Uma conversa sobre o caos
Sempre que escrevo, costumo pensar no seguinte: existe o mundo, existem as palavras, existe a nossa experiência do mundo e a nossa experiência da palavra. Diante da página em branco, na tela do computador, encontro diante de mim o caos do mundo e o caos da palavra que vou tentando ordenar, operando, deste modo, uma passagem do caos para o ordenamento de meu próprio pensamento.
E penso sobre o caos, que pode ser aquele causado por pacotes econômicos do governo, que de vez em quando nos surpreendem, ou o caos ocasionado pelas chuvas, engarrafamentos, inundações. No mundo da Física, por exemplo, os cientistas insistem em pesquisar sobre um tipo especial de caos, que assola o mundo microscópico da matéria, provocando desordem entre os átomos de uma mesma substância.
Pois bem, para os cientistas, o caos também reina no interior da matéria, como nas grandes cidades brasileiras. Em determinadas circunstâncias, um tipo de desordem generalizada toma conta dos átomos (partículas básicas da matéria). E essa rebeldia atômica tem intrigado os pesquisadores que tentam decifrar a confusão desse micromundo.
Agora, quando o assunto é o caos da economia, a coisa se complica ainda mais. Entretanto, veteranos economistas e principalmente filósofos acreditam que o caos não é tão desorganizado. Há uma certa ordem escondida por trás da confusão aparente. E é possível aproveitar certos estados organizados do caos, estabilizá-los e devolver a harmonia à bagunça.
Aliás, já houve quem apontasse o tema caos como forte candidato ao Prêmio Nobel de Física. Mas não vingou. Ganharam os quarks, as menores partículas da matéria comum. Há uns 30 anos, o cenário era mais pobre. Cientistas achavam que não havia remédio para o caos. Mesmo a mais poderosa das matemáticas não poderia prever o futuro depois de instalada a desorganização. Com o status adquirido nas últimas décadas, o caos ganhou vigor e virou moda. Resultados teóricos e experimentais já comprovaram que até mesmo a passagem para o estado caótico é feita sob uma determinada ordem.
Outra coisa interessante: o caos pode ser pensado também à luz dos textos bíblicos. Aliás, apocalipse, como substantivo comum, evoluiu para o significado de grande cataclismo: flagelo terrível, está no Aurélio. E não sem razão. Adquiriu esse significado porque o livro bíblico que tem esse nome contém revelações terrificantes acerca dos destinos da humanidade, como lá diz o mesmo dicionário.
Mas é sempre bom lembrar que o Apocalipse, habitualmente encarado só como o anúncio da destruição da terra e do homem, é alguma coisa a mais, alguma coisa além de revelações terrificantes. Para as pessoas que me falam sobre a fé, e com as quais costumo conversar sobre o assunto, o Apocalipse é também a promessa da restauração do cosmo e do homem, na imagem de um novo céu e uma nova terra.
É claro que o Apocalipse, que é o último livro do Novo Testamento, atribuído ao apóstolo João, não foi escrito para amedrontar ninguém. Para alguns, é possível uma aproximação entre o Apocalipse e a destruição atual da terra, para a qual os ecologistas vêm chamando a atenção permanentemente e que é uma preocupação constante de todos os que amam a natureza. Os meios de comunicação diariamente dão conta das conclusões dos cientistas sobre a escassez de água no planeta, o desaparecimento de espécies animais e vegetais que constituem elos indispensáveis na cadeia da vida na Terra, a extinção da vida no mar, as graves alterações climáticas, entre outras coisas ainda mais violentas, como a ameaça nuclear, da qual começamos a ter um pálido retrato na dramática imagem de Hiroxima bombardeada, em 1945.
Diante dessas coisas, chego a pensar que o fim virá, sim, e modernamente os desastres ecológicos começam a nos mostrar isso com clareza. Só que a evolução da idéia do caos nos faz pensar na idéia da renovação, a idéia da recriação do mundo. Aliás, é o próprio Apocalipse, que retrata um cenário que vai além do horror e da destruição, que nos confirma esta esperança: Eis que faço novas todas as coisas (Ap 21,5).
Comentários