O cheiro das estações

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Nas regiões temperadas do planeta Terra o ano se divide em quatro estações e cada uma delas é bem distinta das demais.
A cada período o figurino das roupas, a programação cultural e até o humor das pessoas se transforma de um dia para outro, na virada da noite, ao primeiro canto do cuco.

Cada estação traz consigo, também, um cheiro próprio. A primavera, a mais esperada por todos, aguça os sensores nasais pelo desabrochar das flores que liberam, cada uma, o seu perfume característico. Os jardins cuidadosamente projetados e elaborados por mãos sensíveis e habilidosas encantam nossos olhos enquanto o perfume das flores fica impregnado em nossa memória. Pelos parques e ruas arborizadas, identificamos aromas que são imediatamente associados a momentos vivenciados em algum tempo de nossas vidas. Outros narizes, mais sensíveis, reclamam do pólen liberado pelas flores prematuras que flutuam pelos ares ao sabor da brisa.

No continente europeu o verão interfere no ritmo da economia. Inúmeros são aqueles que fecham seus estabelecimentos, fogem do calor e partem em busca de refúgio nas praias do Mediterrâneo. Um amigo próximo comenta que viaja todos os anos para a França, mas que nunca vai durante o verão; não agüenta o cheiro forte da inhaca dos franceses que circulam pelos transportes públicos e pelas ruas ensolaradas de Paris. Ainda bem que a França é a terra dos perfumes!

No outono, o cenário se transforma e as folhas queimadas pelo sol adquirem uma tonalidade de um dourado indescritível. Ao sopro dos primeiros ventos gelados as folhas começam a cair e um tapete colorido é estendido aos nossos pés. Um cheiro de ocre se dispersa ao nosso redor. Por ocasião dessa estação meus sensores mentais sempre me carregam aos vinhedos onde o cheiro inconfundível das uvas esmagadas aguça as minhas papilas gustativas. Outono me lembra vinho. 

Por outro lado o inverno é o tempo da elegância. As mulheres bem vestidas com suas charmosas écharpes brotam em todos os cantos. Os guarda-roupas são abertos e, lá de dentro, casacos, botas e outros adereços que passaram meses confinados naquele espaço se libertam ávidos para ganhar rua e tomar um pouco de ar fresco. É bem verdade que um certo odor de mofo é percebido nos primeiros dias dessa estação. Mas, logo passa.

Aqui por estas bandas bem próximas ao Equador não percebemos com clareza a mudança das estações.

Sempre digo que moro num lugar onde o ano é dividido em duas partes. A que chove e a que não chove. Aqui, no inverno, tem muita chuva e não faz frio e no verão nem tem frio e muito menos chuva.

Mas o cheiro do nosso inverno é inconfundível. De minha infância guardo na memória os odores da puaca dos campos de Pinheiro ao rescenderem o perfume das primeiras gotas de chuvas de cada ano. A chegada das águas grandes do Pericumã carrega consigo uma fragrância inconfundível que não se perde com o passar do tempo.

Das noites de inverno e da temporada dos fortes trovões que balançavam as redes de dormir, guardo na memória a falta de luz. E com elas, o forte cheiro do querosene bombeado nos Petromax que enchiam de luz a pequena sala de nossa casa.

Desde cedo aprendemos a identificar e associar os cheiros que ficam depositados em nossa memória e nos acompanham ao longo de nossas vidas. Vez por outra são ressuscitados e nossa imaginação nos transporta imediatamente para algum lugar.
Relembro minha filha Júlia que aos sete anos me perguntou:

− Pai, nariz tem cérebro?

Porque a cada vez que ela sentia um determinado perfume ela se lembrava do Colégio onde havia estudado e das amigas que havia deixado no Rio de Janeiro…

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Lembrança de outros carnavais

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Depois de muitos anos resolvi fugir do Carnaval. Meus amigos, e os Amigos do Agenor também, reclamaram bastante da ausência da “Burrinha” neste Carnaval de 2011.

É bem verdade que no ano passado, também, decidimos fazer forfait nos festejos do Momo aqui de São Luís.

Quando se fala em festas populares o carnaval do Rio de Janeiro tem sido, ao longo dos anos, a grande pedida para os foliões. Ainda mais depois da adoção das práticas e medidas implantadas pelas autoridades que garantiram a segurança e fizeram voltar o verdadeiro carnaval de Rua. Os tradicionais Blocos do Cordão do Bola Preta e o do Boi Tatá, no Centro da cidade, a Banda de Ipanema e o Concentra mas não sai, no Leblon, dão o tom e arrastam, por onde passam, crianças, jovens e velhos carnavalescos.

Em 2010, decidimos ir para o Rio nesse período. Com a programação garantida, fomos ao Baile do MonoBloco e ao desfile das escolas de Samba. Nas manhãs ensolaradas, nos calçadões ou na areia quente da praia, era impossível perder o espetáculo da beleza das praias de Ipanema e do Leblon. Mas, o melhor, mesmo, estava por vir logo em seguida. Os finais de tarde percorrendo o circuito de ruas do Leblon ao som das bandinhas improvisadas com seus animados foliões.

Quem se fez presente em todos os eventos foi a minha inseparável Burrinha, uma alegoria adquirida em Olinda, há mais de vinte anos. A cada ano, ela recebe uma nova paginação e ganha os becos e ruas alegrando as crianças e enchendo de graça, com sua irreverência, a festa momesca.

Já no embarque no aeroporto de São Luís, a “Burrinha” foi calorosamente recebida pela aeromoça Juliana da TAM. Apesar da companhia não permitir a entrada de animais a bordo, uma exceção foi aberta e, com seu largo sorriso estampado no rosto e mostrando seus dentes dourados, a Burrinha embarcou no avião acionando freneticamente sua buzina improvisada.

O Rio de Janeiro com seus encantos e magia, suas ruas recheadas de belas e sensuais mulatas, morenas, ruivas, loiras e mais gente bonita de todos os cantos, encantou-se com o charme da Burrinha. Até entrevista na TV ela concedeu!

Relembro uma cena ocorrida na Avenida Ataulfo de Paiva quando circulávamos pelos bares repletos de animados foliões. Fazia-me acompanhar de Bete, minha mulher, e de minha prima Cecília Leite. A Burrinha distribuía buzinadas e sorrisos a ermo, quando fui abordado por duas lindas turistas. Uma gaúcha e outra de Floripa.

Ma que guapo cavalinho, tchê! Dizia uma delas. Ao tempo em que outra, loura, com seus cabelos sedosos, acariciava a crina dourada da Burrinha.

Não é um cavalinho. Apressei-me em esclarecer.

É apenas uma Burrinha. A cabeça e o pescoço são feitos de madeira, a carcaça em papier maché e a saia de chita estampada. Trata-se de um personagem do folclore nordestino. Na verdade, a história registra que ela nasceu na Bahia, no final do século XVII e foi incorporada aos folguedos do Bumba-meu-boi. E, neste ano, ela veio, de São Luís do Maranhão, passar o carnaval aqui no Rio…

Enquanto levava esse papo, com uma das mãos, puxava pela rédea e provocava a abertura da boca da Burrinha deixando exposto o malicioso sorriso da alegoria.

Ao continuar com o movimento de abrir e fechar a boca da Burrinha, a gaúcha, de short e com um decote todo sensual aproximou-se de mim e perguntou:

E essa burrinha chupa peito?

NÃÃÃÃÃÕ! Entoaram em uníssono, Bete e Cecília que de longe observavam a conversa e chegaram nesse exato momento!
Desde então a minha Burrinha está proibida de fazer gracinhas no carnaval!

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