Assembleia Constituinte Exclusiva: solução ou outro problema?

Em teoria, diante da crise política e institucional que corrói nosso país, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva poderia ser o caminho correto para refundar o pacto político nacional, restabelecer a harmonia entre os Poderes e criar bases mais sólidas para o desenvolvimento do país, mas sou obrigado a concordar com quem acredita que a realidade, infelizmente, aponta em outra direção.

Se olharmos friamente para o cenário atual, veremos que uma Constituinte, em vez de solução, pode se transformar em um problema ainda mais grave.

Para a escolha de seus representantes pressupõe-se que as pessoas deveriam agir com bons critérios, serem bem informados e educados para o exercício pleno da cidadania. Ocorre que o Brasil amarga décadas de negligência educacional e tem um sistema político que nunca estimulou a realmente uma participação cívica real por parte da população.

Grande parte do eleitorado continua votando movido por paixões momentâneas, por assistencialismos ou por promessas vãs e narrativas mentirosas. Nessa realidade, esperar que o povo escolha representantes verdadeiramente comprometidos com a construção de um novo pacto social é um ato de fé, não de razão.

Mesmo que o eleitor fosse mais consciente, ainda enfrentaria um sistema eleitoral viciado e desigual. O modelo atual é caro, clientelista e altamente dependente de recursos públicos e privados. A falta de transparência nos mecanismos de financiamento de campanhas e a manutenção de regras que favorecem partidos já estabelecidos reforçam o ciclo de poder. O sistema proporcional de votação é uma aberração logica. O eleitor vota em um candidato e acaba elegendo outros.

Em outras palavras: não basta convocar uma Constituinte. Seria preciso antes reformar as regras eleitorais, as regras do jogo, algo que os próprios jogadores, paradoxalmente, se recusam a fazer.

O Brasil, assim como de resto, o mundo, vive hoje uma das fases mais polarizadas de sua história da humanidade. A sociedade encontra-se rachada em dois blocos, duas facções ideológicos irreconciliáveis, e cada ato político é imediatamente interpretado como vitória de uma ou derrota da outra.

Nesse contexto, uma Constituinte corre o risco de ser um campo de batalha ainda mais caótico, incapaz de produzir consensos. A Constituição de 1988 nasceu de um espírito de reconciliação pós-ditadura. Já hoje, o cenário é o oposto: de confronto aberto, desconfiança mútua e instituições em constante e acelerado desgaste.

A Constituinte de 88 contou com figuras de peso histórico como Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Jarbas Passarinho, Sandra Cavalcanti, Michel Temer, Irma Passoni, Afonso Arinos, Roberto Campos, Nelson Jobim, Bernardo Cabral, José Serra, Edison Lobão, Eduardo Suplicy, Artur da Távola, Roberto Freire, entre outros. Hoje, não temos mais personalidades com a mesma estatura moral, intelectual e política capazes de guiar trabalho tão importante. O vácuo de lideranças é ocupado por populistas de ocasião, carreiristas profissionais e lobistas travestidos de parlamentares. Uma Constituinte sem líderes à altura seria como um barco sem leme e sem capitão em um mar revolto.

Por fim, há um perigo ainda mais concreto: o de que uma Constituinte Exclusiva seja capturada por interesses corporativos e setoriais. Grupos econômicos, corporações públicas e privadas, centrais sindicais, organizações internacionais e até o crime organizado, poderiam exercer forte pressão sobre os constituintes.

Em vez contribuir para refundar o país, o texto resultante poderia cristalizar privilégios, ampliar distorções e tornar ainda mais difícil qualquer reforma futura.
A história recente do próprio Congresso mostra isso: basta lembrar das emendas parlamentares, que começaram como instrumento de equilíbrio e se transformaram em um sistema de corrupção institucionalizada.

A ideia de uma nova Constituinte soa tentadora para idealistas que sonham com uma ruptura regeneradora. Mas, diante de nosso déficit educacional, da falência do atual sistema eleitoral, da exacerbada polarização, da ausência de grandes lideranças e do risco de captura corporativa, a proposta se mostra perigosa.

O desafio maior talvez não seja escrever uma nova Constituição, mas fazer com que a atual seja respeitada e cumprida. Nossa Constituição, com todos os seus defeitos e contradições, apesar de todas as mudanças e agressões sofridas nesses 37 anos, principalmente pelo STF, ainda oferece instrumentos poderosos para defender a democracia, ampliar direitos e corrigir desigualdades.

Convocar uma Constituinte sem antes resolver minimamente, pelo menos alguns problemas estruturais da sociedade brasileira, seria o mesmo que entregar fósforos e gasolina a um incendiário.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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