Empatia para com os mais fracos e desprezo pelos mais fortes

A tendência humana de se identificar com os mais fracos e de se opor aos mais fortes é um traço profundamente enraizado na psicologia e na história da humanidade. Essa inclinação pode ser analisada sob diferentes perspectivas: antropológica, filosófica, política e moral.

A empatia é o primeiro fator a ser considerado. Os seres humanos possuem uma forte capacidade de se colocar no lugar do outro. Somos biologicamente programados para sentir a dor alheia: ao ver alguém em situação de fragilidade ou sofrimento, tendemos a nos identificar, pois já estivemos — ou tememos estar — em posição semelhante.

Há também uma espécie de justiça moral instintiva. Desde a infância, as pessoas demonstram senso de equidade. Crianças, por exemplo, costumam defender colegas injustiçados ou se revoltar contra abusos de autoridade.

As tradições religiosas e culturais reforçam esse padrão. O cristianismo, entre outros credos, exalta a defesa dos pobres e marginalizados: “os últimos serão os primeiros”. Condena-se a arrogância dos poderosos e valoriza-se a humildade.

Na filosofia, pensadores como Rousseau apontavam a desigualdade como raiz da corrupção moral. A desconfiança contra os que concentram privilégios é quase natural: detendo poder, tendem a agir para preservá-lo, mesmo em detrimento da coletividade.

No campo político, a própria luta de classes — sobretudo após o advento do marxismo e das correntes críticas modernas — evidencia essa tensão permanente entre dominantes e dominados. A simpatia pelos oprimidos surge como expressão de resistência coletiva.

A cultura popular e a narrativa heroica também alimentam essa percepção. Os heróis mais celebrados — de Robin Hood a Frodo, de Zumbi a Gandhi — são quase sempre aqueles que enfrentam sistemas opressores. A estética do “fraco contra o forte” estrutura muitas histórias porque ressoa com nossa vivência e com nosso desejo de justiça.

Entretanto, essa característica, que em muitos casos é nobre, pode ser manipulada. Políticos poderosos, por exemplo, frequentemente se apresentam como vítimas ou “perseguidos” para mobilizar simpatia. É nesse ponto que a empatia se torna vulnerável à demagogia.

A identificação com os mais fracos e a resistência aos mais fortes são, portanto, expressões naturais do desejo humano por justiça, equilíbrio e proteção dos vulneráveis. Quando genuína, essa atitude é elevada e digna. Quando instrumentalizada, pode se tornar perigosa. O grande desafio é discernir entre o real oprimido e o oportunista que se disfarça de vítima.

Sobre Julgamentos ilegais e injustos

Penso que, assim como eu, a maioria das pessoas se revolta contra o despotismo, o autoritarismo e as injustiças que deles decorrem.

Um dos maiores crimes que podem ser cometidos contra alguém é quando falta a essa pessoa o direito a justiça. Isso normalmente ocorre justamente quando aqueles que deveriam zelar por ela e aplicá-la corretamente, a corrompem e a desfiguram, deixando de respeitar a legalidade e de buscar a verdade dos fatos, apenas para atender à vontade pessoal do julgador ou da massa insana.

Forçando um pouco a memória já um tanto gasta, tentei lembrar alguns dos processos e julgamentos em que mais se verificaram ilegalidades e injustiças, e resolvi relacioná-los neste texto, mas ressalto que muitos outros casos similares poderiam ser incluídos nesse rol. Esta é apenas uma seleção, feita por mim.

Recordo-me que, ao tomar conhecimento de como morreu um dos maiores pensadores de todos os tempos, o filósofo grego Sócrates, senti imensa revolta.  

A acusação contra ele era de impiedade e corrupção da juventude. O problema é que, na Grécia, os julgamentos se davam por maioria simples em assembleias populares, sem garantias processuais mínimas. Era uma mera questão de opinião ou de popularidade, mais do réu ou do acusador do que a apuração da verdade. Na prática, Sócrates foi condenado à morte por ter ideias filosóficas e um comportamento social que incomodavam seus contemporâneos.

Outro caso marcante é o de Jesus de Nazaré. Acusado de blasfêmia contra o Deus dos judeus e de sedição contra Roma, foi julgado em um feriado religioso, fato que era proibido tanto pelas leis judaicas quanto pelas romanas. Não lhe foi garantido o direito a uma defesa proporcional e adequada, como a lei exigia. Foi violentamente espancado e torturado. Seu julgamento foi político-religioso, sem imparcialidade, e sua execução serviu apenas para eliminar uma liderança incômoda a Caifás e a Pilatos e em consequência disso criaram uma das maiores religiões da humanidade.

Entre todas as barbaridades judiciais, os Julgamentos do Santo Ofício, ou Santa Inquisição, que perduraram por quase 700 anos, de 1231 até 1908, figuram entre os mais ilegais, injustos e bárbaros, sendo completamente imperdoáveis.

As acusações eram de heresia, bruxaria e blasfêmia, e seus alvos eram sempre bem definidos: mulheres, estudiosos e minorias religiosas. Os tribunais eclesiásticos atuavam sem garantias de defesa, utilizavam sistematicamente a tortura e prolatavam condenações arbitrárias.                  

Entre centenas de milhares de vítimas, destacam-se o caso de Giordano Bruno, queimado em 1600 por defender ideias cosmológicas, e o destino de milhares de supostas “bruxas”, além das perseguições a judeus e muçulmanos convertidos.

Em 1431, Joana d’Arc foi condenada à fogueira acusada de heresia e bruxaria. A primeira é apenas uma divergência de opinião religiosa; a segunda, um “crime impossível de ser provado”, pois sequer se pode demonstrar que bruxaria exista. Como de praxe, o tribunal foi manipulado por inimigos políticos, que não lhe garantiram uma defesa real.

Outro caso simbólico é o do cientista Galileu Galilei (1633), acusado de heresia por defender o heliocentrismo, teoria que coloca o Sol no centro do universo, em oposição ao dogma religioso da época, que atribuía essa posição à Terra. Condenado, só escapou da morte ao abjurar suas convicções científicas.

Séculos depois, entre 1936 e 1938, ocorreram os chamados Julgamentos de Moscou. O Partido Comunista, sob o comando de Stalin, acusou centenas de milhares de pessoas de conspiração contra o regime. As confissões eram obtidas sob tortura, os juízes eram manipulados e as sentenças capitais eram proferidas em total desrespeito às leis.

Nos Estados Unidos, a mais antiga e maior democracia do mundo, houve entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final dos anos 1950 o movimento que ficou conhecido como Macartismo. Seu princípio era identificar, expor, discriminar e condenar pessoas com base em sua ideologia. Os principais alvos eram socialistas e comunistas.

Muitos filósofos, escritores e artistas foram perseguidos injustamente, sendo o caso mais famoso o do ator Charles Chaplin, obrigado a deixar o país.

Mais recentemente, os Julgamentos de Guantánamo, após os ataques terroristas da Al Qaeda em 2001, são outro exemplo de ilegalidade e injustiça. O problema ali é a detenção de pessoas sem processo regular, a prática de torturas e a utilização de tribunais militares de exceção. Nesses casos, a injustiça está na violação do devido processo legal e dos direitos humanos mais fundamentais.

Se há algo que não pode ser aceito, de forma alguma, é a ilegalidade e a injustiça judicial, pois o sistema de justiça deve funcionar com base na lei, respeitando o devido processo legal, o estado de direito, a correção dos atos judiciais a e imparcialidade do juiz natural, tudo isso para que o resultado dos julgamentos seja justo, respeitado e aceito por todos.                                                                     

Qualquer coisa diferente disso é inaceitável.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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