A História de um Cochilo ou Minha Viagem a Cartagena

Estou na cidade de Cartagena das Índias, na Colômbia, pátria do grande escritor Gabriel Garcia Marques. Vim participar da 49ª edição do Festival Internacional de Cinema com o meu filme, “Pelo Ouvido”, único curta-metragem de ficção brasileiro escolhido para sessão competitiva do certame. Estou muito honrado e envaidecido, porque esse fato tem se repetido com freqüência, como foi o caso das seleções oficiais de importantes festivais como os de Boston, da Filadélfia, de Huelva, da Catalunha, de Hamburgo. O mesmo aconteceu no Festival Internacional de Filmes de Amor realizado na Bélgica, no Festival Internacional de Cinema de Syracuse, que se realizará em Nova York, nos Estados Unidos e no Festival Europeu de Filmes Independentes, que se realizará em Paris.

Quando minha mãe soube que eu viajaria para a Colômbia, imediatamente me disse que eu tomasse muito cuidado com “essa tal de FARC”, assim mesmo, desse jeito. Essa minha mãe tá me saindo bem melhor que a encomenda. Nunca imaginei que ela estivesse assim tão “antenada”. Mas eu a tranqüilizei, as FARCs não operam nessa região, agem na selva ou em regiões bem menos habitadas e Cartagena é uma das maiores cidades da Colômbia.

Quanto às FARCs, não escapei também das recomendações de Ivana, mas recomendação maior eu recebi foi do professor Sebastião Moreira Duarte. Pediu-me que não voltasse sem um exemplar de García Márquez: historia de um deicidio. Se não encontrasse nas livrarias, procurasse nos sebos, se por lá não achasse, buscasse colecionadores e se ainda assim não desse conta, que recorresse ao novo comandante das tal FARCs, que ele com certeza teria um exemplar. Não achei em lugar algum e como era de se esperar, não pedi ajuda ao novo comandante das FARCs. A única coisa que eu consegui foi a foto da capa da única edição desse livro tão polêmico. Vou mandar fazer um pôster e presentear o professor.

No entanto, em Cartagena, eu não tive um único dia suicidado, todos os dias foram muito fecundos e profícuos. Eta palavrinhas bonitas, heim! Dignas de um imortal.

Na verdade meus dias aqui têm sido muito ricos. Escrevi uma correspondência, algo denso, profundo, verdadeiro, importante de cunho pessoal. No mais, tenho tentado produzir alguma coisa sobre esse lugar surpreendente e lindo. Entre a Cidade do Panamá e Cartagena, num vôo de pouco menos de uma hora, entre uma coca… cola seus maldosos. Entre uma cola-cola com biscoitos e um cochilo, acabei iniciando um conto que acredito nunca terminarei. Ele me veio em sonho desde o título, e exatamente o título seria a primeira coisa que teria que descartar: “Meu avião caiu na selva colombiana”.

Seria o relato da queda de uma aeronave comercial na floresta amazônica. Uma história repleta de clichês e ganchos que propiciassem que no futuro, seus direitos de filmagem fossem comprados por um importante produtor, que por sua vez contrataria para roteirista e diretor, o desconhecido autor, um cinéfilo inveterado que estava naquele vôo porque iria participar de uma conferência sobre a importância do cinema na formação do caráter das crianças.

Num cochilo de três minutos, escrevi a história toda. Uma coisa “increíbile”. Fiz o delineamento dos personagens, seus dramas pessoais, o microcosmo em que se transforma uma cabine de avião, as diversas etnias envolvidas. O gordo que entala da poltrona do avião, a loira gostosa casada com um coroa com cara de bobo, as duas velhinhas falantes, o casal de japoneses idosos em sua terceira viagem de volta ao mundo, o cara com cara de agente da CIA, o executivo americano que não saia do notebook.

Tudo se passou pela minha tela como um raio. A queda do avião, o pânico, a angústia, o heroísmo do piloto, os mortos. Em outros tempos, se meu coração estivesse vazio, o primeiro que iria morrer era o coroa com cara de bobo, interpretado pelo chato do Bill Murray. A linda loira, interpretada por ninguém menos que Charlize Theron, acabaria a história com outro coroa, esse personagem seria interpretado por Sean Connery, pra ser o mais fiel possível aos fatos reais. Ele seria um escritor em declínio que iria para Cartagena em busca de manuscritos que davam conta de um galeão espanhol afundado no mar do Caribe, onde estava um baú que continha a adaga de prata de Don Rodrigo de Bivar, o El Cid, que apareceria em flash backs, personificado pelo próprio Chalston Heston.

Foram apenas três minutos. O certo é que a história não poderá ser terminada jamais. Quando despertei, ao abrir os olhos, dei de cara com o cartão de instruções de segurança da aeronave. Tratava-se de um Emb 190, um avião fantástico, feito pela grande empresa brasileira, Embraer. Como é que eu iria derrubar um produto nacional, um dos nossos maiores orgulhos tecnológicos e industriais? Bem, só se eu mudasse a aeronave, colocasse um boinguisinho desses. Arrumasse um atentado terrorista, inventasse uma conspiração qualquer, algo envolvendo a Venezuela, Hugo Chávez… Bem, mais aí já não seria uma história escrita por mim, mas sim por Michel Ciathron… E pensando bem, sem o merchandising da Embraer, quem vai financiar esse filme!?

Mas voltando à realidade… Cartagena é linda. É como uma jovem mulher de quase 500 anos, sabe de tudo, mas tem sabedoria suficiente para nos deixar achar sozinho o que realmente procuramos.

Hoje à noite(sábado, 07/03/09) sairá o resultado do festival, mas eu já me sinto vitorioso, meu filme foi visto, foi aplaudido e elogiado, e isso para mim já é o suficiente.

PS: Tive a sorte de encontrar aqui duas maravilhosas atrizes brasileiras, Denise Dumont e Clarisse Abujamra, o diretor de Baile Perfumado, Lírio Ferreira, e o escritor e produtor Matheus Darwin, tetraneto de Charles Darwin e marido de Denise.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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