Quando papai morreu herdamos mamãe.

Gostaria de dizer a você que me lê agora, que escrever para mim sempre foi uma necessidade. No começo não sabia o porquê, mas desde muito cedo, assim que aprendi a fazê-lo, passei a colocar pensamentos e sentimentos no papel. Depois de anos de tentativas, nem sempre exitosas, e mesmo depois de alguma pratica, constato que é muito difícil colocar no papel certas coisas que estão alojadas e escondidas na tríplice fronteira intangível entre meu corpo, minha mente e minha alma.

Há quinze anos escrevi um texto para meu pai que havia acabado de falecer. Naquela época não foi tão difícil porque aquele texto saiu de mim como se fosse uma erupção. Na verdade escrevi o que ele teria escrito naquela circunstancia. Sabe!? Às vezes acho que psicografei aquilo! De meu mesmo ali tem muito pouco. Só precisei esculpi-lo e lapidá-lo um pouquinho.

Quinze anos depois, gostaria de escrever mais uma vez por meu pai, como se fosse ele, só que agora sem contar, em meu beneficio, com o calor daquela hora, da perda, do desespero e do desamparo. Sem o pavor que aquilo tudo me causou. Um pavor tão grande que quando passou, levou consigo todos aqueles pequeninos medos que incutimos em nossa mente desde criança. Ficou comigo apenas o medo natural da condição humana.

Foi-se o medo e ficou em seu lugar algo maior. Uma responsabilidade inimaginável e incomensurável. A responsabilidade de substituí-lo em quase tudo, principalmente em algumas coisas para as quais ele era insubstituível e em outras para as quais eu era incompetente.

Hoje tenho consciência de que não fui o que se poderia chamar de um substituto a sua altura, mas tentei realmente sê-lo. Alguns de seus amigos, de certa forma me dizem isso sem palavras. Olham para mim e em seus olhares vejo a saudade verdadeira que sentem de meu pai, que se vivo fosse, faria em dezembro 75 anos.

Nestes anos desenvolvi uma técnica para ter meu pai sempre que preciso ao meu lado. Saio de meu corpo e me coloco como se fosse ele e tento ver as coisas como se ele fosse. Ele nunca saiu de meu lado durante todos esses anos. Seu corpo morreu, mas sua energia não. Isso é a verdadeira imortalidade.

Me lembro que em uma de nossas viagens pelo interior, ele me disse que para levarmos o progresso para a nossa região, para o nosso povo, precisávamos levar algumas coisas de suma importância: saúde, educação, energia elétrica, estradas e telefonia. Fico imaginando se onde quer que ele esteja, tivesse um telefone e ele pudesse nos ligar! O que será que ele diria!?

Acredito que ele ligaria pra minha sobrinha Pillar e diria o quanto gostaria de ter feito com ela as mesmas brincadeiras que fez com Laila. Colocá-la sobre a mesa do café e fazê-la desfilar como se estivesse em uma passarela. Levá-la para podar seu roseiral, enche-la de mimos e carinhos.

Algo parecido ele diria pra Nagib Neto. Diria que gostaria que ele se sentasse entre suas pernas e ficasse enchendo sua paciência e atrapalhando as conversas como eu fazia ou que fosse trabalhar com ele como meu irmão Nagib fez muitas vezes. Diria isso a um garoto imenso que ainda vai completar 15 anos e que incrivelmente sem nunca ter visto meu pai, coça as costas nos cantos das paredes da mesma forma como ele fazia.

Ligaria pra Laila para dizer que se por um lado está muito orgulhoso dela, por outro está preocupado com o seu futuro e já que só agora ela está se propondo a aprender a dirigir, que dirija por si e pelos outros.

Pra Nagib diria que os negócios estão indo bem, dentro do que é possível. Que ele está satisfeito. Diria para ele ter mais calma, mais paciência, que no final tudo se resolve.

Pra mim!… Caramba!… Iria brigar muito comigo!… Sobre política, sobre os negócios, sobre minha vida!… Mas depois de tudo, diria: “É pai, Acho que não tinha outro jeito, talvez tu tenhas razão…” E antes de desligar, deixaria transparecer em sua voz, que estava orgulhoso de mim, por pelo menos eu ter tentado acertar.

  Imagino que ele então ligaria pra mamãe e diria: “Mãe! Muito obrigado por tudo. Por tua compreensão, por tua dedicação, por teu carinho e por teu amor”.

Meu pai não era nenhum santo, não senhor, mas era reconhecidamente um sujeito obstinado, trabalhador, generoso, de muita sorte e dono de uma inteligência singular. Essas qualidades lhe serviram muito na vida, principalmente na hora de escolher para si a melhor mulher que poderia.

Desde que meu pai morreu, o maior político de nossa família é minha mãe, não eu. O maior empresário é ela, não meu irmão.

Hoje, quinze anos depois da morte de meu pai, quero agradecer a minha mãe por ter nos guiado desde sempre e por ter nos ensinado uma maravilhosa forma de viver que se sintetiza em uma frase que ela colocou na porta de seu quarto, muitos anos atrás. “Que Deus me dê coragem para aceitar as coisas que não posso mudar, perseverança para mudar o que puder mudar e sabedoria para distinguir a diferença”.

Mamãe é a maior e melhor herança que papai poderia nos ter legado.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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