Cantigas de ninar
A cada final de ano somos levados a fazer uma “limpeza” nas quinquilharias que armazenamos ao longo de tempo.
Desta vez, resolvi me livrar de uns discos de música. Manuseando a estante do escritório, deparei-me com uma preciosidade: uma coletânea de cantigas de roda, em vinil, datada do ano de 1959, interpretadas pelo palhaço Carequinha, Altamiro Carrilho e sua bandinha.
Naquele tempo, a pureza das letras, os ritmos e a simplicidade das melodias ajudavam a socializar as crianças promovendo a desinibição e o desenvolvimento delas.
Retirando a poeira que cobria a capa do disco voltei ao meu passado de criança. Este não! Pensei comigo mesmo. Vou guardar esta relíquia para os meus netos que ainda hão de vir.
Continuando, vasculhei um pouco mais e encontrei outro, desta vez de cantigas de ninar. Para as crianças, dormir é se separar da mãe, dos pais, e seria melhor que a letra da canção de ninar ajudasse os bebês nesse sentido, o que não ocorre. Passei os olhos pelas faixas e lembrei-me dos meus tempos de pequeno. Optei por destruí-lo sem piedade.
Quem nos lê, sabe muito bem de que se trata. Nos tempos de criança éramos todos embalados e postos a dormir ouvindo cantigas de ninar. Muitas delas, mesmo tendo melodias agradáveis, carregavam em suas letras um verdadeiro pavor para as crianças. Ainda bem que a criança leva um tempo pra entender a letra. Mas quem não se lembra do Boi da Cara Preta?
“Boi, boi, boi,
boi da cara preta,
pega esse menino,
que tem medo de careta”. As crianças, coitadas, iam dormir tremendo de medo. Quantos de nós não acordávamos no meio da noite correndo em direção ao quarto dos nossos pais atormentados pelos pesadelos causados pela fantasia de nossa fértil imaginação?
Para quem adorava brincar com seu gatinho de estimação, pensem no sufoco do menino ao ver a mãe cantando:
“Atirei o pau no ga tô tô,
mas o ga tô tô, não morreu reu reu,
Dona Chi ca ca suspirou,
no berro, no berro que o gato deu… miaauuuuuuu!”
Terrível, mesmo, é a trilha sonora da historinha do Lobo Mau:
“Eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau,
eu pego as criancinhas pra fazer mingau,
hoje estou contente, vai haver festança,
tenho um bom petisco para encher a minha pança.”
Sinceramente, não sei como aquelas crianças de outrora, não se tornaram, todas, adultos ansiosos e medrosos! Ou será que é fruto dessa época a grande quantidade de pessoas frustradas e psicóticas que perambulam pelos parques nas tardes sombrias de domingo?
Os psicólogos contemporâneos devem torcer o nariz para essas músicas e, cá entre nós, os nossos netos merecem dormir serenamente sem ouvir essas cantarolas de mau gosto.
Das poucas composições que traziam alguma mensagem positiva, relembro da sonoridade da voz de Dona Diana, minha mãe, cantarolando a cantiga dos sapos para não me deixar dormir com os pés sujos:
“O sapo não lava o pé,
não lava por que não quer,
ele mora na Lagoa,
não lava o pé porque não quer…”
E por falar em sapo, confesso que fiquei estarrecido sem entender o porquê do abandono do simpático sapinho que tão bem identificava a Companhia de Águas do Maranhão. De uma hora para outra a Caema apareceu de cara nova – e feia – nos cartazes e out-doors da cidade. Decidiu abandonar sua conhecida logomarca, diga-se de passagem, uma das mais criativas marcas existentes dentre as empresas de saneamento do Brasil. Afogou o velho “sapinho” na Lagoa e, contrariando as leis da natureza, ainda colocou uma inexplicável gota perdida na horizontal. É de lamentar!
O poeta Noel Rosa, se vivo ainda fosse, pensaria que isso era obra de seu maior rival, o sambista Wilson Batista e não hesitaria em dedilhar, nas cordas de seu violão, alguns acordes dedicados ao autor dessa insensata idéia da troca da logomarca:
“Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!…”