Os pichadores que se pichem.

Apresentei na Assembléia Legislativa um projeto de lei que normatiza a venda de tinta spray. Tomei essa iniciativa como forma de ajudar a combater os efeitos danosos das pichações. Nem tanto para minha surpresa, mas principalmente para a definitiva constatação de que realmente existem pelo menos dois tipos de lei, a lei justa e necessária e outra legal e nem sempre eficaz, a Comissão de Constituição e Justiça da ALM, baseando-se apenas no ponto de vista processual, deu parecer contrário ao meu projeto.
Consumir drogas é crime, logo cheirar cola de sapateiro, à luz da lei vigente, é crime. Criaram-se então leis para dificultar que uma pessoa cheire cola de sapateiro. Seguindo o mesmo raciocínio, fazer pichações é crime, mas será possível que não se pode criar uma lei para inibir o crime das pichações?
O espírito do projeto não é outro senão o de contribuir para a preservação do nosso patrimônio, individual e coletivo, conservar monumentos históricos e obras de arte que são alvo fácil do vandalismo. Com a regulamentação da venda da tinta spray, pretendia-se desarmar os pichadores, pôr fim aos ataques dos vândalos, que emporcalham monumentos históricos e até prosaicas fachadas e muros de casas de pessoas simples.
Ora bolas! se é proibido bandido portar arma de fogo – e o cidadão respeitável também – como é que podemos permitir que um bandido, de outra espécie, porte uma lata de tinta spray, arma com a qual pode vir a ferir gravemente o patrimônio de alguém ou mesmo o patrimônio publico.
E aqui cabe contar-lhes uma história que aconteceu comigo mesmo: Uma vez, ao chegar no meu escritório, deparei com o muro totalmente emporcalhado por uma pichação. Mandei imediatamente retocar o muro. No outro dia ele amanheceu pichado novamente. Tive então uma idéia, um tanto maquiavélica, devo reconhecer, resolvi quebrar economicamente o vândalo, repintando o muro tantas vezes quantas fosse pichado, pois imaginei que deveria eu ter mais condições de comprar cal para caiar o muro que ele para comprar tinta para suja-lo. Foram quase duas semanas nessa lenga – lenga. Ele sujava, eu mandava limpar. Certa manhã, recebi um telefonema do vigia, o nosso muro não havia sido pichado. Tive uma maravilhosa sensação de vitória, havia vencido, não pelo cansaço, mas pela dificuldade econômica que impingi ao meliante. Estava tão satisfeito que larguei o que estava fazendo e fui ate lá, para ver com meus próprios olhos. Chegando lá constatei que o nosso muro realmente não estava pichado, mas fiquei furioso ao ver que o muro e a parede externa da casa do vizinho estava completamente rabiscada, e com certeza este não teria a mesma disponibilidade para enfrentar essa guerra suja, de tinta.
A pichação é um tipo de vandalismo cada vez mais freqüente e que cresce sob as barbas da polícia. Apresentei esse projeto como proposta de resistência à praga dos pichadores, para manter o vandalismo à distância, longe dos nossos muros e monumentos. A tinta spray, como bem se sabe, é a principal ferramenta das gangues de pichadores. A praga do spray hoje atormenta a maioria das cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, as gangues sujaram até a cúpula da Igreja da Candelária e picharam o Cristo Redentor. Em São Paulo, a turma da sujeira também avança como uma epidemia. Em São Luís as gangues – pelo que fui informado – são dezenas e têm nomes estranhos, como GKP, Oi, GNC, GVF, Garotos do Anjo, dentre outras.
É bom que se ressalte que grafiteiro não é pichador. Os pichadores espalham mensagens que irritam pela poluição visual, o desrespeito ao patrimônio público e também por não fazerem nenhum sentido. Mas não é difícil entender os mecanismos que impulsionam esse festival de selvageria que enfeia as nossas cidades. De um lado, pode-se dizer que os adolescentes são assim mesmo, passam por aquela fase em que desafiam as regras da família e da sociedade. Entre os rapazes de boa família, rouba-se o carro do pai para disputar “pegas” em avenidas mal-iluminadas. Entre os filhos de famílias pobres, eles levam uma vida dura, sem dinheiro para se divertir – e encontram nesse tipo de “programa de índio”, digamos assim, uma espécie de emoção que costuma faltar em seu cotidiano difícil e modorrento.
Há uns 20 anos, um estudante que pichasse muros com slogans como “Diretas já”, por exemplo, estava exercendo seu elementar direito de expressão – proibido pela censura e pela polícia da época. Os pichadores de hoje são simples marmanjos arruaceiros que destroem impunemente o patrimônio público – por pura diversão. E ninguém faz nada.

2 comentários em “Os pichadores que se pichem.”

  1. Estou com uma grande dúvida! Não sei se o senhor é melhor escritor ou político!?
    De qualquer maneira, parabéns pro senhor e pra nós que votamos no senhor e que podemos ler as suas crônicas.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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