A ceia de bagre

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De tanto ouvir falar das belezas dos verdes campos de Pinheiro dois amigos meus resolveram vir, de bem longe, me visitar aqui no Maranhão. Mas queriam ir até Pinheiro!

Do terminal da Ponta da Madeira até o porto do Cujupe, do outro lado do continente, a travessia já é uma viagem. No meio da baía, as pequenas gaivotas acompanham o Ferry Boat. O comandante Edson acelera os motores. Uma enorme espuma branca se forma na popa da embarcação e, sobre ela, os pequenos peixes fazem a alegria dos pássaros.

O fim de tarde se aproximava quando dobramos a ponta do Farol em direção ao Cujupe. De repente, a exuberante natureza nos surpreende e coloca à nossa frente um bando de guarás. O reflexo da luz do sol poente na plumagem daquelas aves nos fez enxergar um encarnado único, indescritível e de rara beleza, que nem os mais renomados mestres da pintura seriam capazes de reproduzir.

Ficamos a contemplar, por cerca de 30 minutos, bandos e mais bandos de guarás, cada qual guiado pelo seu líder, cruzando sobre nossas cabeças em direção a seus dormitórios.

Aos poucos o verde escuro do manguezal mudava de cor. Como numa pintura impressionista, o mangue ao nosso lado começava a tingir-se de rubro pela chegada dos guarás e pequenas manchas formadas pelas garças brancas enriqueciam a beleza do quadro. A revoada dos recém chegados, que desciam até as margens para lavar os pés, agitava a paisagem. Chama atenção que embora passem o dia inteiro à cata do sarará e do maraquanim, enterrando os pés no barro preto do mangue, nenhum guará se atreve a dormir de pé sujo; todos, sem exceção, lavam os pés antes de se recolherem aos braços de Morfeu.

Mais tarde, hospedados em uma pousada à beira do campo em Pinheiro, nós acordamos bem cedo para contemplar o nascer do sol que refletia sobre aquele manto de água a perder de vista. Um verdadeiro oceano de água doce animado pelo vôo rasante dos bandos de marrecas, jaçanãs e japiaçocas.

Munidos de uma caneca de alumínio e um pouco de Nescau fomos tirar o leite das duas vacas que se encontravam ao lado. Sentados num pequeno mocho de três pernas e espremendo as tetas da vaca o leite mungido jorrava fazendo espumar aquele saudável milk shake.

No salão uma grande urupema recheada de cupu, bacuri, ingá, murici, pitomba, carambola, tamarindo, abacaxi (de Turiaçu, penso eu) enfeitava a mesa do farto café, regado com sucos de manga, cajazinho e caldo de cana tirado da engenhoca. Um beijú com queijo de São Bento e um bom copo de juçara, amassada na hora, completava o petit déjeuner.

Alugamos uma pequena canoa e fomos conhecer a Barragem do Pericumã, uma das raras eclusas existentes no Norte do país. No Lago Grande, encontramos Sr. Antão, um tradicional pescador, que nos ofereceu a oportunidade de fazermos, à noite, uma pescaria de bagre. Aceitamos a oferta com uma condição: Iríamos comer os bagres que fossem pescados. Lançado o desafio, encomendamos o restante do jantar. E convidamos alguns amigos para fazerem parte da “ceia de bagre”.

Quando o sereno começou a cair, o Senhor Antão passou pela Pousada para nos levar ao cais da Faveira. Devidamente orientados, todos com camisas de mangas compridas para nos proteger das muriçocas, e com as lamparinas na mão, embarcamos em duas pequenas canoas, onde delgadas varas de pescar já se encontravam à nossa espera.

Enquanto remávamos em direção ao pesqueiro, pelas águas serenas do Pericumã, o breu da noite era iluminado apenas pelo brilho intermitente dos pirilampos.

As cozinheiras ficaram em casa fazendo os temperos e aguardando ansiosas pela chegada dos bagres que iriam ser “tratados” ainda vivos e preparados para a ceia.

As iscas (bichos de coco babaçu) eram larvas branquinhas e enrugadas que pareciam ter sido feitas sob medida para serem enfiados nos anzóis. A cada mergulho do anzol nas águas mornas do rio um bagre era fisgado e jogado no fundo da ubá.

Sentados no estreito banco da canoa ficávamos imaginando a festa do retorno. O vinho (lá em Pinheiro é o vinho tinto) para acompanhar a ceia já estava posto no gelo e em mais algumas horas iríamos degustar a nossa própria pescaria. Imaginem! Comer aquele peixe que iria pular, ainda vivo, para dentro da panela! E, de lá, para o nosso prato!

Já remávamos de volta quando o tempo começou a fechar. Um grande relâmpago ao largo tingiu de prata aquela imensidão de água e prenunciava um enorme trovão.

Sacudido pelo o barulho do trovão acordei de mais um dos meus sonhos. Um sonho que poderá se transformar em realidade. Afinal de contas, um maranhense acaba de assumir o Ministério do Turismo e o incentivo às atividades turísticas pode ser uma solução para desenvolver algumas das regiões de grande potencial turístico de nosso Estado.

(Photo by Edgar Rocha)

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O paletó branco

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Não sei se de tanto ver gente de branco nas festas de final de Ano ou se desmaiei após as comemorações… o certo é que acordei, no primeiro dia do ano, relembrando o sonho que tive na noite do reiveillon.

Como costumo sonhar colorido, chamou-me a atenção que todo esse meu sonho tenha se passado, tal qual os filmes de Charles Chaplin, em preto e branco.

As comemorações de Ano Novo variam de cultura a cultura e são celebradas em diferentes datas. Na China, o Ano Novo chinês, é festejado com a chegada da primeira Lua Nova depois do inverno. Entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro os chineses comemoram a data com muitos fogos de artifício e o vermelho predomina na coloração das roupas e enfeites das cidades.

Para os muçulmanos a passagem do Ano Novo também tem data diferente: 6 de Junho, foi quando o mensageiro Maomé fez a sua peregrinação de despedida à Meca.

Por sua vez, o “Rosh Hashanah”, Ano Novo judaico é, também, uma festa móvel no mês de Setembro, onde a tradição manda comer peixe porque ele sempre segue para frente.

Aqui no Brasil, a cultura popular recomenda muita fartura e nada de comer quem cisca para trás. Frango, galinha e peru nem pensar! E a ceia deve ser iniciada, logo após a meia-noite, com uma boa porção de lentilha, para que não falte dinheiro durante o ano que está chegando.

O primeiro dia do Ano é dedicado à confraternização. É hora de fazer um balanço da vida e de começar o ano com as contas acertadas, de zerar as dívidas e devolver tudo que se pediu emprestado ao longo do ano. E, também, de usar o branco.

A cor branca significa pureza, sinceridade e verdade, além de elevar as vibrações e trazer energia positiva para enfrentar os novos desafios.

Há aqueles que atribuem a roupa branca a uma influência das tribos africanas que vieram para o Brasil durante o período da escravidão. Reverenciam Yemanjá e jogam flores e oferendas no mar.

O assunto dominante neste final de Ano foi a posse dos novos governantes. Tanto em Brasília, como aqui no Maranhão, a montagem da equipe de governo tem gerado muita expectativa na classe política e alimentado as manchetes dos Jornais.

Somente essa mistura de Ano Novo com política talvez possa justificar a presença, em meu sonho, de um personagem de terno branco que sempre acompanhava o José Sarney em suas andanças pelo Interior do Maranhão.

Dele, lembro apenas a história ocorrida em Pinheiro, por ocasião das eleições de 1962, quando deviam ser eleitos os representantes do Poder Legislativo. Meu avô Chico Leite apresentava o jovem José Sarney, como candidato a deputado federal, que se encontrava acompanhado de uma enorme caravana.

No palanque “Candinho Pé de Bola” animava a platéia e anunciava a comitiva. Embora portador de uma pequena deficiência na fala, com sua “língua presa”, ele era presença obrigatória em todos os comícios eleitorais.

Desta feita, com o microfone na mão, Candinho anunciava e pedia “uma calorosa salva de palmas” a cada um dos candidatos apresentados:

− Para vereador, Dedeco Mendes…, para deputado estadual, o médico amigo do povo desta terra, Dr. Antenor Abreu…, para deputado federal, nosso conterrâneo e filho mais ilustre de Pinheiro, Dr. José Sarney, para senador da República, Dr. Clodomir Millet…

Fez uma pausa ao identificar ao lado de Sarney um senhor de estatura mediana, gordo e impecavelmente vestido em um terno bem talhado de linho acetinado branco. Perguntou, baixinho, quem era esse cidadão. Sopraram-lhe o nome, que de pronto foi apresentado, para o deleite da multidão.

− … E, para presidente da República, Dr. Gaaaspariiiiinho! Entoou com forte acento.

Tão incrível quanto a nossa mente, que consegue misturar num mesmo sonho, de forma atemporal, personagens e imagens que nada tem em comum, é a capacidade que as palavras têm de, a partir de uma simples idéia, ser manuseadas, ganharem vida e transformadas em uma estória. 

Feliz 2011.

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