A Serpente encantada

5comentários

serpenteTempos atrás, encontrava-me perambulando pela cidade de Praga, admirando suas belas esculturas e obras barrocas, quando percebi o frenesi dos turistas em direção ao Centro histórico da cidade. Segui a multidão e, de repente, deparei-me com uma imensidão de gente em frente ao Orloj.

Criado no século 15 por Mikulas de Kadan e Hanus de Ruze, e restaurado um século depois, esse sofisticado relógio mostra as horas e os movimentos do sol e da lua, por meio das constelações do zodíaco. A cada hora cheia, os turistas largam tudo o que estão fazendo para acertar os ponteiros de seus relógios e aguardar a aparição de um boneco, representando a morte, acionando um carrilhão por onde desfilam São Pedro e os demais apóstolos.

Dizem que, para que não fosse feita nenhuma outra cópia do inusitado mecanismo, os mestres relojoeiros tiveram seus olhos arrancados após a conclusão da obra. O certo é que, até hoje, não existe no mundo, relógio similar ao Orloj de Praga.

Sentado na calçada em frente ao monumento, enquanto aguardava as badaladas do sino dadas pela caveira que adorna a torre do relógio, eu cantarolava, meio desafinado, o samba do Salgueiro vencedor do carnaval de 1974, ao lembrar que São Luís também tem suas lendas e seus encantos.

 “… É meia-noite, Nhá Jança vem,

Desce do além na carruagem

Do fogo vivo, luz da nobreza,

Saem azulejos, sua riqueza,

E a escrava que maravilha

É a serpente de prata Que rodeia a ilha.”

Numa delas, Nha Jansen, figura poderosa e perversa no trato de seus escravos, teria sido condenada a vagar pelas ruelas escuras de São Luís com sua carruagem encantada. Guiada por um escravo sem cabeça e puxada por mulas, também sem cabeça, ela aterroriza as pessoas nas sombrias noites de sexta feira. Ultimamente, com a iluminação da cidade, ela não tem sido mais vista…

Mas, a serpente encantada continua adormecida e escondida nos labirintos dos túneis e galerias subterrâneas que interligam as igrejas de São Luís. Pelo tempo que se ouve falar desse monstro, suas dimensões devem estar gigantescas e aumenta a preocupação com a chegada do dia em que a cabeça da serpente encontrar com o seu próprio rabo. Nesse dia, a Ilha do Amor será dragada pelo encontro das águas das baías de São Marcos e São José. Se até lá São Luís não virar Paris, com certeza, vai se tornar a Atlântida dos dias atuais.

Enquanto isso não acontece, por que não aproveitar a obra criada em 2001 pelo artista plástico Jesus Santos e transformá-la no grande relógio animado da Ilha de São Luís?

A mais bela escultura da cidade, criada por um dos maiores artistas maranhenses de todos os tempos, representa a valorização da cultura e das raízes de nossa gente e merece ser recuperada. A serpente está sem vida! Pedaços dela estão à deriva na Lagoa da Jansen.

Dizem os velejadores que uma das suas corcovas desgarradas desceu as comportas da barragem rumo ao mar e nas noites de Lua Nova aparece na baía do Boqueirão assustando os pescadores locais…

Temos em mãos um excelente produto que, se bem trabalhado, poderá se transformar na maior atração da Lagoa. Vamos utilizar a criatividade e a tecnologia em favor da cultura popular.

Lanço a idéia de recuperar a nossa serpente iluminando-a e dotando-a de um mecanismo de automação capaz de, durante a noite e a cada hora, soltar pelas suas narinas, imensas chamas coloridas que serviriam para encantar os curiosos e acertar o relógio dos mais atrasados.

A partir da nova concepção do projeto, a serpente encantada da Ilha de São Luís ganhará vida. Receberá um novo visual e ficará movimentando-se sinuosamente ao sabor da morna brisa que sopra sobre a Lagoa, encantando os turistas e alimentando o imaginário de nossa gente.

5 comentários »

O ouro de Piracambu

2comentários

Corria o ano de 1913, quando o então juiz de direito de Pinheiro, Dr. Elisabetho Barbosa de Carvalho, segundo suas próprias palavras, foi procurado por “um homem com os cabelos e barbas desmesuradamente crescidos e aspecto de quem vinha de longínquas paragens”.

Tratava-se de uma figura exótica. Com uma intrigante história, esse estrangeiro havia partido da Noruega juntamente com mais dois outros engenheiros para pesquisar a existência de ouro e manganês nas matas do noroeste do Maranhão. Depois de uma longa travessia do Atlântico chegaram a Belém do Pará e de tomaram uma pequena embarcação singrando os furos dos manguezais no sentido de Vizeu.

Aportaram entre Turiaçu e Carutapera e embrenharam-se na mata virgem, guiados por três nativos conhecedores da região. Rumaram, os seis, em direção a serra do Piracambu, berço da nação awa-guajá. É nesta serra que habita a Ararajuba (Aratinga guarouba) ave símbolo do Brasil.

Abrindo trilhas por entre a mata fechada e debaixo de chuvas implacáveis que carregavam nuvens de mosquitos a caminhada avançava de forma muito lenta. Perdidos na selva chegaram a andar dias e dias em círculos guiando-se pelos raros feixes de luz que conseguiam driblar as copas frondosas das árvores da mata cerrada. Os mantimentos foram se acabando e passaram a viver da fartura da pesca e da caça.

Freqüentemente separavam-se em grupos e partiam em busca dos minerais nobres. Acabaram sendo atacados pelos índios que já os espreitavam há muito tempo e apenas ele foi poupado por ter se perdido do seu guia.

De posse apenas do rifle e da munição, além de uma pequena mochila onde carregava seus apontamentos, sua bússola, lápis, um rolo de papel e alguns pequenos instrumentos, ele foi escoltado e mantido como refém por todo o resto do inverno.

Mesmo com o domínio do inglês, do francês, do português e até mesmo de uma boa noção de japonês, ele demorou a se comunicar com os índios. Com o passar do tempo, vigiado por todos na aldeia, adquiriu a confiança dos silvícolas e acabou casando-se com a filha do Tuxaua. Admirado pela pontaria certeira de seu rifle, George Wellington, inglês de nascimento, aprendeu um pouco da língua nativa e começou a elaborar um plano de fuga.

Certa feita foi levado, mais ao oeste, para conhecer uma formosa gruta. Os índios awa-guajá diziam que naquela serra existia uma gruta onde havia um grande peixe de ouro. A serra era por eles chamada de Piracambu (na língua Tupi, o radical pirá significa peixe).

Lá, ele pode comprovar a existência de veios de ouro a céu aberto. Segundo seu relato, “escavei com meu canivete, certa parte, encontrando uma grande pepita de ouro. Ao levantá-la na palma da mão, o meu guia imediatamente tomou-me, jogando-a para longe. Os índios fizeram-me compreender que ninguém podia tocar em nada ali, pois aquela gruta não lhes pertencia e sim aos índios Gaviões, Urubus e Timbiras”.

No final do verão, o inglês conseguiu por em ação o seu plano de fuga. Camuflou alguns pedaços de carne seca, montou um pequeno farnel e aguardou pela chegada da noite. Todos dormiam quando ele, sorrateiramente, embrenhou-se pelas matas. Seguiu na direção leste, subiu e desceu morros, atravessou rios e campos alagados conseguindo chegar a Pinheiro naquele estado deplorável.

Antes que fosse levado ao vice-Cônsul da Inglaterra em São Luís, chegou a esboçar, a título de agradecimento, um mapa de localização da gruta deixando-o em posse do Dr. Elisabetho.

Não se sabe ao certo o destino desse “mapa da mina”, no entanto temos hoje a comprovação da existência de grandes reservas de ouro naquela Região.

Quase cem anos depois, dois grandes projetos de mineração estão em fase de implantação para exploração das riquezas comprovadamente identificadas pelo inglês.

Os projetos Aurizona (em Godofredo Viana) e Mineração Serra do Oeste, da Jaguar Mining Inc. (este no município de Centro Novo do Maranhão), estão sendo implantados e serão responsáveis pela geração de inúmeros empregos. A atividade de mineração de ouro agregará uma gama de novas oportunidades para aquela região, além de contribuir para um incremento substancial na arrecadação de ICMS para o Estado do Maranhão.

2 comentários »

Pharmácia da Paz

8comentários

No início do século passado, a assistência médica nas cidades do interior do Maranhão era tão precária que a população se valia dos curandeiros, parteiras e farmacêuticos.

Há exatamente cem anos, chegava a Pinheiro um farmacêutico prático que rapidamente tornou-se conhecido e muito respeitado não só na cidade como em toda a região. Mulato, bem vestido, atencioso e muito espirituoso, logo se integrou no seio da comunidade. Casou-se com Inês Castro e freqüentava as boas rodas sociais, com participação atuante nos eventos e agremiações culturais mais destacadas.

Alto e barrigudo, com voz grave, rouca e pausada, Zé Alvim era uma dessas figuras que fazem a história do Lugar. Tipo folclórico foi através dele que chegou a Pinheiro, pelo final da década de 1930, o primeiro rádio.

Nessa época os editoriais do Jornal Cidade de Pinheiro, de forma contundente, vinham advertindo o Füher alemão acerca de suas pretensões bélicas. Hitler ignorou as ameaças, invadiu a Polônia e espalhou pânico pelo Velho Continente. Começava a segunda guerra mundial.

A população da cidade acompanhava, atenta, as notícias do front preocupada que estava com Américo Gonçalves, único pinheirense combatente da FEB, que havia partido para a Itália com a missão de acabar com Hitler.

À “boca da noite”, como costumavam dizer, os ouvintes postavam-se na calçada da Pharmácia da Paz para tentar escutar os boletins da guerra, transmitidos pela da BBC de Londres. Ligar o rádio era uma novela. Precisava conectar a bateria, deixar as válvulas esquentarem, e passar um tempão sintonizando a estação… Era tarefa que só Zé Alvim era capaz de realizar. Mais ruídos que sons, chiados e descargas encobriam o noticiário a ponto de não se entender quase nada. A cada descarga Zé Alvim traduzia, com sua voz cavernosa, para os atentos ouvintes:

− Ou é tiro de canhão ou barulho de morteiro! Tão bombardeando Londres!

Muito respeitado na Vila, qualquer que fosse o problema ligado à saúde, o endereço certo era a Pharmácia da Paz, onde os remédios eram manipulados com maestria pelo farmacêutico. Contam que até conselho ele distribuía com fartura e sem cerimônia.

Certa feita um afilhado resolveu se casar com uma moça nova. Dia seguinte ao casamento, o orvalho da madrugada ainda encobria os canteiros da Rua Grande quando o mancebo bateu às portas da casa de Zé Alvim que, sonolento, o recebeu vestido ainda de pijamas.

− Rapaz, tu te casou ontem, o que é que tu vem fazer aqui em casa uma hora dessas? Tu deve ficar com tua mulher!

O afilhado queixava-se que ia devolver a moça aos pais dela pois achava que ela não era mais virgem.

− … É que eu tô meio preocupado, meu padrinho. Eu achei uma certa facilidade… não saiu nem um pouquinho de sangue…

− E tu pensa que pra tirar honra de mulher precisa de picareta? Cria juízo! Volta pra casa e fica com a menina, rapaz! Ralhou Zé Alvin.

Conformado, o moço retornou para a esposa, mas Zé Alvim, sempre que podia, confidenciava aos amigos mais próximos:

− Ela era furada mesmo…

Até os dias de hoje a Pharmácia da Paz continua em Pinheiro, no mesmo lugar, e é uma das mais antigas farmácias de manipulação do estado do Maranhão.

Zé Alvim deixou estórias e saudade! Por ironia do destino morreu em 1952, aos 61 anos de idade, contrariando um velho ditado que costumava usar: “o que mata velho são três K; queda, catarro e caganeira!” Acabou morrendo de um outro K: coração…

8 comentários »
https://www.blogsoestado.com/josejorge/wp-admin/
Twitter Facebook RSS