo em seguida, já estava dentro de um ônibus da empresa Tavares rumo a Teresina. Sentado na poltrona ao lado da janela, contemplava as paisagens que desfilavam aos seus olhos e se transformavam a cada instante. Admirou os vastos palmeirais de babaçu da serra dos Pires, no município de Codó, encantou-se com a vegetação dos serrados depois do Buriti Corrente e quando deu por si, estava atravessando o rio Parnaíba.

Assim que chegou a Teresina decidiu dar um telefonema para o Ermenegildo, o mais velho dos filhos, para avisar onde estava.

Imagine o susto do filho ao saber do paradeiro de Sr. Antonio Pedro!

– Mas, papai, porque o senhor fez isso?! Me avisava que eu teria ido com o senhor…. – Olhe! Tome cuidado com esses motoristas de táxi aí de Teresina! – Eles vão tomar o seu dinheiro… – O senhor não conhece a cidade e eles vão ficar dando voltas e mais voltas! Disse Ermenegildo.

–  Tá bom meu filho,  foi bom tu ter me avisado; deixa comigo que eu me viro sozinho, não se preocupe.

Com seu jeito simples, todo matreiro, ficou caqueando (embora o Aurélio defina caquear como sendo um verbo intransitivo, que significa o mesmo que introduzir cacos em uma peça teatral, aqui no Maranhão ele é utilizado com o sentido de espreitar) o Posto de táxi para escolher um carro que o levasse até a Clínica Lucídio Portella, na Rua São Pedro, n°. 2133 no centro da cidade. Sentou-se num banquinho, e ali permaneceu, observando com atenção os táxis e seus respectivos motoristas. Dentre tantos, agradou-se de um Opala amarelo reluzente, último modelo, que o proprietário estava há cerca de uns 20 minutos, lustrando com uma flanela como se estivesse dando polimento numa jóia rara.

Pensou ele: – É nesse que eu vou!

Dirigiu-se ao táxi, perguntou se estava livre, entrou, buscou dentro do bolso um pequeno papel amassado com o endereço e passou às mãos do motorista. Percebendo que se tratava de um matuto, o motorista começou a dar voltas e mais voltas pelas ruas no entorno da Avenida Frei Serafim. Segundo o Sr. Antonio Pedro contou mais tarde, “o relógio do táxi girava mais que juízo de doido”. Percebendo que o motorista “estava lhe passando a perna” ele começou a gemer e se contorcer todo no banco de trás do táxi. O motorista notou que o passageiro estava passando mal e perguntou:

– O senhor está se sentindo bem?

Ao que Sr. Antonio Pedro respondeu:

– Siô! Pelo amor de Deus! Cum essa dor de barriga qui eu tô, se o senhor não me deixar nessa Clínica num minuto eu não vou me segurar e vou me borrar todinho aqui mesmo dentro do seu táxi…

Desnecessário dizer que em menos tempo que isso o motorista entregou o Sr. Antonio Pedro ao endereço desejado dispensando-o até do pagamento da corrida…
 

sem comentário »

O bêbado e o governador

1comentário

bebado1.jpgO Plano Cruzado foi lançado pelo Governo Sarney em março de 1986 com o objetivo de conter a inflação e aumentar o poder aquisitivo da população. O País foi tomado por um clima de euforia onde milhares de pessoas passaram a vigiar os preços no comércio e se tornaram os “fiscais do Sarney”. O governo manteve o congelamento dos preços até as eleições e saiu delas com uma vitória esmagadora em todo o País.

Aqui no Maranhão, Epitácio Cafeteira, adversário histórico do Sarney, foi o escolhido pelas forças políticas do estado para ser candidato ao Governo do Estado.

Político carismático, populista e muito sagaz, a eleição de Cafeteira foi um verdadeiro passeio. Seus comícios, sempre apimentados com suas tiradas de fino humor, carregavam multidões de seguidores por todo o estado.

Sempre referindo-se a si próprio na terceira pessoa, “Cafeteira fez isso, Cafeteira faz aquilo, Cafeteira prometeu, Cafeteira cumpriu…” ele também carregava a fama de ser um pinguço inveterado.

Embalado pelo sucesso do Plano Cruzado e apoiado pelo presidente Sarney no Maranhão, ao término do pleito eleitoral Cafeteira elegeu-se com mais de um milhão de votos, recebendo 81% dos votos válidos.

Para comemorar sua expressiva vitória, Cafeteira decidiu escolher o longínquo município de Igarapé Grande, reduto eleitoral liderado por Dona Francisquinha e pelo seu filho deputado estadual Eduardo Matias, onde ele havia recebido 93 % dos votos, para fazer a comemoração da vitória.

Marcado o dia da festa, a comitiva deslocou-se até o município, onde a prefeita o receberia com um grande churrasco para comemorar a esmagadora vitória.

Casa cheia, prefeitos de todas as regiões, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, líderes comunitários, puxa sacos, enfim, uma Festa! No quintal da casa, onde cerveja, pinga e uísque rolavam soltos, todos queriam estar juntos do novo governador. Por volta do meio dia, calor infernal, Cafeteira todo prosa, relembrava os episódios da campanha, quando percebeu uma pequena confusão na entrada da casa.

Levantou-se e, para chamar a atenção de todos, dirigiu-se ao ajudante de ordens:

– Dê uma espiada lá fora e veja o que se trata!

Todos ficaram curiosos aguardando o retorno do policial.

– Não se preocupe governador, era apenas um bêbado chato e inconveniente. Já dei um corretivo nele e mandei cascar fora!

– Não senhor! Repreendeu Cafeteira. – O Cafeteira é o governador do povo! – Volte e traga o rapaz para falar com seu governador! Bradou Cafeteira para espanto e admiração de todos.

A prefeita tentou argumentar que era melhor deixar o bêbado lá fora, que ele iria atrapalhar a festa, etc… mas o Cafeteira insistiu:

– Não se preocupem. O Cafeteira sabe lidar com essa gente. O Cafeteira vai ensinar a vocês como lidar com bêbados…

De longe, o bêbado vinha cambaleando e, com a aquela voz inconfundível de todo bebum falando e resmungando em alto tom:

– Eu quero falar com meu governador! Na hora de pedir voto, todo político bate lá em casa, mas depois de eleito não quer saber do povo! Não senhor, eu quero falar com Cafeteira…

O governador levantou-se, mandou a prefeita que estava a o seu lado afastar-se um pouco para receber o bêbado e repetiu novamente:

– Prestem atenção para verem como o Cafeteira vai resolver essa parada!

O bêbado aproximou-se cambaleando, camisa desabotoada, todo suado e exalando aquele cheiro de pinga insuportável, levantou um dos braços e disse:

– Cafeteira eu quero te pedir uma coisa…

O governador, com um copo de uísque em uma das mãos, abriu os braços e falou:

– Peça o quiser! Só não me peça dinheiro!

A risada foi geral, mas gargalhada maior veio depois com o pedido do bêbado:

– Ô Cafeteira, pelo amor de Deus! Pára de beber… Cafeteira….

1 comentário »

Empregada doméstica

0comentário

empregadadomestica_textonovo_compactado.jpgNeste ano de 2008, comemoram-se os 25 anos de regulamentação da Lei nº 5.859, feita através do Decreto 71.885. A partir dessa data as empregadas domésticas passaram a ter direito a receber pelo menos um salário mínimo mensal, 13º salário, repouso semanal remunerado e férias anuais de 20 dias, além de benefícios como licença-gestação, aviso prévio e aposentadoria. Antes disso, a relação existente entre patrão e empregado era completamente diferente do que se pratica no dias atuais.

Durante quase quarenta anos, Chica, como era chamada a empregada de Dona Alice, conviveu na casa de um ilustre pinheirense. Permanecido durante todo esse tempo, no seio da família, trabalhando e fazendo “de um tudo” para agradar os patrões.

Naquele tempo, as empregadas domésticas eram quase umas escravas. Não recebiam salário mínimo, décimo terceiro, vale transporte e, muito menos ainda, férias remuneradas. O trabalho doméstico era trocado por “casa, comida e roupa lavada”, além de algumas roupas usadas que ganhavam dos patrões e, quando muito, uma pequena quantia em dinheiro para os gastos pessoais.

Com a morte de Chica, uma prima de Francelino recomendou Raimundinha para substituir a antiga empregada.

Num certo dia pela manhã, Raimundinha, que já havia trabalhado em outras casas de São Luís, apresentou-se para iniciar sua nova jornada de trabalho. Assim que Dona Alice começou a mostrar a casa e orientar quanto aos serviços a serem realizados, Raimundinha decidiu, naquele momento, colocar as coisas no seu devido lugar: Não poderia lavar louça e muito menos roupa, pois o sabão de coco provocaria a quebra das suas unhas… Não iria passar roupa pois o calor do ferro de engomar poderia lhe causar constipação… Varrer a casa, nem pensar! Sua coluna ficaria “imprestável” no dia seguinte…

Dona Alice ouvia atentamente as justificativas de Raimundinha. Embora torcesse a cara e virasse os olhos a cada uma das condições apresentadas, estava se conformando com as exigências da nova empregada pois acreditava que, com o tempo, as duas poderiam se dar muito bem.

Acontece que, da varanda da casa onde estava sentado numa cadeira de embalo, Francelino ouvia aquele diálogo “estranho” com muita atenção. De início, não queria participar, mas, percebendo que as exigências de Raimundinha iam muito além do que seria aceitável, resolveu interferir na conversa.

Francelino Pereira, por ocasião do episódio, devia ter seus já 60 anos bem vividos e era conhecido pelo seu gênio irascível. Autoritário, magro e de baixa estatura, arreliado como poucos, e com um timbre de voz por demais característico, chamou Raimundinha até a varanda onde se encontrava fumando o seu cigarrinho de fumo de corda.

– Minha filha! Disse Francelino, com sua voz fanhosa: – Pelo que ouvi, tu não lavas louça, não lavas e não passas roupa, não varres a casa… Eu te pergunto uma coisa:

– Tu sabes tocar piano?

– Sei não sinhô, seu Francelino.

– Então não serve!!!

Disse ele dando por terminado aquele diálogo surrealista e prestando um grande serviço a Dona Alice.
 

sem comentário »
https://www.blogsoestado.com/josejorge/wp-admin/
Twitter Facebook RSS