Maranhão tem 85 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil

Estado é o terceiro do Nordeste em número de crianças nessa condição

Justina Maria da Conceição, 37 anos, sabe bem o que é lutar diariamente para alimentar os filhos. Mãe solo de seis crianças, todas em idade escolar, ela passa as noites vendendo bombons caseiros no retorno da Forquilha, em São Luís. O filho mais velho, de apenas 13 anos, também ajuda: percorre o Centro Histórico, no bairro da Praia Grande, vendendo brigadeiros.
“Não é por querer, é por necessidade. Se eu tivesse alguém pra ficar com eles ou um salário certo, meu menino estaria em casa, descansando, não na rua tentando ajudar”, desabafa Justina. “Ele me vê saindo todo dia pra tentar trazer comida pra dentro de casa. Acaba querendo ajudar também. Mas é só um menino”, conta.

A história da família de Justina não é exceção. De acordo com o Mapa do Trabalho Infantil (PNAD Contínua + FNPETI), divulgado em junho de 2024, cerca de 85 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no Maranhão, o que corresponde a aproximadamente 5% da população dessa faixa etária no estado. Com isso, o Maranhão ocupa a terceira posição no Nordeste em percentual de trabalho infantil, atrás apenas do Piauí (7,93%) e da Bahia (6,23%).

Apesar dos esforços concentrados em datas e campanhas específicas,especialistas alertam que o tema não pode desaparecer da agenda pública no restante do ano. A professora Maysa Moreira, do curso de Serviço Social da Estácio, explica que o trabalho infantil no estado é muitas vezes invisibilizado e tratado com naturalidade.
“Para crianças e adolescentes em idade escolar, o essencial é cumprir a jornada de estudos, brincar, conviver com a família e os amigos, participar de atividades recreativas e ter tempo para descansar. Tudo isso contribui de forma saudável para a formação do caráter”, afirma.

Maysa alerta que situações como a do filho de Justina configuram trabalho infantil urbano, o que é proibido por lei para menores de 14 anos. Além disso, a atividade acontece em local público, à noite, e sem proteção social, todos estes fatores que agravam a exposição a riscos.
“Caracteriza uma violação de direitos fundamentais, que impede o pleno desenvolvimento dessa criança”, explica a professora.

Realidade nacional

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que, entre 2023 e abril de 2025, 6.372 crianças e adolescentes foram retirados de situações de trabalho infantil no Brasil, sendo 2.564 em 2923; 2.741 casos em 2024; e, até abril deste ano, as estatísticas já apontam para 1.067 ocorências. Desses, 86% dos casos estão considerados entre as piores formas de exploração, com atividades com graves riscos ocupacionais ou danos físicos e emocionais.

Do total, 74% são meninos e 26% meninas. As maiores incidências foram entre os adolescentes de 16 e 17 anos (4.130 casos), mas até mesmo crianças com menos de 13 anos — faixa etária em que qualquer tipo de trabalho é ilegal — somaram 791 casos.

As principais atividades envolviam comércio varejista, alimentação, oficinas de manutenção de veículos, agricultura e pecuária. Todos setores comuns em diversas cidades maranhenses, principalmente nas zonas rurais.

Trabalho infantil na capital

Cinquenta e nove crianças e adolescentes foram identificados em situação de trabalho infantil em São Luís, durante o primeiro semestre de 2025. Desse total, 17 delas tinham 11 anos de idade ou menos. Outro caso foi de um venezuelano, de 14 anos, em situação de mendicância e fora da escola.
As informações foram divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Auditoria Fiscal do Trabalho, que reuniu os dados de afastamentos desses menores em atividades como venda de hortifrutis e produtos de açougue em mercados públicos, comércio ambulante em vias públicas e praias, ou simplesmente pedindo dinheiro nas ruas.

Romantização e desigualdade social

Segundo a professora Maysa Moreira, um dos maiores desafios é a romantização do trabalho infantil, muitas vezes visto como forma de “formação de caráter” ou “evitar a criminalidade”.

“Pesquisas mostram que o trabalho precoce não previne o crime. Muitos adolescentes envolvidos com o tráfico ou em medidas socioeducativas já exerciam atividades laborais antes das infrações. A falsa ideia de que o trabalho protege, na verdade, aprofunda a vulnerabilidade, empurrando os jovens ainda mais para ambientes de risco”, afirma.

Outro fator preocupante é o trabalho doméstico infantil, especialmente de meninas pobres acolhidas em casas de família, com promessa de moradia e comida em troca do serviço. “Essas meninas ficam isoladas, longe da escola, dos amigos, e muitas vezes em situação de abuso. Essa é uma das piores formas de trabalho infantil e é proibida para menores de 18 anos”, reforça.
A especialista pontua, ainda, que o impacto do trabalho infantil é direto na evasão escolar e na limitação de oportunidades na vida adulta. Segundo ela, crianças que trabalham cedo tendem a ocupar postos informais e mal remunerados, reforçando o ciclo da pobreza. Enquanto isso, jovens de classes mais altas têm tempo e apoio para investir em formação acadêmica e profissional.

“Combater o trabalho infantil não é tarefa exclusiva das campanhas anuais. É um compromisso contínuo da sociedade, do poder público, das escolas e das famílias. Não basta tirar a criança da rua, é preciso garantir educação, proteção e oportunidades reais de futuro”, conclui.

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Jornalista, formado em 2001, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Fui repórter da TV Difusora, Canal 20 e desde 2001 integro a equipe esportiva do jornal O Estado do Maranhão. Tenho pelo esporte, em especial o futebol, uma paixão. Este blog abordará não apenas a maior paixão nacional, mas também temas ligados a cidade, política, polícia, cultura entre outros…

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