A reforma política vista por um cético

Por Rogério Schmitt*

 A sabedoria popular diz que, no Brasil, o Ano Novo só começa de verdade depois do Carnaval. A onipresença do debate sobre a famigerada reforma política é a prova cabal de que ainda estamos atravessando uma espécie de “limbo” pré-carnavalesco. Sou capaz de apostar que, lá pelo meio do ano, essa pauta já terá dado lugar a outras pautas muito mais estratégicas para o futuro do país.

De fato, são abundantes as evidências de que o debate sobre a reforma política é só “para inglês ver”. Neste momento, por exemplo, nada menos do que três “comissões de notáveis” sobre o tema estão em atividade paralela. O Senado instalou a sua nessa semana. A Câmara promete fazer o mesmo na semana que vem. E um grupo de juristas presidido por um ministro do STF já vem se reunindo desde junho do ano passado.

Não é preciso conhecer muito sobre política para perceber que estamos diante do clássico cenário “muito cacique para pouco índio”. São mínimas as probabilidades de que as propostas originadas desses três colegiados sejam, ao mesmo tempo, logicamente consistentes e politicamente viáveis (tanto entre si como cada uma internamente). Como os seus respectivos prazos de funcionamento também não são coincidentes, serão inevitáveis (e paralisantes) as disputas políticas sobre qual versão terá primazia em termos de tramitação legislativa.

Outra evidência de “impasse anunciado” é o caráter extremamente ambicioso das propostas que estão na mesa. A maioria delas requereria a aprovação de emendas constitucionais. É o caso, por exemplo, das propostas de adoção do voto distrital (puro ou misto) ou do chamado “distritão”. Nenhuma delas reunirá apoios suficientes para resistir a quatro votações nos dois plenários do Congresso, com quórum mínimo de 3/5 dos parlamentares em cada rodada.

É fato que várias outras propostas da agenda da reforma política são de natureza infraconstitucional e, portanto, também são mais viáveis politicamente. Nesse grupo aparecem, por exemplo, a lista fechada, o financiamento público das campanhas eleitorais e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Mas elas também têm um traço em comum: ou retiram poderes do eleitorado ou prejudicam as minorias partidárias. São vícios de origem inadmissíveis num sistema político tão fortemente consensual como o nosso.

Salvo melhor juízo, os dois principais males do nosso sistema político são a excessiva fragmentação partidária e o forte distanciamento entre eleitores e representantes. Creio que as duas distorções poderiam ser bastante reduzidas através de uma única medida legal. Provavelmente haveria uma mudança constitucional envolvida mas, ainda assim, a relação custo-benefício seria extremamente positiva.

A maior distorção do sistema representativo brasileiro é o fato de utilizarmos distritos eleitorais coincidentes com os estados da federação. Exceto por alguns países de diminuta extensão territorial, nenhuma outra democracia utiliza distritos tão grandes – geográfica e populacionalmente. Esses nossos “mega” distritos provocam tanto a multiplicação de partidos como também o afastamento entre eleitores e eleitos.

A utilização de distritos menores – correspondentes a subdivisões dos estados com propósitos meramente eleitorais, e que elegessem, por exemplo, entre quatro e oito deputados cada um – seria, assim, duplamente benéfica. E ainda poderíamos manter constantes todas as demais regras atualmente vigentes – inclusive o sistema proporcional com listas abertas. Trata-se apenas de apertar o botão correto para que a máquina inteira funcione bem.

Fica aí uma modesta sugestão para os notáveis reunidos nas três comissões da reforma política. Mas hoje estou tão cético que não acredito sequer na viabilidade da minha própria proposta. Pensando bem, essa já é a terceira semana seguida em que escrevo sobre esse tema. Prometo mudar de assunto depois do Carnaval.

 * Consultor político e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Publicou o livro “Partidos políticos no Brasil: 1945-2000” (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea “Partidos e coligações eleitorais no Brasil” (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).

TSE: eleição em município recém-criado deve obedecer calendário nacional

Por maioria de votos, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a eleição para prefeito e vereador em município recém-criado deve ser realizada simultaneamente com o restante do país.

A decisão ocorreu em um Mandado de Segurança apresentado pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) com o objetivo de anular decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS) que autorizou a realização da primeira eleição em Paraíso das Águas, município criado em 2003 a partir do desmembramento de outros três municípios naquele estado.

O julgamento foi retomado na sessão de terça-feira com o voto vista da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Para ela, “a realização de eleições simultâneas, e não estanques, obedece a Constituição quanto ao Pacto Federativo porque a Federação é uma unidade de pluralidades”.

Já o ministro Dias Toffoli, em voto proferido em sessão anterior, defendeu que as eleições fossem realizadas de imediato, visto que após a criação de um novo município, sua instalação deve ser formalizada com a “máxima brevidade possível”, até mesmo como forma de respeito ao primado da soberania popular, segundo o qual todo poder emana do povo. De acordo com o ministro, permitir que a eleição aguarde meses ou, como no caso específico, anos, viola o pacto federativo.

O ministro Dias Toffoli ficou vencido, uma vez que os demais ministros, assim como a ministra Cármen Lúcia, acompanharam o voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior.

Na opinião do relator, as eleições do novo município devem ser realizadas seguindo as regras do inciso I do artigo 29 da Constituição Federal. Esse dispositivo determina que a eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores, para mandato de quatro anos, deve ser feita mediante pleito direto e simultâneo a ser realizado em todo o país. A regra se repete no inciso II do parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições).

Histórico

O TRE-MS marcou as eleições de Paraíso das Águas para o dia 14 de março de 2010, mas no dia em 11 de fevereiro do mesmo ano o pleito foi suspenso por decisão do plenário do TSE, que concedeu o pedido de liminar feito pelo MPE. Agora, os ministros analisam o mérito da ação do Ministério Público Eleitoral.

O município de Paraíso das Águas foi criado a partir do desmembramento de Água Clara, Costa Rica e Chapadão do Sul. A criação da cidade foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3018). Alegou-se que a lei estadual que determinou o desmembramento não teria cumprido requisitos constitucionais. Com a Emenda Constitucional 57/08, a criação do município foi validada e a ADI foi arquivada por perda de objeto.

A Emenda Constitucional 57 acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para convalidar os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios. O artigo tem a seguinte redação:

“Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo estado à época de sua criação”.

Um novo Código de Processo Civil

Por Alexandre Freire*

Desde sua publicação em 1973, o Código de Processo Civil tem passado por sucessivas alterações decorrentes de leis reformadoras que se ocuparam em atualizar a legislação codificada naquilo que ela não mais atendia aos anseios e exigências de uma sociedade complexa e de risco. Pode-se destacar, entre os principais diplomas reformadores, a Lei n° 8.952/1994 e a Lei n° 11.332/2005 que, sucessivamente, instituíram a antecipação dos efeitos da tutela e o cumprimento de sentença.

Estas alterações certamente tornaram o processo mais célere e efetivo. Porém, as recorrentes modificações acarretaram contradições internas no Código de Processo Civil, provocando aqui e ali dúvidas e insegurança a respeito da melhor interpretação de determinados dispositivos. Objetivando corrigir esse inconveniente, a presidência do Senado Federal instituiu, em 2010, comissão de juristas, presidida pelo ministro Luiz Fux, para em 180 dias elaborar anteprojeto de novo Código de Processo Civil, que recentemente se converteu no projeto de Lei n° 166/2010. Esta comissão, sob a relatoria da professora Teresa Arruda Alvim Wambier, buscando colher subsídios e discutir propostas para o anteprojeto, realizou audiências públicas em oito cidades do país, bem como recebeu propostas de diversas instituições públicas e organizações da sociedade civil através do sítio eletrônico do Senado Federal.

O projeto de lei possui inúmeras virtudes, mas, como qualquer empresa humana, não alcançou unanimidade, encontrando resistências ideológicas em certos setores da comunidade acadêmica. Entre as principais novidades, sublinhe-se a extinção dos embargos infringentes e a limitação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Essas medidas têm por finalidade emprestar maior efetividade e conceder uma tutela jurisdicional mais célere e justa ao cidadão, pois coibi artifícios técnicos intuito de retardar o desfecho do processo.

O projeto também inova ao instituir o incidente de coletivização de demandas repetitivas. Esse instrumento se destina a conter o julgamento em massa de demandas análogas.

Na primeira etapa de discussão no Senado Federal, o projeto, sob relatoria geral do senador Valter Pereira, sofreu algumas alterações, com pontos positivos e outros nem tanto. Instituto interessante aglutinado nesta Casa foi a inserção da regra de julgamento cronológico que afastará os pedidos de preferência que não estejam previstos em lei.

Neste momento, o projeto encontra-se na Câmara Federal para deliberação. Esperamos que nesta fase do processo legislativo o projeto de lei tenha rápida tramitação e não sofra emendas que lhe façam perder a essência de um processo simples e útil.

De toda sorte, a aprovação futura do novo Código de Processo Civil, assim como de qualquer legislação, não será bastante para elidir os problemas da morosidade e inefetividade que afligem a prestação jurisdicional, pois demandará outra postura da magistratura na interpretação e aplicação da lei processual, bem como o aperfeiçoamento do processo eletrônico e incremento crescente de investimentos na educação continuada de técnicos, analistas e juízes para lidarem com uma nova realidade que em nada se assemelha com aquela que forjou o Código de Processo Civil de 1973.

*Mestre em Direito do Estado pela UFPR, coordenador do Curso de Direito da UFMA e Research Fellow Columbia Law School NYC/EUA.

Perfil

Blog informativo de Direito Eleitoral, com análise das inovações legislativas e da evolução jurisprudencial.

Flávio Braga é Pós-Graduado em Direito Eleitoral, Professor da Escola Judiciária Eleitoral e Analista Judiciário do TRE/MA.

“O seu voto não tem preço, tem consequências”

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