A corrupção usada como golpe contra a democracia

Quando um grupo político comanda o país por muitos anos, e passa a realizar operações criminosa, cooptando parlamentares através de pagamento de propinas (mensalão), desviando bilhões de obras públicas, aparelhando a maior empresa estatal para drenar recursos dela e fazer caixa eleitoral (petrolão), utilizando o banco de desenvolvimento para financiar obras em países estrangeiros sob o pretexto de parcerias desenvolvimentistas, mas com o objetivo real de captar propinas (bndesão), não se pode desconhecer que esse grupo, por vias transversas, está subvertendo a democracia. Em outras palavras, está promovendo, de forma indireta, um golpe de Estado.
A imagem tradicional que se tem de um golpe de Estado é aquela dos tanques nas ruas, da ruptura súbita da legalidade, do fechamento do Congresso e da supressão imediata de liberdades. Esse é o golpe clássico, como os que ocorreram em diversas partes do mundo ao longo do século XX.
Mas existe também outra forma de golpe, mais sutil e corrosiva, quase que imperceptível, que se manifesta quando a legalidade é mantida apenas como fachada, enquanto a essência da democracia é destruída lentamente. Trata-se do que muitos chamam de golpe branco, golpe institucional ou golpe por corrupção sistêmica.
Nesse modelo, não há soldados marchando, mas parlamentares comprados; não há fechamento de tribunais, mas juízes e instituições cooptados e aparelhadas; não há tiros nem quarteladas, mas verbas desviadas e eleições viciadas pelo uso de dinheiro ilícito. O resultado não é menos grave: o voto do cidadão perde valor, a soberania popular é manipulada, e a democracia se transforma em um simulacro, em que a vontade do povo é substituída pelo poder da corrupção, do conchavo e do dinheiro.
Enquanto o golpe clássico destrói a democracia pela força aberta e visível, o golpe por corrupção sistêmica a corrói por dentro, silenciosamente, até esvaziá-la por completo. Ambos têm a mesma consequência, a usurpação do poder do povo por um grupo que se coloca acima da lei para se perpetuar no comando do Estado.
Essa degradação se torna ainda mais profunda quando há conluio entre um grupo político e o poder judiciário, que atua simultaneamente como garantidor de seus atos ilegais e como perseguidor de qualquer oposição que possa ameaçá-lo.
É preciso reconhecer, que a corrupção em larga escala, quando transformada em método de governo, não é apenas um crime contra o patrimônio público. É, acima de tudo, um crime contra a democracia. Uma forma indireta de golpe de Estado tão ou mais perigosa que a quebra ordem meramente política, porque não se anuncia com baionetas, mas se infiltra nas instituições, travestida de normalidade.
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