Os filhos de “seu” Bras

Meses atrás quando assisti a excelente interpretação do ator Jamie Foxx no filme Ray, que narrava a vida do ícone da musica americana, Ray Charles, fiquei imaginando quantas histórias semelhantes temos em nosso país. A magnífica interpretação do musico cego valeu a Foxx o Oscar de melhor ator deste ano, quando foi protagonista de uma outra grande façanha. Concorreu também, ao premio de melhor ator coadjuvante por seu impecável desempenho em Colateral, onde contracena com Tom Cruise.
Mas o filme Ray não se sustenta apenas na interpretação de um brilhante ator. O filme é o resultado de anos de pesquisa e trabalho árduo, inclusive com a participação do próprio Charles, que pouco antes de falecer, pode comprovar a qualidade do trabalho comandado pelo diretor Taylor Hackford.
O filme mostra a trajetória do garoto negro, nascido num estado segregacionista, que ainda criança, aos sete anos, perde a visão, e que pelas mãos de um pianista de sua cidade, descobre a própria genialidade. Ray Charles foi um virtuoso autodidata, um destes magníficos gênios das artes que brotam de tempos em tempos.
Não preciso aqui comentar a grande capacidade e competência da indústria cinematográfica americana em produzir e contar historias. No caso de Ray não poderia ser diferente.
Digo isso para poder entrar no meu assunto de hoje. Quero aqui afirmar e comprovar que temos em nosso país histórias tão interessantes quanto às americanas ou européias. Histórias que só agora o nosso cinema, muito mais pobre e menos experiente que o deles, começa a mostrar. Histórias exemplares e universais das vidas de personagens anônimos ou famosos. Histórias que são preciosas pérolas da vivencia de nossa gente.
Vou dar-lhes apenas dois exemplos disso. Existem mais de cem filmes falando sobre Billy “The Kid”, personagem que até hoje não se sabe ao certo se existiu e o que aconteceu com ele. A vida de Billy “The Kid”, se historicamente comparada a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, escorreria por entre nossos dedos, como as areias do tempo.
A historia do bandido brasileiro é bem mais substancial e mais rica do que a do facínora americano, mas mesmo assim existe apenas uma dúzia de filmes que tratam do advento do cangaço no sertão nordestino. Se Lampião tivesse nascido no Texas ou no Kansas seria conhecido e admirado em todo mundo, como Búfalo Bill ou Eyatt Erpp.

Outro exemplo disso é o mais recente sucesso do cinema nacional. Trata-se de 2 filhos de Francisco, uma primorosa produção que vem comprovar definitivamente o quanto os nossos personagens e as suas historias são ricas. O quanto elas merecem e precisam ser contatadas. E bem contadas como esta foi pelo diretor Breno Silveira.
Os filhos de seu Francisco Camargo, Mirosmar e Welson, ou melhor, Zezé e Luciano, nos dão conta e comprovam o quanto tem valor as histórias de vida dessa “brava gente brasileira”.
Quando vou ao cinema, não tenho a menor vergonha de rir ou de chorar. Na sala de exibição atinjo a minha plenitude como pessoa. Presto atenção, me revolto, afundo na poltrona, me envolvo na trama. Viajo. Vou, mas volto.
Na última quarta-feira fui ao cinema com Vanessa e Ian. A sala estava totalmente lotada, e o mais interessante é que a platéia era composta por pessoas das mais variadas idades, principalmente pessoas mais velhas. Tivemos que sentar separados, mas próximos o suficiente para ouvirmos o som abafado de nosso choro.
Sentei-me entre um garoto de uns dez anos e uma senhora de uns cinqüenta. Ele passou o tempo inteiro atento a tudo que acontecia na tela e às dicas que a avó, ao seu lado, lhe dava. Do outro lado, a senhora às vezes levava as mãos ao rosto e soluçava, talvez vendo ali um pouco de sua realidade, um pouco da realidade de pessoas como ela. Em determinado momento, depois de tanto ela quanto eu termos ido às lagrimas, nos entreolhamos, e ainda com os olhos mareados, sorrimos, como que reconhecendo um no outro, a maravilhosa capacidade humana de entender e de se emocionar.
Saí do cinema com um sentimento estranho. Um misto de orgulho por nossa capacidade de fazer bons filmes. De honra por pertencer a uma nação de valorosos Franciscos que se atrevem a sonhar com um futuro melhor para seus filhos. E uma profunda angustia por constatar a grande quantidade de outros Franciscos, que carregam consigo os fracassos que a vida impõe, uns por falta de oportunidade, outros por falta de condição de continuar lutando.
Assistir a Ray ou a 2 filhos de Francisco e não chorar não significa ser um forte, mas vê essas historias e não se emocionar, isso sim é tema para um filme. Um filme de ficção cientifica, sobre uma pobre criatura aleijada, desprovida de alma.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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