Quem é esse Manuel!?

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Não era ainda 21 horas de sábado, dia 6, e eu já havia recebido varias ligações de pessoas querendo comentar minha crônica dominical. Ela suscitou muita curiosidade. Foi assim a semana inteira.

Em todas as conversas que tive sobre esse assunto, a pergunta mais freqüente era “quem é esse Manuel?”. Todos querendo saber quem era a pessoa pela qual minha mãe intercedia no post script.

É que na minha casa nós não temos bem empregados. Quem trabalha conosco rapidamente se transforma em pessoa da família, se agrega a nós de tal forma, que todos, nós e eles, perdemos a noção de patrão e empregado, fica apenas o sentimento de interdependência de ambas as partes, comum entre familiares.

Há casos como o de Celso Henrique, cuja mãe Anita, Banto de origem, era lavadeira de minha avó e morreu de parto. Então meu pai e minha mãe o levaram para criar. Ele foi criado junto conosco, tendo as mesmas roupas, os mesmos brinquedos, às mesmas oportunidades, só não gostava muito era de estudar. Mesmo assim Celso não teve a mesma sorte. Em que pese ser uma marra de preto, quase zero de gordura corporal, ele sofre de uma doença coronariana grave, coisa que temos tentado remediar de todas as formas.

Meses antes de morrer, meu pai passou mal e na UTI do hospital me chamou e disse: “Não tenho mais nada para lhe ensinar. Você já aprendeu quase tudo, já sabe muito mais que eu, o resto é a vida que vai lhe ensinar. Mas tenho um pedido pra lhe fazer. Não brigue jamais com seu irmão, sejam unidos, oriente ele, proteja ele como você sempre fez”. Seus olhos encheram de lagrimas e os meus também. Eu já ia saindo e ele me chamou de volta e disse, “cuide das velhas, tua mãe, Teté, Loló. E não te esquece de Celso, de Jorge, de Lulu, de Lídia, dos filhos de Zé do Vale…” e começou a chorar.

Há outro tipo de agregado lá em casa, e o melhor exemplo é José Moraes Neto que já trabalha comigo desde 1982. Ele entrou como motorista e hoje é quem resolve todos os problemas mecânicos, elétricos, hidráulicos e veiculares de toda família, além de supervisionar a manutenção de todos os nossos equipamentos. Mas nem sempre foi assim. Logo a primeira viagem que fizemos, eu, meu pai e ele, foi um desastre. Como iríamos para um povoado de difícil acesso, num caminhão, deixamos Neto uma cidade próxima com a recomendação de que ele ficasse lá nos aguardando, tomando conta do carro e não colocasse uma gota de álcool na boca. Na volta quem disse que se achava o carro e o motorista!? Haviam sumido. Depois de muito procurar encontramos o carro num cabaré e Neto estarrado em uma rede, completamente bêbado. Meu pai quase enlouqueceu. Pensei que fosse demiti-lo e iria, só não o fez porque ao chegar em casa, minha mãe intercedeu por ele. “Dá uma chance para o menino”.

Mas essa é outra historia. A história de Manuel é a seguinte: Luis, que já trabalha conosco há uns quinze anos, o trouxe certa vez para ajudá-lo no trabalho do jardim e ele foi ficando. Meu irmão precisava de alguém para de vez em quando ficar na obra de sua casa no Araçagy e o mandou para lá. Tudo muito bem. Manuel era muito esforçado e trabalhador até que um dia recebeu-se uma ligação dizendo que ele havia se envolvido em uma confusão e tinha sido esfaqueado na Divinéia. Mandamos Neto ir até lá, levá-lo ao medico, ver o que houve, advertir quem pudesse ter feito qualquer mal para Manuel, dizer que ele trabalhava pra nós, que não era bandido. Algumas pessoas sugeriram que Nagib o demitisse, mas minha mãe ponderou: “Dá uma chance para o menino”.

Depois de dois anos trabalhando conosco, Manuel que era tratado como se fosse da família, pisou na bola de maneira imperdoável. Chamou dois amigos e os mandou na construção da casa de meu irmão para que eles tirassem umas madeiras do telhado para fazer um barraco pra ele em uma invasão. Santa burrice e maldita imaturidade. Se ele tivesse pedido pra mim ou pra mamãe, teríamos dado. Mas mandar roubar! Este é o Manuel e este é o caso pelo qual mamãe intercedeu.

Bem, o desfecho da historia é o seguinte. Meu irmão não deixou de demitir Manuel, até porque não poderia mais confiar nele, mas em compensação não deixou que o prendessem. Minha mãe até hoje lamenta o fato de Manuel ter sido tão tolo e não ter percebido que se ele tivesse falado com ela, o teria ajudado.

Sabem qual foi a última de minha mãe!? Pediu-me para arranjar um trabalho para Manuel num posto de gasolina.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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