Joaquim Haickel
11 de setembro de 2025
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É certo que haverá quem louve o ministro Luiz Fux e haverá quem o insulte, mas depois de seu voto na Ação Penal 2668, mesmo que continue existindo no Brasil o que muitos chamam de “ditadura da toga”, se ela de fato existir, estará completamente desmoralizada, pois o voto de Fux demonstrou, sem sombra de dúvida, que o STF vem cometendo graves irregularidades processuais e violações constitucionais, e que faz isso sem qualquer pudor.
Discordar do mérito do voto de Fux é legítimo, mas negar a clareza, a contundência e a coerência de seus argumentos processuais é tarefa praticamente impossível sem que se incorra em uma inadmissível politização. Seu posicionamento foi direto e demolidor ao apontar: a incompetência absoluta do STF para julgar esses casos; o uso abusivo de Document Dump, que configura cerceamento de defesa; a fragilidade lógica e jurídica da imensa maioria das provas apresentadas; a criminalização do pensamento, da opinião e até da cogitação; a ausência de armas de fogo ou brancas nos atos acusatórios; e, sobretudo, o comportamento inquisitorial do relator e de alguns julgadores.
Esses pontos, em essência, são inquestionáveis sob a ótica do devido processo legal.
Pode-se discutir, sim, a posição de Fux quanto ao afastamento do crime de organização criminosa, pois este depende da interpretação das intenções dos acusados e sempre envolverá certa subjetividade. Ainda assim, bom senso e coerência devem nortear essa análise, sob pena de se deformar o conceito jurídico, lembrando que a presença de dúvida e a consequente inexistência de certeza enfraquece mortalmente a caracterização formal e material desse crime .
Para mim, esse caso sempre teve muito mais natureza política do que jurídica, ao contrário da Lava Jato, em que havia crimes materiais de corrupção e desvio de bilhões de reais dos cofres públicos. Aqui, a questão central é outra: a legalidade e a justiça do processo.
Se o STF é absolutamente incompetente para julgar esses casos, como sustentou Fux, qualquer análise de mérito quanto à culpabilidade dos réus fica automaticamente comprometida. Não se trata de defender inocência ou culpa. Trata-se, antes, de garantir que o julgamento ocorra no foro correto, com respeito às garantias constitucionais e processuais. Nesse ponto, concordo integralmente com o ministro Fux.
Joaquim Haickel
10 de setembro de 2025
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A verdadeira ruptura institucional e democrática ocorreu em março de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal impediu a presidente Dilma Rousseff de nomear Lula para a Casa Civil. Pela primeira vez na história, um ato privativo do Presidente da República, previsto no artigo 84 da Constituição como competência discricionária, foi invalidado preventivamente pelo Judiciário.
O fundamento alegado foi desvio de finalidade, apoiado em interceptações telefônicas da Operação Lava Jato que sugeriam intenção de assegurar foro privilegiado ao indicado.
Ainda que houvesse elementos para questionar a conduta de Dilma, inclusive sob a ótica de crime de responsabilidade, a suspensão imediata da posse não tinha amparo constitucional. O controle de legalidade poderia anular o ato a posteriori, mas não cabia ao STF antecipar conclusões sem a devida apuração.
Esse precedente inaugurou uma deformação na prática constitucional. Atos políticos do chefe do Executivo passaram a ser revisados e até bloqueados pelo Judiciário em caráter preventivo.
Quatro anos depois, em abril de 2020, o ministro Alexandre de Moraes aplicou o mesmo raciocínio ao suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, feita por Jair Bolsonaro. Diferentemente do caso de 2016, não havia provas concretas de desvio de finalidade, havia apenas declarações e suspeitas oriundas do embate político, mais uma vez envolvendo Sérgio Moro, agora em peleja com Bolsonaro.
Somados, esses episódios consolidaram um divisor de águas: o STF deixou de se limitar ao controle da legalidade e passou a intervir em decisões políticas do Executivo, não só expandindo o conceito de “desvio de finalidade” para abranger conjecturas. Assim, deslocou-se o equilíbrio entre os Poderes, fragilizando a autonomia do Executivo, fazendo com que o STF assumisse um protagonismo que a Constituição de 1988 não conferiu à Corte.
Esse novo paradigma gerou duas consequências graves. Primeiro, a percepção de que o Supremo pode se sobrepor à vontade do Presidente em matérias que sempre foram de sua competência exclusiva. Segundo, a normalização de decisões judiciais baseadas mais em narrativas do que em provas consubstanciais e robustas, abrindo espaço para arbitrariedades incompatíveis com o devido processo legal e o consequente estado democrático de direito.
A lógica se expandiu em 2019, quando o então presidente do STF, Dias Toffoli, instaurou de ofício o Inquérito 4781, aquele das fake news, sem provocação do Ministério Público. Sob a relatoria de Alexandre de Moraes, o responsável pelo inquérito acumulou, no mesmo processo, as funções de vítima, investigador, acusador e julgador, até então um arranjo inédito, que foi contestado, mas validado pelo plenário da Corte como medida excepcional.
Essa elasticidade interpretativa atingiu seu ápice nos processos relativos aos atos de 8 de janeiro de 2023. Diante da depredação das sedes dos Três Poderes, o STF assumiu protagonismo absoluto: determinou prisões em massa, bloqueio de bens e julgamentos céleres, muitas vezes sem plena observância da individualização de condutas, da ampla defesa e da proporcionalidade das penas.
A trajetória é clara: de 2016 a 2023, o Supremo Tribunal Federal expandiu gradualmente seus poderes, sob o argumento de proteger a democracia, mas concentrando em si atribuições que fragilizam pilares da ordem constitucional, como a separação dos Poderes, o devido processo legal e o equilíbrio republicano.
Não por acaso, o atual presidente da Corte, Luiz Roberto Barroso, afirmou publicamente que “a partir de agora o STF passa a ter um papel ativo na política brasileira”.
Passados mais de 10 anos, os acontecimentos atuais são consequências diretas e inquestionáveis do desvio que tomou nossa Suprema Corte. Um desvio sem nenhuma sinalização que pode muito bem nos levar a um inexorável abismo.
E parece que esse não é o fim. Talvez nem o fim do começo.
Joaquim Haickel
6 de setembro de 2025
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Quando um grupo político comanda o país por muitos anos, e passa a realizar operações criminosa, cooptando parlamentares através de pagamento de propinas (mensalão), desviando bilhões de obras públicas, aparelhando a maior empresa estatal para drenar recursos dela e fazer caixa eleitoral (petrolão), utilizando o banco de desenvolvimento para financiar obras em países estrangeiros sob o pretexto de parcerias desenvolvimentistas, mas com o objetivo real de captar propinas (bndesão), não se pode desconhecer que esse grupo, por vias transversas, está subvertendo a democracia. Em outras palavras, está promovendo, de forma indireta, um golpe de Estado.
A imagem tradicional que se tem de um golpe de Estado é aquela dos tanques nas ruas, da ruptura súbita da legalidade, do fechamento do Congresso e da supressão imediata de liberdades. Esse é o golpe clássico, como os que ocorreram em diversas partes do mundo ao longo do século XX.
Mas existe também outra forma de golpe, mais sutil e corrosiva, quase que imperceptível, que se manifesta quando a legalidade é mantida apenas como fachada, enquanto a essência da democracia é destruída lentamente. Trata-se do que muitos chamam de golpe branco, golpe institucional ou golpe por corrupção sistêmica.
Nesse modelo, não há soldados marchando, mas parlamentares comprados; não há fechamento de tribunais, mas juízes e instituições cooptados e aparelhadas; não há tiros nem quarteladas, mas verbas desviadas e eleições viciadas pelo uso de dinheiro ilícito. O resultado não é menos grave: o voto do cidadão perde valor, a soberania popular é manipulada, e a democracia se transforma em um simulacro, em que a vontade do povo é substituída pelo poder da corrupção, do conchavo e do dinheiro.
Enquanto o golpe clássico destrói a democracia pela força aberta e visível, o golpe por corrupção sistêmica a corrói por dentro, silenciosamente, até esvaziá-la por completo. Ambos têm a mesma consequência, a usurpação do poder do povo por um grupo que se coloca acima da lei para se perpetuar no comando do Estado.
Essa degradação se torna ainda mais profunda quando há conluio entre um grupo político e o poder judiciário, que atua simultaneamente como garantidor de seus atos ilegais e como perseguidor de qualquer oposição que possa ameaçá-lo.
É preciso reconhecer, que a corrupção em larga escala, quando transformada em método de governo, não é apenas um crime contra o patrimônio público. É, acima de tudo, um crime contra a democracia. Uma forma indireta de golpe de Estado tão ou mais perigosa que a quebra ordem meramente política, porque não se anuncia com baionetas, mas se infiltra nas instituições, travestida de normalidade.
Joaquim Haickel
4 de setembro de 2025
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A tendência humana de se identificar com os mais fracos e de se opor aos mais fortes é um traço profundamente enraizado na psicologia e na história da humanidade. Essa inclinação pode ser analisada sob diferentes perspectivas: antropológica, filosófica, política e moral.
A empatia é o primeiro fator a ser considerado. Os seres humanos possuem uma forte capacidade de se colocar no lugar do outro. Somos biologicamente programados para sentir a dor alheia: ao ver alguém em situação de fragilidade ou sofrimento, tendemos a nos identificar, pois já estivemos — ou tememos estar — em posição semelhante.
Há também uma espécie de justiça moral instintiva. Desde a infância, as pessoas demonstram senso de equidade. Crianças, por exemplo, costumam defender colegas injustiçados ou se revoltar contra abusos de autoridade.
As tradições religiosas e culturais reforçam esse padrão. O cristianismo, entre outros credos, exalta a defesa dos pobres e marginalizados: “os últimos serão os primeiros”. Condena-se a arrogância dos poderosos e valoriza-se a humildade.
Na filosofia, pensadores como Rousseau apontavam a desigualdade como raiz da corrupção moral. A desconfiança contra os que concentram privilégios é quase natural: detendo poder, tendem a agir para preservá-lo, mesmo em detrimento da coletividade.
No campo político, a própria luta de classes — sobretudo após o advento do marxismo e das correntes críticas modernas — evidencia essa tensão permanente entre dominantes e dominados. A simpatia pelos oprimidos surge como expressão de resistência coletiva.
A cultura popular e a narrativa heroica também alimentam essa percepção. Os heróis mais celebrados — de Robin Hood a Frodo, de Zumbi a Gandhi — são quase sempre aqueles que enfrentam sistemas opressores. A estética do “fraco contra o forte” estrutura muitas histórias porque ressoa com nossa vivência e com nosso desejo de justiça.
Entretanto, essa característica, que em muitos casos é nobre, pode ser manipulada. Políticos poderosos, por exemplo, frequentemente se apresentam como vítimas ou “perseguidos” para mobilizar simpatia. É nesse ponto que a empatia se torna vulnerável à demagogia.
A identificação com os mais fracos e a resistência aos mais fortes são, portanto, expressões naturais do desejo humano por justiça, equilíbrio e proteção dos vulneráveis. Quando genuína, essa atitude é elevada e digna. Quando instrumentalizada, pode se tornar perigosa. O grande desafio é discernir entre o real oprimido e o oportunista que se disfarça de vítima.
Joaquim Haickel
3 de setembro de 2025
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Penso que, assim como eu, a maioria das pessoas se revolta contra o despotismo, o autoritarismo e as injustiças que deles decorrem.
Um dos maiores crimes que podem ser cometidos contra alguém é quando falta a essa pessoa o direito a justiça. Isso normalmente ocorre justamente quando aqueles que deveriam zelar por ela e aplicá-la corretamente, a corrompem e a desfiguram, deixando de respeitar a legalidade e de buscar a verdade dos fatos, apenas para atender à vontade pessoal do julgador ou da massa insana.
Forçando um pouco a memória já um tanto gasta, tentei lembrar alguns dos processos e julgamentos em que mais se verificaram ilegalidades e injustiças, e resolvi relacioná-los neste texto, mas ressalto que muitos outros casos similares poderiam ser incluídos nesse rol. Esta é apenas uma seleção, feita por mim.
Recordo-me que, ao tomar conhecimento de como morreu um dos maiores pensadores de todos os tempos, o filósofo grego Sócrates, senti imensa revolta.
A acusação contra ele era de impiedade e corrupção da juventude. O problema é que, na Grécia, os julgamentos se davam por maioria simples em assembleias populares, sem garantias processuais mínimas. Era uma mera questão de opinião ou de popularidade, mais do réu ou do acusador do que a apuração da verdade. Na prática, Sócrates foi condenado à morte por ter ideias filosóficas e um comportamento social que incomodavam seus contemporâneos.
Outro caso marcante é o de Jesus de Nazaré. Acusado de blasfêmia contra o Deus dos judeus e de sedição contra Roma, foi julgado em um feriado religioso, fato que era proibido tanto pelas leis judaicas quanto pelas romanas. Não lhe foi garantido o direito a uma defesa proporcional e adequada, como a lei exigia. Foi violentamente espancado e torturado. Seu julgamento foi político-religioso, sem imparcialidade, e sua execução serviu apenas para eliminar uma liderança incômoda a Caifás e a Pilatos e em consequência disso criaram uma das maiores religiões da humanidade.
Entre todas as barbaridades judiciais, os Julgamentos do Santo Ofício, ou Santa Inquisição, que perduraram por quase 700 anos, de 1231 até 1908, figuram entre os mais ilegais, injustos e bárbaros, sendo completamente imperdoáveis.
As acusações eram de heresia, bruxaria e blasfêmia, e seus alvos eram sempre bem definidos: mulheres, estudiosos e minorias religiosas. Os tribunais eclesiásticos atuavam sem garantias de defesa, utilizavam sistematicamente a tortura e prolatavam condenações arbitrárias.
Entre centenas de milhares de vítimas, destacam-se o caso de Giordano Bruno, queimado em 1600 por defender ideias cosmológicas, e o destino de milhares de supostas “bruxas”, além das perseguições a judeus e muçulmanos convertidos.
Em 1431, Joana d’Arc foi condenada à fogueira acusada de heresia e bruxaria. A primeira é apenas uma divergência de opinião religiosa; a segunda, um “crime impossível de ser provado”, pois sequer se pode demonstrar que bruxaria exista. Como de praxe, o tribunal foi manipulado por inimigos políticos, que não lhe garantiram uma defesa real.
Outro caso simbólico é o do cientista Galileu Galilei (1633), acusado de heresia por defender o heliocentrismo, teoria que coloca o Sol no centro do universo, em oposição ao dogma religioso da época, que atribuía essa posição à Terra. Condenado, só escapou da morte ao abjurar suas convicções científicas.
Séculos depois, entre 1936 e 1938, ocorreram os chamados Julgamentos de Moscou. O Partido Comunista, sob o comando de Stalin, acusou centenas de milhares de pessoas de conspiração contra o regime. As confissões eram obtidas sob tortura, os juízes eram manipulados e as sentenças capitais eram proferidas em total desrespeito às leis.
Nos Estados Unidos, a mais antiga e maior democracia do mundo, houve entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final dos anos 1950 o movimento que ficou conhecido como Macartismo. Seu princípio era identificar, expor, discriminar e condenar pessoas com base em sua ideologia. Os principais alvos eram socialistas e comunistas.
Muitos filósofos, escritores e artistas foram perseguidos injustamente, sendo o caso mais famoso o do ator Charles Chaplin, obrigado a deixar o país.
Mais recentemente, os Julgamentos de Guantánamo, após os ataques terroristas da Al Qaeda em 2001, são outro exemplo de ilegalidade e injustiça. O problema ali é a detenção de pessoas sem processo regular, a prática de torturas e a utilização de tribunais militares de exceção. Nesses casos, a injustiça está na violação do devido processo legal e dos direitos humanos mais fundamentais.
Se há algo que não pode ser aceito, de forma alguma, é a ilegalidade e a injustiça judicial, pois o sistema de justiça deve funcionar com base na lei, respeitando o devido processo legal, o estado de direito, a correção dos atos judiciais a e imparcialidade do juiz natural, tudo isso para que o resultado dos julgamentos seja justo, respeitado e aceito por todos.
Qualquer coisa diferente disso é inaceitável.
Perfil
“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.
Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.
Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.
Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.
Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.
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