A morte é simplesmente uma longa viagem!
O que realmente é a morte? Como é que ela deve ser encarada? A quem ela atinge mais contundentemente, a quem vai ou a quem fica? São apenas algumas perguntas que eu tenho me feito recorrentemente sobre esse assunto, que sempre me causou bastante perplexidade.
Da morte sei, com absoluta certeza, sobre sua inexorabilidade. Ela é a única coisa certa que há na vida de uma pessoa. A vida pode ser boa, longa, produtiva ou absolutamente o oposto disso, mas ela, em algum momento, se extinguirá. O quando, o como e o porquê é que ficam por conta exclusiva das leis próprias da imponderabilidade.
Sobre essa imponderabilidade, meu pai me disse certa vez, após acabarmos de ver o filme “Lawrence da Arabia”, que apesar daquela história incrível, uma coisa lhe chamara bastante atenção, o fato de Lawrence não ter morrido na feroz Primeira Guerra Mundial, mas ter perecido depois das batalhas, em um simples e absurdo acidente de motocicleta. Desde então, passei a encarar tanto a vida como a morte de maneira bastante peculiar e pragmática.
A vida é tudo, substantivo, adjetivo, sujeito e predicado enquanto a morte é simplesmente a ausência, uma longa viagem.
Digo isso para falar da longa viagem que um querido amigo meu iniciou na ultima sexta-feira, dia 9.
Se eu disser pra vocês o nome verdadeiro dele, pouca gente vai saber de quem realmente se trata: Paulo Alberto Monteiro de Barros. Se eu disser o nome pelo qual ele ficou conhecido, muita gente vai se perguntar como é que eu pude ter ficado seu amigo e alguns até duvidaram de que realmente fui amigo de figura tão conhecida e importante: Artur da Távola.
Digo sempre que além de minha formação acadêmica de advogado, tive uma ótima formação de base, estudei em ótimos colégios e tive uma família que me proporcionou o aprendizado do que é a vida. No entanto, eu fiz também mestrado e doutorado em ciências políticas.
De 1983 a 1987 tive como mestres-orientadores Gervasio Santos, José Bento Neves e Raimundo Leal, dentre outros. No doutorado, de 1987 a 1991 tive o privilégio de ter como professores Florestan Fernandes, Afonso Arinos e Artur da Távola, para citar apenas três.
É sobre este último que eu desejo falar a vocês muito rapidamente, pois tenho que sair correndo pra ver se ainda o alcanço pelo menos na estação do trem que vai levá-lo nessa viagem, para tentar pelo menos acenar pra ele, olhá-lo mais uma vez e dizer-lhe o quanto aprendi com ele. Como ele me serviu de inspiração, desde quando ainda menino, sem conhecê-lo pessoalmente, ele me influenciou e como seu exemplo de pessoa humana, de homem, de político, fez com que eu costurasse minhas próprias roupas tendo as suas como exemplo de corte e elegância. Certamente não consegui me igualar ao mestre, mas só o fato de ter tentado, já me consola e apraz.
Queria poder, antes dessa sua viagem, ter sentado com ele para novamente ouvirmos as músicas que ele tanto amava. Os clássicos como Rachmaninoff, Gershwin e Prokofiev, mas com toda certeza ele não esqueceria de fazer tocar também a Bossa de seus ídolos e amigos, Tom e Vinicius.
Eu e Artur fomos colegas durante a Assembléia Nacional Constituinte, digo colegas porque ambos éramos deputados, mas ele, com idade pra ser meu pai – só era três anos mais novo que o meu pai – e capacidade de mestre, me propiciou alguns momentos antológicos, me apresentou pessoas incríveis, me ensinou coisas que pude praticar na minha vida, como político, como homem e como pessoa.
Há coisas que não se diz pra ninguém, mas depois de algum tempo essas mesmas coisas perdem o sentido e podem ser ditas pra todos. Paulo Alberto foi a primeira pessoa a notar meu problema de dislexia, o que de certa forma me libertou do estigma de ser simplesmente irrequieto e desatento, um leitor inapto e um escritor medíocre.
Não nos víamos já fazia algum tempo. Na verdade ele não me via, mas eu o via e o ouvia sempre em seu maravilhoso programa ‘Quem tem medo de música clássica?’, na TV Senado. E quando em Brasília ou no Rio, sempre ouvia seus programas de rádio, onde a sua música servia de bálsamo e de desculpa para que ele desse uma verdadeira aula de sensibilidade, cultura e humanismo.
Artur escreveu em seu último artigo publicado um dia antes de sair em viagem, intitulado “Papo dispersivo sobre a paixão”, depois de um pouco antes ter citado ninguém menos que Goethe, uma frase que é bem a cara dele: “… Amor é coisa muito diversa… Amor não clama nem reclama: amor dá”.
PS: Certa vez, conversando com Artur sobre a morte, disse para ele que gostaria de morrer de forma parecida com a que meu tio João havia morrido: dormindo. Na última sexta-feira, dia 9, ele usou a minha idéia e se foi, dormindo.
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