A escolha

Um jovem conde, Sir Oliver de Warhill, foi surpreendido por seu monarca enquanto caçava furtivamente num bosque. O rei poderia tê-lo matado no ato, pois era o castigo para qualquer um que violasse as leis da propriedade real, contudo se comoveu ante a juventude e a simpatia do jovem tão recentemente órfão – seu pai havia a pouco sido morto em batalha. O rei, no entanto, que passava por serias dificuldades em seus relacionamentos com as mulheres; com sua mãe, com sua esposa e com suas duas filhas, lhe ofereceu a liberdade, desde que no prazo de um mês, Oliver lhe trouxesse a resposta a uma pergunta difícil. “O que querem realmente as mulheres?”
Semelhante pergunta deixaria perplexo até o mais sábio dos Druidas, e ao jovem Oliver lhe pareceu impossível de respondê-la. Contudo aquilo era melhor do que a morte, de modo que regressou a seu castelo e começou a interrogar as pessoas: a sua mãe, a sua irmã, as prostitutas, os monges, os sábios, o bobo da corte, em suma, a todos e ninguém soube dar-lhe uma resposta convincente. Porém todos o aconselharam a consultar a velha bruxa, porque somente ela saberia a resposta. O preço seria alto, já que a velha bruxa era famosa em todo o reino pelo exorbitante preço cobrado pelos seus serviços.
Chegou o último dia do prazo acordado e Oliver não teve mais remédio senão recorrer a feiticeira. Ela aceitou dar-lhe uma resposta satisfatória, com a condição de que ele aceitasse o preço: Ela queria casar-se com Saymor, o cavaleiro mais nobre do reino, tio e protetor de Oliver, um solteirão convicto, mas muito sábio e bondoso. O jovem Oliver olhou-a horrorizado: era horrenda, tinha um só dente, desprendia um fedor que causava náuseas até a um cão, fazia ruídos nojentos. Ele nunca havia encontrado com uma criatura tão repugnante. Acovardou-se diante da perspectiva de pedir a um tão querido amigo, o maior de toda a sua vida, para assumir essa carga terrível. Não obstante, ao inteirar-se do pacto proposto, Saymor afirmou que não era um sacrifício excessivo em troca da vida de seu sobrinho e a preservação do clã dos Warhill.
Anunciadas as bodas, a velha bruxa, com sua sabedoria infernal, disse: O que as mulheres realmente querem? Serem Soberanas de suas próprias vidas!
Todos souberam no mesmo instante que a feiticeira havia dito uma grande verdade e que o jovem Oliver estaria salvo. Assim foi. Ao ouvir a resposta, o monarca lhe devolveu-lhe o direito a sua vida. Porém, que bodas tristes foram aquelas. Toda a corte assistiu e ninguém se sentiu mais desgarrado, entre o alívio e a angústia, que o próprio Oliver. Saymor mostrou-se cortês, gentil e respeitoso. A velha bruxa usou de seus piores hábitos, comeu sem usar talheres, emitiu ruídos e um mau cheiro espantoso.
Chegou a noite de núpcias. Quando Saymor, já preparado para ir para a cama, aguardava sua esposa, ela apareceu como a mais linda, charmosa e delicada mulher que um homem poderia imaginar! Saymor ficou estupefato e lhe perguntou o que havia acontecido.
A jovem lhe respondeu com um sorriso doce, que como ele havia sido cortês com ela, a metade do tempo se apresentaria horrível, como aquela bruxa, outra metade com o aspecto de uma linda donzela, como ali estava. Então ela lhe perguntou qual ele preferiria para o dia e qual para a noite.
Uma pergunta cruel. Saymor se apressou em fazer cálculos. Poderia ter uma jovem adorável durante o dia para exibir a seus amigos e a noite na privacidade de seu quarto uma bruxa asquerosa ou quem sabe ter de dia uma bruxa e uma jovem linda nos momentos íntimos de sua vida conjugal.
O nobre Saymor, após pensar por um instante, respondeu-lhe que a deixaria escolher por si mesma.
Ao ouvir a resposta, ela anunciou que seria uma linda jovem de dia e de noite, porque ele a havia respeitado e permitido ser soberana de sua própria vida, senhora de seu destino.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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