Diário de viagem – 2

1 – Boston é de certa forma uma cidade bastante provinciana. Mais de três milhões de habitantes e ainda mantém nítidas as características comunitárias de pequena cidade. Notei que nesta parte o país, a Nova Inglaterra, o prefeito de certa forma é mais importante que o governador. Enquanto um faz projetos e executa obras, o outro é uma figura representativa, um magistrado.
Fiquei intrigado e perguntei ao Álvaro Lima, se já que o prefeito, seu amigo, é tão forte na capital do estado, tanto que vem se reelegendo há tantos anos, porque ele não se candidata ao governo, ao que ele me respondeu: “Ele acredita que é mais importante fazer um excelente trabalho na cidade que um trabalho apenas regular no Estado”. Se todos nós pensássemos assim no Brasil as coisas talvez começassem a mudar pra melhor.

2 – Estou impressionado com a imensa quantidade de imigrantes brasileiros, não só em Boston, mas em toda região nordeste os Estados Unidos. São segundo as mais conservadoras avaliações mais de 350 mil brasileiros por aqui. Alguns acreditam que sejamos 400 mil. È uma considerável corrente migratória que não pode ser desconhecida ou desconsiderada por nossos governantes e pelo que senti por aqui, nossos conterrâneos estão bastante queixosos com o Itamaraty, as pessoas se sentem abandonadas pelo nosso governo.

3 – Coisas incríveis acontecem a cada instante, em todo lugar e com qualquer pessoa. Comigo, as que acontecem eu costumo registrar.
Conhecer pessoas é uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida. É até difícil dizer o que eu mais gosto de fazer porque eu gosto de tanta coisa… Mas nesta viagem tenho conhecido pessoas muito interessantes.
Fui visitar minha prima Salwa e ao entrar no elevador dei de cara com uma senhora loira e um sujeito baixinho que carregava uma bike de corrida nas costas, usando uns óculos de sol minúsculos e fashion. Dei bom dia, olhei para o painel do elevador e fiquei completamente perdido. Tinha que ir para o apartamento 17 em um prédio onde cada unidade ocupa um andar inteiro e naquele painel não havia o 17° andar… Já me desculpando por meu inglês ruim, pedi ajuda ao cavalheiro. Quando lhe disse que queria ir ao “seventeen floor”, ele disse sorrindo, em um português bem pior que o meu inglês: “oucêi deviii cerrr jakin, prinnmou cineasssstou dii Salwa”. O baixinho invocado era o Bob, o milionário marido de minha prima. Ele então se virou para senhora ao seu lado e me apresentou pra ela, ao que eu respondi em meu inglês bem melhor que o português dele, simplesmente, “nice to meet you” (Ta pensando! Fiz bonito!).
Horas mais tarde, depois de um magnífico almoço genuinamente bostoniano, a base de lagostas, lulas, vieiras e mexilhões, num magnífico restaurante tradicional, na área do cais, comentei com Salwa que o motorista de táxi que me levará até sua casa havia me dito que naquele prédio morava a ex-mulher do senador Ted Kennedy. Bob então intercedeu e diz pra mim: “oucêi  parrecie kii eh dii Bacubal (ele se referia a Bacabal), ah sinhoura kii tii presenntei no levadorr irah Joan Kennedy!”. Tive então a reafirmação de duas antigas constatações e passei a ter uma outra certeza: De como esse mundo é pequeno e de como o tempo é implacável, além do que, meu inglês não é tão ruim assim, viu!?

4 – Domingo passado meu filme, “Pelo Ouvido” foi exibido pela primeira vez para o publico e isso aconteceu aqui no Boston Internacional Film Festival. Senti algo Maravilhoso ao ver meu trabalho naquela tela gigantesca, no maior cinema de uma das cidades mais importantes dos Estados Unidos. Por um instante tive a sensação do dever cumprido e tive vontade de voltar pra casa, pra minha vidinha, minha família, meus amigos, meu caranguejo toc-toc, pra lida enfadonha da Assembléia, pra tomar a frente da Fundação Nagib Haickel, do Museu da Memória Audiovisual do Maranhão… Foi quando me lembrei daquela famosa frase de César: Vim, vi e venci. O fato de meu filme ter vindo, de ter sido visto e apreciado por muita gente, já o faz um vencedor. Quanto ao resultado do Festival propriamente dito, isso é coisa que tanto eu quanto vocês só vamos saber depois, por que o os envelopes só serão abertos amanhã, por enquanto vamos comemorar uma outra vitória. O primeiro premio do filme “Pelo Ouvido” saiu hoje, foi o de melhor atriz dado pelo júri técnico do festival de Cabo Frio, para minha querida amiga Amanda Acosta por seu impecável desempenho no papel de Keyt.

Boston, 13 de junho de 2008.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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