Aparas do tempo

Meu método de criação literária é um tanto exaustivo. Quando tenho vontade de abordar um assunto, o coloco no papel e volto a ele quantas vezes forem necessárias para que as ideias utilizadas nele quase se transformem em granito, onde eu possa exercitar uma técnica literária bem parecida com a da escultura. É como se ao invés de escritor, me transformasse em um escultor de ideias, usando palavra, frase e sentença como fossem martelo, cinzel e lixa, com as quais construísse minha obra.

Recentemente notei que, ao contrário de antes, meus textos tem ficado maior que o normal e descobri que deve ser efeito colateral de minha abstinência de tribuna. Meno male! Que me faltem tribunas formais e que as informais se proliferem.

A seguir vou relacionar três trechos que fui obrigado a retirar de crônicas recentes, ou por falta de espaço ou por opção de abordagem, mas que acredito que devam ser publicadas aqui até como sugestão de pautas, para mim e para você.

1 – Do texto sobre Haroldo Tavares:

Acho que estou perdendo a mão!

Antes, meus textos fervilhavam dentro de mim e pulavam pra fora com arroubo e volúpia tão fortes, que com seu calor, faziam a tinta das canetas se fixarem no papel.

Agora, eu claudico “catando milho” em um notebook que teima em não aceitar alguns pensamentos e sentimentos meus. Teima ainda mais em não aceitar algumas das formas com as quais tento exprimi-los.

Nesses anos todos tenho falado de muita coisa. Já até tentei escrever menos, mas alguns assuntos se impõem contra minha vontade e minha necessidade de resguardo.

Vinte anos atrás falei da morte de meu pai, no calor da hora. Depois, comentei sobre política, cinema, sobre as relações das pessoas, sobre filosofia, sobre o dia a dia, e até sobre a lembrança do cheiro do pão de minha infância. Hoje vejo que tudo isso, que escrever, para mim, nada mais é do que a feitura do diário de minha humilde existência. Falando dessas coisas, falo essencialmente de mim de minhas circunstancias e de suas consequências.

O artista é um egoísta. O pintor se pinta, o cineasta se filma e o escritor se escreve. Ou pelo menos eles tentam.

Hoje vou tentar ser menos egoísta e vou falar de…

2 – Do texto sobre a reforma política:

A função de gestor público é bem parecida com a de pai e mãe. Não que eles devam ser paternalistas, isso não. Refiro-me ao fato de que aqueles que dependem dos pais, ou seja, os filhos, em primeiro lugar, antes de amá-los, devem respeitá-los. Esse respeito gera a confiança que os filhos precisam para seguir os pais, criando assim uma forte relação onde um e outro se sentem parte de um mesmo grupo, sentem uma interdependência que se transforma em uma força quase insuperável, capaz de suplantar muitas dificuldades. Assim deveria ser a relação entre o povo e seu mandatário.

Quando isso acontecer, e não vou dizer que isso é fácil, mas não é impossível, teremos um sistema político menos imperfeito.

Quando um pai perde o respeito do filho a família está condenada à ruptura.

Quando o mandatário perde o respeito de seu mandante, ele tem que ser substituído. Isso, numa democracia, se faz é na eleição subsequente. Qualquer outra forma de agir estará indo de encontro com a nossa carta constitucional que…

3 – Do texto sobre as manifestações que ocorrem pelo Brasil afora:

Um provérbio antigo originário de diversas culturas diz que só se costuma fechar a porta depois que a casa é assaltada.

É isso que está acontecendo em nosso país. Todos sabiam que era preciso tomar providências efetivas, eficientes e eficazes em vários setores, mas precisou que o povo se revoltasse e fosse para as ruas para que os governantes tentassem fazer alguma coisa.

Quem não sabe que as ações de saúde executadas pelos governos, nos três níveis da administração pública, não se efetivam, são ineficientes e ineficazes? Quem não sabe que o mesmo ocorre na educação, na segurança, no saneamento básico, no transporte…

Essa realidade é amplamente conhecida e o que se tem feito para resolver tudo isso? Temos tomado algumas medidas paliativas e localizadas, inventamos ações com nomes bonitos e atalhamos na tentativa de conter a maior parcela da população instituindo “Bolsas”.

Depois da redemocratização do país, a grande mídia elegeu um presidente da República e em seguida tratou de derrubá-lo. A Globo e as outras redes de televisão, na ida e na volta, manipularam a população.

Primeiro, deram ressonância ao discurso do candidato das Alagoas fazendo guerra contra os marajás e direcionaram os anseios por tempos melhores dando-lhe a cara de um político jovem, bem apessoado, escondendo o que sabiam há tempos que se tratava de um homem descontrolado.

Depois, na hora de destituí-lo, usaram sem cerimônia a mesma técnica utilizada para elevá-lo, sempre respaldados na massa, sempre facilmente manipulável.

Ora, se a massa é facilmente manipulável quando a mídia quer, imagine o quanto essa mesma massa terá de poder quando der a essa mídia motivos para repercutir uma verdadeira e genuína revolta. Não sei se podemos chamar de círculo vicioso ou virtuoso, onde quem protesta usa quem comunica e quem comunica o protesto usa os protestantes.

Mas essa é apenas uma ínfima parte do problema. Do problemão que hoje…

 

PS: Tempos atrás já havia observado esse fenômeno “esculturista” acontecer comigo e naquela época cometi um pensamento em forma de poesia que bem exemplifica esse fato: Quando se tira mais do que se põe, o poema vira escultura.

 

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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