Um Pedaço da Ponte – Parte II
Dando continuidade ao texto “Um Pedaço da Ponte” leia a seguir:
Centésima oitava estória do delegado Furrilha, do quitandeiro Nonato e do Ribinha afilhado
– O sinhô já sôbe, meu padrim!?
– Se você me contar!…
– O delegado Furrilha cabou de matar um sujeito na Trizidela.
– Quem foi o infeliz?
– Um tal de Binidito. Acho que é o Biné Caruaru, aquele que Florentino falou que foi um dos cabra que matou o Justino, em Imperatriz, há uns dois ano.
– Foi caso de policia?l Ordem de prisão?! Briga de boteco?! Bebedeira!?…
– Num sei não, sinhô, Antuninho tava dizendo que foi pro mode que o tal de Biné Caruaru andou batendo na mulher e a viatura da delegacia ia passando, e aí foi os diabo.
-Apanhe o burro do Ovídio, lá no quintal, e vá se informar de tudo. Não demora a vir me contar tíntim por tintím.
Ribinha nem suspirou; pulou a cerca e foi pegando o burro do tal Ovídío e seguindo pros lados da Trizidela.
Uma hora depois, espumavam ele e o burro na estrada, já de volta para contar a “seu” Nonato o que ocorrera.
– Meu padrim, nem queira o sinhô saber…
– Fala, homem de Deus, o que houve?
– O tal de Biné levou dois tiro; um pegou nos peito, bem aqui no lado esquerdo e outro foi na coxa…
– Mas por quê? Foi mesmo por que ele estava batendo na mulher?
– Foi pió. O dito Binidito matou a esposa. Dizendo o Quinca Montero, ele tinha bebido muito, “como sempre”, e chegou em casa e a mulé não tava, tava na casa da vizinha, nisso ele foi buscar ela lá, de baixo de bolacha. E a finada, coitada, foi chorando e correndo, chorando e correndo. Chegando em casa, ele queria comer, e gritava com ela e batia nela, os fio tentaram se meter, também levaram o que lhes era de direito. Até que uma hora ela pegou uma pexera e rumou pru Biná, e ele não se intimidou e rumou pra ela.
– E aí? Conta, conta…
– Ela deu uma pexerada nele na altura do braço, mas quando ela viu o mel escorrendo, largou a faca pexera e deu nos pé. E ele se botou atrás, mas ao passar pelo terreiro, passou a mão no machado de cortar lenha pro fomo de farinha e foi atrás da coitada. Dizendo a Mariquinha Beata, eles levaram uma vida num corre pra lá e pra cá, até que numa determinada hora, aí, então…
– Fala, homem. Quer me matar? Vamos, conta o que houve.
– Ele aprumou o machado numa tacada segura e firme no meio das costas da disinfeliz, mas mesmo assim ela ainda deu dois passos, e ele deu outra machadada, pegando agora no pescoço da mulé, e o bicho rolou a ladeira da Consumação. Nessa hora o delegado ia passando e ainda viu o Biné dá mais três machadadas no corpo caído no chão.
– O Furrilha prendeu o bandido?
– Nem tentou, quase. Mandou ele levantar as mão, mas ele não ia fazer isso nunca, foi aí que o Bíné rumou pra cima do delegado armado de machado. O delegado mandou dois balaço no desgraçado do assassino.
-É!… Uma hora dessas devem os dois, tanto o defunto quanto a defunta, estar na porta do inferno, esperando o delegado, eu e você chegarmos lá, para que possam ter vistas com o Demônio chefe. Já chega de conversa, vai pegar no batente que…
…Que a vida ia continuar, fosse na Trizidela ou na sede. Fosse para o delegado, para ou “seu” Nonato ou para o Ribinha.
Mas o Biné Caruaru e sua mulher saíam da vida para entrar nessa estória que é tão importante quanto a história dos Binés e das esposas apanhadas e mortas dos meus interiores. Dos nossos interiores.
O delegado voltou para a sua ronda.
Ribínha levou o burro do Ovídio para o cerrado.
“Seu” Nonato continuou a filosofar atrás do balcão de sua venda, vendendo e olhando a vida passar.
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