Diário de viagem – Parte 1
1 – Como sempre faço, passei a semana inteira me preparando para viajar. Fiz as contas dos dias que passaria fora, separei as roupas conforme as ocasiões, combinações, usos e possibilidades de cada uma. Começo fazendo um mapa do corpo, de baixo para cima: sapatos, meias, cuecas, sunga de banho, calções para dormir, bermudas, calças, camisetas, camisas, casacos e outras coisas tais como gravatas, lenços, bonés…
2 – Fiz tudo certo, vôo confirmado, hotel confirmado, até o transfer do aeroporto para o hotel confirmado. Só faltou combinar com o setor de manutenção da TAM… O vôo foi cancelado em Belém, tive que ir para o Rio, depois pra São Paulo pra só então chegar a Miami e fazer conexão imediata para Boston. 48 horas viajando.
3– No avião conheci duas pessoas muito interessantes: Wanderson, um brasileiro de Curitiba, que tem dupla nacionalidade, é também americano onde faz parte das forças especiais do exercito dos Estados Unidos. Um SEAL daqueles que só se vê em filmes de guerra. O cara é muito louco. Dizendo ele que era da Legião Estrangeira da França, um mercenário. Fala seis idiomas: Português, inglês, espanhol, francês, árabe e russo. Tem seus 130 quilos distribuídos em quase dois metros de altura. Falante, me mostrou todas as suas identificações, falou de como estão as coisas no Iraque e o principal, que estava voltando para se entregar, pois pirou, fugiu, desertou e agora fez um acordo pra voltar. Vai pegar uma cana, perder um pouco do salário e voltar pro Iraque onde deve ficar quinze meses, depois dá baixa e vai morar no Brasil. A outra foi Danw, uma simpática moça de Chicago que mora em Miami, trabalha na Caterpilla e passou 10 dias em Piracicaba fazendo marketing de seus tratores. Uma bela negra dona de um perfil que lembra Nefertiti. Extremamente inteligente e elegante. Parecia ser da CIA. Pensei estar em um roteiro de um filme da serie de filmes de Jason Bourne ou Jack Ryan.
4 – Ao descer em Miami, na imigração, peguei a fila errada e fui repreendido por um sujeito que mais parecia aquele obelisco de 2001, uma odisséia no espaço. Gigantesco e negro. O cara, quase que em câmera lenta, levantou-se de sua cadeira e foi olhar pra ver se eu estava na placa de identificação da fila em que eu me encontrava, então com certa ironia e bastante arrogância mandou-me mudar de fila, no que obedeci. Cena digna dos desenhos de Tom e Jerry, quando um daqueles cachorrões intimida o pobre e fraco bichano. O tempo passava rápido e as filas andavam muito devagar, até que um supervisor mudou um monte de gente de lugar e me recolocou novamente na fila em que eu estava antes, a do negão. Quando chegou a minha vez, quase que em câmera lenta, me aproximei dele, olhei bem em seus olhos, voltei pra ler o que estava escrito na placa e voltei-me a ele dizendo: ‘Oi! Veja como são as coisas, esse mundo é muito pequeno, eu voltei!
5 – Ao fazer a conexão pra Boston, uma moça da segurança olhou pra minha cara e me mandou ir por uma fila diferente da dos demais. Achei estranho mas fui, não tinha escolha. A revista nessa fila era redobrada, acho que tenho cara de terrorista! Depois de constatar que só a minha cara é um terror a moça me liberou.
6 – No saguão, esperando o vôo pra Boston, ouvi umas pessoas falando meu amado idioma. Essa é uma das melhores sensações que eu sinto quando estou viajando, encontrar alguém que fale minha língua. As pessoas que conheci eram a médica Luciana, o músico Fernando e sua mulher, a atriz Edel.
7 – No avião para Boston passou o filme “Antes de Partir” com Jack Nicholson e Morgan Freeman, dirigido por Rob Reiner. Como já havia visto, resolvi vê-lo, sem som. Lembrei-me de quase tudo, até chorei exatamente no mesmo lugar em que eu e Laila choramos junto, quando assistimos pela primeira vez. O casal ao um lado não entendeu nada.
8 – Depois disso tudo, cheguei e tenho que correr porque é hoje a abertura do Boston International Film Festival e meu filme “Pelo Ouvido” carrega a imensa responsabilidade de ser o único representante do Brasil. De repente estou me sentindo extremamente sozinho, mas ainda bem que vou encontrar com Álvaro Lima (filho de dona Zelinda e de seu Carlos Lima) e com Salwa Aboud (filha de dona Albertina e seu Eduardo Aboud) que moram aqui há muitos anos. De repente já estou me sentindo em casa. Só falta abiscoitar pelo menos um premiozinho no festival, se bem que já é um grande prêmio o fato de ter sido selecionado em meio a mais de dois mil trabalhos.
Boston, 06 de junho de 2008
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