O acaso e a consciência

Hoje, ao despertar, senti uma sensação estranha. Era como se uma frase martelasse minha cabeça. Como se alguém tivesse sussurrado em meus ouvidos aquelas palavras enquanto eu dormia: “A hora de entrar até que pode ser sorte, mas a hora de sair tem que ser por sabedoria”.
Analisei bem essa frase e ela parece conter em si a síntese de uma ética do tempo e da decisão. Nela parecem coexistir duas forças fundamentais da condição humana: o acaso, que nos impulsiona, e a sabedoria, que nos limita. Entrar, iniciar uma relação, um projeto, uma causa, é, muitas vezes, fruto da coincidência, da oportunidade, da curiosidade, de pura sorte. Já sair, encerrar, concluir, retirar-se, é o exercício supremo da razão prática, é o momento em que a consciência supera o impulso.
Na tradição clássica, Aristóteles chamaria essa sabedoria de phronesis: a prudência que guia a ação humana entre o excesso e a falta. Em nossa vida, o acaso é inevitável, é o motor invisível que nos lança aos começos. Mas apenas a sabedoria é capaz de impor forma ao caos dos acontecimentos. Entrar ou iniciar por sorte é natural; permanecer ou sair por discernimento é a consubstanciação da humanidade. É nesse instante de saída que se mede o verdadeiro caráter do indivíduo: quem não sabe sair, não domina o tempo, e quem não domina o tempo, é dominado por ele.
Sêneca lembrava que “a sorte decide o início, mas a virtude decide o fim”. O homem sábio não se desespera diante do acaso; ele o acolhe, mas não se submete a ele. Saber sair, portanto, é o gesto ético por excelência, é reconhecer o ponto exato em que o ciclo da experiência se completa, antes que a permanência se torne decadência. É a arte de não se deixar vencer pelo apego.
No plano prático, essa teoria aplica-se a tudo: ao amor, à política, à criação artística. O amor nasce do acaso do encontro, mas só permanece enquanto houver sabedoria para sustentá-lo. O político ascende pela fortuna, mas cai quando ignora o tempo de sair dela. O artista cria pelo impulso, mas a grandeza da obra está em saber o instante do último traço, do desapego de impor ao texto um ponto final, e ao diretor um corte definitivo. A sabedoria é, afinal, a consciência dos limites. Só quem os reconhece é verdadeiramente livre.
Em suma, a frase que martelava em minha mente, propõe uma filosofia da ação temporal: a sorte abre as portas, mas a sabedoria escolhe quando fechá-las. O início é dado pela vida; o fim é a nossa resposta. É nesse intervalo — entre o impulso e a lucidez — que o ser humano realiza a sua verdadeira liberdade, é quando ele realmente vive.
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