Doping intelectual

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Pessoas saudáveis podem tomar remédios para turbinar a inteligência?

O jogador de pôquer americano Paul Phillips já acumulou mais de US$ 2,3 milhões em premiações de torneios. Boa parte desse sucesso, confessa, deve-se ao consumo regular de dois medicamentos, um para déficit de atenção, outro para narcolepsia. Phillips não sofre de nenhum desses males. É perfeitamente saudável. Os remédios apenas o ajudam a se concentrar. Essa iniciativa – o uso de medicamentos para aumentar a capacidade de memória e turbinar a inteligência – foi defendida recentemente por pesquisadores de renome de sete universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra em artigo na revista Nature. “Esqueça o doping esportivo”, diz o Los Angeles Times. “A próxima fronteira é o doping intelectual.”

Muitas substâncias (leia no quadro ao lado) já são usadas com essa finalidade. Uma pesquisa feita em universidades americanas apontou que 7% dos estudantes já tomaram algum medicamento para melhorar o desempenho nas provas. Em enquete promovida pela Nature, um em cada cinco cientistas afirmou tomar algum remédio de forma habitual para melhorar o rendimento. Dessa parcela, 62% consomem metilfenidato, princípio ativo da Ritalina, indicada para crianças com déficit de atenção, e 69% estão dispostos a arcar com os efeitos colaterais dos remédios vendidos em embalagens com tarja preta – ou seja, vendidos apenas mediante receita médica e altamente controlados.

Não se sabe ao certo os males que esses medicamentos podem causar no cérebro. O corpo humano tem um sistema protetor que regula os patamares dos neurotransmissores dopamina e serotonina. O excesso de estimulantes pode romper esse frágil equilíbrio e levar a desvios de conduta, como euforia, depressão e surtos paranóicos. Os pesquisadores que assinaram o manifesto defendem a realização de mais testes para saber os efeitos dessas substâncias a longo prazo. “Todas as novas tecnologias sofreram resistência no início, até mesmo a máquina de escrever”, afirmou o neurocientista Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia, um dos autores do artigo, à revista Technology Review. “Quando essas novas tecnologias são usadas moderadamente e no contexto social adequado, podem fazer bem.”

O manifesto dos acadêmicos também diz que é fundamental especificar em que atividades o uso dos medicamentos seria mais adequado. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos divulgou, em agosto, um informe sobre a utilidade de aditivos químicos na habilidade cognitiva dos militares, um setor com uma carga de horário bastante elevada, de longos turnos. Essa forma de consumo de medicamentos geraria novas questões éticas e morais:

  • Estudantes deixarão de concorrer em pé de igualdade a uma vaga na faculdade? Em atividades esportivas o doping é considerado ilegal justamente pelo incremento da força e da velocidade gerado por substâncias ilícitas.
  • Uma pesquisa científica terá menos reconhecimento se o pesquisador admitir ter tomado algum estimulante? Incontáveis obras de arte foram produzidas sob o efeito de drogas – e nem por isso valem menos no mercado.

É assunto incipiente que começa a ser debatido, mas que já foi até motivo de piada. Em primeiro de abril deste ano, dia da mentira, foi lançada a World Anti-Brain Doping Authority (WABDA), uma suposta agência reguladora de doping mental. Foi uma brincadeira criada pelo biólogo Jonathan Eisen, da Universidade da Califórnia. Mas será idéia tão descabida assim?

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