GUY LOUIS DIMANCHE – UM PARISIENSE DE CORAÇÃO BRASILEIRO

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Postei dias atrás, um artigo sobre o navio Bluette que chegou, a deriva, aqui em São Luís, no início de 1949. O artigo circulou pela Net, recebi inúmeros comentários e informações complementares sobre a saga desses aventureiros.

Hoje, chega às minhas mãos mais este relato, que aproveito para compartilhar com os leitores:

GUY LOUIS DIMANCHE – UM PARISIENSE DE CORAÇÃO BRASILEIRO

Poucas pessoas sabem que o grande maquetista do renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer foi o meu pai, Guy DIMANCHE, francês, nascido em Paris em 1919, porém com um coração brasileiro, pois foi em São Luis onde começou sua vida no Brasil.

Descendente de várias gerações de artistas parisienses, decidiu com o casal de franceses Charles e Lucia Paulette Dell’Eva e o amigo Auguste, tentar nova vida em um novo continente.

Inicialmente seu sonho era ir para Argentina, mas as coisas não foram bem assim… Longe ainda de pensar que seu destino seria a Venezuela também conhecida naquela época como a “Oitava Ilha”. Após 3 anos em campos de prisioneiros na Alemanha meu pai não conseguia mais residir na França. Foi uma época de muito sofrimento para toda a família em Paris.O campo que era, digamos assim, uma espécie de hotel no meio daquela barbárie, acabou virando algo terrível. Um dos castigos era enfileirar os soldados e começar a brincadeira: você morre, você não morre. Meu pai virou expert no assunto e em segundos sabia se iria escapar ou não. Só que no campo tinha um prisioneiro brasileiro, baiano de nascimento, que veio a se tornar uma espécie de figura folclórica naquele local porque estava sempre de bom humor e não se deixava abater. Por pior que fosse a situação, ele nunca perdia a esperança de sair vivo dali.

Um belo dia, todos ficaram enfileirados novamente e dessa vez meu pai viu que iria morrer. Só que aconteceu um verdadeiro milagre: o baiano descontrolou a fila e mais uma vez ele escapou.

Tempos depois a guerra acabou e ele e o baiano conseguiram sobreviver. Não sei por qual motivo um brasileiro teria ido parar em um campo de concentração na Alemanha, visto que os nossos pracinhas lutaram na Itália. Deve ser alguma coisa do destino que o salvou e justamente pelas mãos de alguém que nasceu em um país em que ele iria aportar por acidente anos depois, o fez conhecer o grande amor de sua vida e fazer dois filhos. E foi assim que em um belo dia meu pai Guy Dimanche, decidiu partir de sua terra natal no Velho Continente ainda abalado pela sangrenta guerra, em busca de novas conquistas.

O trajeto percorrido pelo meu pai para chegar no Maranhão “à Ilha dos Amores”, inicialmente deu-se de Paris à Madrid, onde lhe foi informado que muitos navios partiam para as Américas das Ilhas Canárias. Sem sombra de dúvida, pegou um trem de Madrid e foi para a cidade de Cadiz onde, alguns dias mais tarde, embarcaria em um vapor com destino à Ilha Las Palmas. Foi em Las Palmas (Ilhas das Canárias) que meu pai conheceu seus amigos franceses Auguste, Charles e Lucia Paulette, os quais se encontravam na mesma situação.

Decidiram, então, embarcar em um pequeno veleiro de origem francesa do Porto de Camaret (Bretagne) chamado BLUETTE que se encontrava no Porto de la Luz em Las Palmas. Era um pesqueiro de atum, medindo um pouco mais de 15m, dois mastros e sem motor, com destino à Venezuela.

Não fosse o Bluette, com certeza, meu pai teria embarcado em outro navio para Argentina. Era Dezembro de 1948 quando partiram desse porto. Enfrentando grandes tempestades e a fúria dos mares do Oceano Atlântico, o Bluette perdeu-se e foi parar na Baia de São Marcos em São Luís do Maranhão em 18 de Fevereiro de 1949!

Quando penso no tamanho desse navio, um pouco maior do que a palma da minha mão, sinto um frio na espinha. Longe de imaginar ainda, que estava no Brasil! Foi quando meu pai avistou a bandeira do Brasil no mastro do pequeno porto de São Luis, a mesma bandeirinha que se encontrava na embalagem do café que tomava na França e então ele gritou:

− Estamos no Brasil!!!

Sua vida no início não foi fácil, como a de seus 3 amigos franceses, os quais decidiram não prosseguir esta viagem maluca para a Venezuela. E, juntos, enfrentaram mais uma etapa de suas vidas. Com a ajuda do conhecido professor e doutor Pedro Braga Filho, maranhense, iniciou-se na construção de um Centro de apoio às famílias de colonos que ali moravam (Assistência a Menores) e, mais tarde, na fabricação de telhas e tijolos na Olaria às margens do Rio Bacanga.

Estas atividades se encontravam naquela época no meio do mato, no meio do nada, em meio de plantações de bata doce, de rãs e até de crocodilos! Que eram, também, seus pratos preferidos !

O início de vida dessas pessoas aqui em nosso país foi árdua, como a de qualquer imigrante que chega a um novo porto com uma mão na frente e outra atrás. Muita luta, pouco descanso e nada de dinheiro sobrando para qualquer coisa minimamente supérflua. Foi quando meu pai conheceu minha mãe Maria de Jesus Bezerra Dimanche. Apaixonou-se por ela. Minha mãe era uma belíssima maranhense que conquistou o coração deste jovem parisiense a qual teve um papel de extrema importância em sua vida, como em sua carreira profissional no Rio de Janeiro posteriormente, cidade onde nasceríamos eu, e meu irmão Guy Tadeu Bezerra Dimanche,alguns anos mais tarde.

Minha mãe sempre contou que quando começou a namorar o meu pai, ele era um semi-mendigo, porque suas roupas eram pavorosas. Ela, com muito tato, aproveitou o Natal e deu-lhe duas calças e quatro camisas para que ele pudesse fazer um bico que foi uma oportunidade de ouro para quem ganhava uma miséria: dar aulas de Francês para o José Sarney, até então um ilustre  desconhecido de família abastada maranhense.

Em 1952, meu pai por sua vez foi para o Rio em um navio denominado Poconé que era, ainda, mais sofrível do que o outro que saiu da Espanha. Passageiros e tripulação tiveram que ficar três dias em Recife devido a um incêndio a bordo do navio.

Não sei quem o teria convidado migrar para o Rio de Janeiro. Nem estou certa se o seu primeiro emprego realmente foi o de maquetista, porque acredito que ele nunca havia feito uma maquete na França e muito menos em São Luís. Só que a minha família paterna é de  artistas. Inclusive o meu irmão. A única esquisita sou eu que trabalhei no Banco do Brasil e fiz faculdade de Matemática (incompleta) e Ciências Contábeis.

Bom, o que importa é que um de seus primeiros trabalhos no Rio ou talvez o primeiro tenha sido esse. Ele foi tão brilhante em sua  profissão que foi convidado pelo Oscar Niemeyer para ser o maquetista oficial de Brasília. Toda e qualquer maquete existente sobre as primeiras construções em Brasília foram feitas por meu pai Guy Louis Dimanche, sendo a primeira delas o PALÁCIO DA ALVORADA.

Ele não só fez as maquetes de Brasília como, também, de outras obras do grande arquiteto Oscar Niemeyer no exterior. O ateliê onde ele trabalhava em suas maquetes ficava no Leblon; era um “térreo” de um prédio alugado pela NOVACAP. Ficava perto da praia onde ele gostava de tomar seus banhos de mar. As maquetes eram feitas por ele de compensado e revestidas de “flexiglass”, não de gesso.

Seu pai, meu avô paterno, Marcel Edmond DIMANCHE, desenhista, veio da França para trabalhar com ele nesta importante e fascinante missão, o qual foi contratado pela NOVACAP, Cia. Urbanizadora da Nova Capital, e nomeado Chefe do Setor de Maquetes.

Meu pai e meu avô são citados no Diário Oficial da União em data de 1965 e 1967 conforme contratos de trabalho pela Novacap, a seguir: “O Prefeito do Distrito Federal, no uso de suas atribuições legais, resolve: designar Marcel Edmond Dimanche, Desenhista, nível 16, matrícula número 2.199, da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), à disposição desta Prefeitura, para exercer a função em comissão símbolo FC-8, de Chefe do Setor de maquetes, da Seção Técnica Auxiliar, da Coordenação de Arquitetura e  urbanismo, da Secretaria de Viação e Obras”.

Meu pai, como um dos pioneiros que fez parte da equipe do Oscar Niemeyer, ganhou uma casa na Av. W3, um terreno no lago e um emprego na NOVACAP.

O nosso ex-presidente Juscelino e sua esposa gostavam muito dele. Ela o recebia de rolinhos na cabeça tamanha era a intimidade. Esse privilégio que meu pai teve foi uma das raras exceções, a grande maioria dos pioneiros não recebeu nada, inclusive o meu avô Marcel Edmond DIMANCHE.

Após longos anos de ausência e um casamento que terminou, meu pai Guy Louis Dimanche decidiu retornar à sua terra natal, onde reside no centro da França. Hoje, em 19 de Julho de 2011, ele completou 92 anos com muita saúde, porém com muitas saudades de seus filhos, de sua neta e de seu querido Brasil, o País das grandes oportunidades nas décadas de 1950 e 1960 !  ”
Yvonne Maria Bezerra Dimanche
Guarapari, ES, 19 de Julho de 2011

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