A comparação

Por volta do ano de 1200 da nossa era, no Japão feudal, havia um poderoso senhor da guerra conhecido como Kira Moru, o sábio. Ele possuía um exército muito bem preparado e motivado apesar de não ser tão numeroso. A frente desse exército estava um ex-monge budista chamado Ykeda Jodo, um guerreiro frio, exímio estrategista, um comandante respeitado e amado por seus homens, admirado e temido por seus inimigos. Ykeda era um Samurai muito orgulhoso, mas já sentindo que o seu fim estava próximo, quis rever seu velho mestre zen, a quem não via há muitos anos. Foi então até seu senhor e pediu-lhe permissão para fazer a viagem até ao mosteiro de Nagazori. Kira consentiu desde que Ykeda levasse consigo dois pupilos para treina-los pelo caminho, o senhor escolheria um e o samurai escolheria o outro. E foram os três, Ykeda e seus pupilos, Akio e Terume.
Meses depois os três chegaram ao mosteiro onde vivia o mestre Matshushiro. Ao reencontrar seu antigo professor e guia espiritual, a beleza e o encanto daquele momento fez com que o orgulhoso guerreiro se sentisse repentinamente inferior, e perguntou ao mestre: “- Matshushiro san, por que estou me sentindo tão pequeno? Apenas um momento atrás, tudo estava bem. Quando aqui entrei, subitamente me senti inferior, eu jamais me senti assim antes. Encarei a morte muitas vezes, mas nunca experimentei medo algum. Por que estou me sentindo assustado agora?” “- Espere. Quando todos tiverem partido, mostrar-lhe-ei a resposta.” – disse o mestre.
Durante todo o dia, pessoas chegavam para ver o mestre Matshushiro, e Ykeda estava ficando cansado de esperar. Ao anoitecer, quando não havia mais ninguém para ver o mestre, o Samurai perguntou novamente:- “Agora o senhor pode me responder por que me sinto tão inferior?”

O mestre o levou para o jardim, era uma noite de lua cheia e a lua estava justamente surgindo no horizonte. E o mestre disse:- “Olhe para aquelas duas árvores, lembra-se delas, foi eu quem mandou que você as plantasse, há muitos anos. A árvore alta e a árvore pequena ao seu lado, ambas estiveram sempre juntas aqui no nosso jardim e nunca houve problema algum com elas. A árvore menor jamais se sentiu inferior. Esta árvore é pequena e a outra é maior, e isto é fato, e nunca houve sussurro algum sobre isso. O Samurai então, argumentou dizendo que Isso acontecia porque as arvores não podiam se comparar, ao que o Mestre replicou:- “Então não deverias me perguntar porque te sentes menor agora que voltastes aqui, Você sabe a resposta. Quando você não compara, toda a inferioridade e superioridade desaparecem. Você é o que é. Simplesmente existe. Um pequeno arbusto ou uma grande árvore, não importa. Uma conchinha do imenso mar é tão necessária quanto a maior das estrelas do firmamento. O canto de um pássaro é tão necessário quanto qualquer Buda, pois o mundo será menos rico se este canto desaparecer. Simplesmente olhe à sua volta. Tudo que há é necessário e tudo se encaixa. É uma unidade orgânica: ninguém é mais alto ou mais baixo, ninguém é superior ou inferior. Cada um é incomparavelmente único. Você é necessário como é e basta. Na Natureza, tamanho não é diferença. Tudo é expressão igual de vida. Cada coisa e tudo têm o seu lugar. Veja os seus dois discípulos: um é pequenino e ágil, o outro é um gigante fortíssimo. Um é excelente arqueiro e domina o uso das armas, o outro tem grande astúcia e raciocínio rápido. Se você fizer comparações entre eles poderá imaginar que eles são dispensáveis e não são, pois depois de você, seu senhor e seu povo ira precisar de todos os talentos dos dois para substituir os seus.”
Depois de concluído o treinamento de Akio e Terume, Ykeda os mandou de volta para Kira, o sábio. Ele, no entanto permaneceu no mosteiro até o fim de seus dias. Não mais se sentia inferior.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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