PEC da Blindagem e ADPF 1.260: duas faces da mesma bandidagem

O Brasil atravessa um momento em que parte expressiva de sua elite política e institucional parece empenhada não em fortalecer a democracia, mas em construir mecanismos de autoproteção contra a responsabilização de seus atos. Dois exemplos recentes saltam aos olhos: a famigerada PEC da Blindagem, torpedeada em muito boa hora pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, e a ADPF 1.260, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros em conjunto com o partido Solidariedade.
A PEC da Blindagem buscava ressuscitar e ampliar prerrogativas parlamentares que haviam sido restringidas no início dos anos 2000, após sucessivos escândalos de corrupção. A intenção era clara: devolver aos congressistas imunidades quase absolutas, blindando-os de investigações, prisões e até de responsabilização política. Tratava-se de uma tentativa de restaurar um “foro privilegiado” turbinado, transformando parlamentares em figuras praticamente inatingíveis, algo que rompe com a lógica republicana de que todos devem responder por seus atos.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, de modo sorrateiro e quase que de forma imperceptível, pois ninguém chamou atenção para esse fato, a ADPF 1.260 pretende alterar o rito de pedidos de afastamento de ministros do STF. A ação questiona dispositivos da Lei 1.079/1950 e defende que somente a Procuradoria-Geral da República poderia apresentar denúncia contra ministros da Suprema Corte, além de exigir quórum qualificado para qualquer deliberação pelo Senado. Se acolhida, a tese retiraria do Parlamento e da sociedade civil a prerrogativa de provocar a responsabilização de ministros, concentrando o poder nas mãos da PGR. Na prática, criaria uma blindagem adicional para os integrantes da mais alta Corte, tornando praticamente impossível qualquer processo de impeachment.
Ainda que diferentes em forma e origem, tanto a PEC da Blindagem quanto a ADPF 1.260 revelam um mesmo espírito corporativo: o de preservar autoridades contra mecanismos de controle e fiscalização. Ambas erguem barreiras à democracia, afastam o povo do exercício de sua soberania e fortalecem castas institucionais que passam a se considerar acima das regras comuns.
Num país marcado por sucessivos abusos de poder e pelo descrédito nas instituições, medidas como essas não soam como defesa da ordem constitucional, mas como atos de autopreservação disfarçados de garantias institucionais. Ao invés de proteger a democracia, tais iniciativas a enfraquecem, alimentam a impunidade e ampliam a distância entre governantes e governados, entre os detentores do poder e a sociedade que deveria controlá-los.
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