“… Todos por um!”

Faz algum tempo, cheguei à conclusão de que foi Alexandre Dumas, com seus personagens inesquecíveis, quem mais marcou a história da minha infância, a juventude de meu pai, e a nossa convivência em família. Imagino que assim como a nossa, ele povoou e preencheu a vida de muitas outras, por essa razão, vinha pensando em prestar este merecido tributo ao escritor francês, criador daquela velha história que mistura injustiça, cobiça, e usurpação e que leva da alegria do amor à tristeza da prisão, um certo “Conde de Monte Cristo”, ou aquela outra história, que baseada em fatos verídicos, traz até os nossos dias, os amores e desventuras de uma certa “Rainha Margot” ou ainda aquela outra história, protagonizada por “Três Mosqueteiros”, que na verdade eram quatro.

Vou me fixar naqueles quatro destemidos espadachins que sempre me vêm à memória, restituindo a mim mesmo, o garoto que fui. Por vezes, me pego pensando que sou um dos mosqueteiros do rei, ou todos eles, de maneira conjunta, esparsa ou simultaneamente.

Com a releitura de “Os Três Mosqueteiros” de Dumas, sinto a emoção das histórias de capa e espada com a descrição de vibrantes exibições de esgrima combinadas com romances de nobres apaixonados. Para mim, esse clássico da literatura mundial é muito mais do que a história em que é contada a trajetória venturosa do jovem D`Artagnan, que sai de sua terra, a Gasconha, rumo a Paris, para juntar-se aos mosqueteiros do rei Luís XIII.

Na trama, D`Artagnan torna-se amigo da trinca inseparável formada por Athos, Porthos e Aramis, exímios espadachins e grandes apreciadores dos prazeres da vida. Juntos, os quatro partem para uma difícil missão: tentar reaver o colar e os brincos de brilhantes que o rei deu à rainha, Ana da Áustria, e que esta, deu de presente a seu amante, o duque de Buckingham. Por sugestão do cardeal de Richelieu, que trama desmascarar a infidelidade da rainha, e com isso enfraquecer o rei e conseqüentemente consolidar a sua influência na corte, Luís XIII é levado a organizar um grande baile onde as jóias devem ser exibidas. Numa corrida contra o tempo e lutando contra a espiã do cardeal, Milady (que no cinema, certa vez, foi interpretada pela maravilhosa Lana Turner), os mosqueteiros partem para tentar recuperar as jóias antes que ocorra uma tragédia.

Nessa história, cada um revela suas idiossincrasias. Athos é arrogante, autoritário, passional e questionador; Porthos é truculento e grosseiro, mas valoroso e amigo; Aramis é suave, elegante e até bastante mulherengo, mas também é religioso e politizado; o último, D`Artagnan, é jovem e inexperiente, porém audacioso e destemido.

A grande maioria dos que me conhecem, conheceram também meu pai. Pois bem, meu pai, não era um sujeito muito dado à literatura. Em verdade vos digo, ele era muito pouco dado a qualquer forma de arte. Porém, ele adorava ouvir histórias e estórias, não se importando se ficção ou realidade, pois no seu modo todo especial de encarar a vida e suas conseqüências, ele sabia que havia muito pouca diferença entre realidade e ficção, ou melhor, há, no presente, por que meu pai pode ter morrido, mas as suas idéias assim como as de Dumas não irão morrer jamais, estão sempre no tempo presente.

Meu pai, e muitos de sua geração, de certa forma, são meio que filhos de Dumas e Verne. Alguns conseguiam ir um pouco mais adiante e se contaminarem por Hugo e Balzac, enquanto outros alcançaram Flaubert e Molière.

Talvez alguns daqueles que acham que conheciam meu pai, imaginem que ele fosse incapaz de ter atingido tal grau de cultura, e estão certos quanto a isso, porém, o que realmente pouca gente sabe é que, raros são os homens que, com tão pouca cultura formal e clássica, conseguem intuitivamente saber o significado de palavras como “Vestal”, “Messalina” ou mesmo de “Tartufo”, coisa que muito “Doutor”, por aí, não vai saber. Os humildes ou curiosos vão correr ao dicionário e os hipócritas e presunçosos vão dizer que sabem. Mas meu pai sabia realmente, e só ele sabia como aprendera.

Meu velho pai não era um sujeito de cultura refinada, mas era inteligente o suficiente para, sabendo disso, suprir essa falta de alguma forma, e a melhor forma que ele encontrou foi fazendo amigos, reais e leais, dando tudo de si por seus ideais, buscando sempre a felicidade, mas sempre a um preço possível de se pagar com um só tipo de moeda: dedicação, empenho, trabalho.

Foi meu pai, que sem querer, incutiu em mim essa personalidade, essa forma de encarar a vida, como se na verdade fosse um personagem de Dumas, um misto de Athos, Porthos, Aramis e D`Artagnan. Os quatro, em um: questionador, amigo, politizado e audacioso.

Relendo Dumas, lembro daquele poeta que dizia que ler é como respirar, e que é a percepção do leitor que faz o livro. Sempre busquei a intimidade com os livros, portanto, reconheço nesses (e nos filmes), os melhores guias para a extraordinária aventura do pensamento.

Repensando Dumas, lembro de meu pai, aquele homem grande, forte, pouco culto, mas consciente e esperto o suficiente para ensinar ao seu filho, o significado verdadeiro daquela frase: “um por todos…”.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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