A VERDADEIRA BELEZA

Na praça do mercado de Nazihr, uma cidadezinha próxima a Agra, na Índia dos marajás, numa certa manhã de outono, um jovem de nome Vasti, exibia seu coração, que todos achavam o mais bonito do lugar. Uma grande multidão em torno dele admirava seu coração, pois ele era perfeito. Não havia nele um único sinal que lhe prejudicasse a beleza. Todos reconheciam que realmente era o coração mais bonito que jamais haviam visto. Vasti estava vaidoso e ostentava seu coração com crescente orgulho. De repente um velho homem, um tanto eremita, conhecido pelo nome de Mehta, montado em seu cavalo, surgiu no meio da multidão, desceu do cavalo e bradou: “Seu coração nem de longe é tão bonito quanto o meu!” Todos olharam para o coração do velho homem que Batia regular e fortemente, mais era cheio de cicatrizes. Havia lugares onde faltavam pedaços e também partes com enxertos que não se encaixavam bem, e tinham as laterais ressaltadas.
A multidão se espantou! Como aquele homem podia dizer que seu coração era mais bonito?
Vasti olhou para o coração do velho Mehta e disse, rindo: “O senhor deve estar brincando! Compare seu coração com o meu e veja. O meu é perfeito e o seu é uma confusão de cicatrizes e emendas!”. Disse-lhe então o velho homem: “O seu tem aparência perfeita mais nunca trocaria o meu por ele. Estas marcas representam pessoas a quem dei o meu amor. Eu arranquei pedaços do meu coração e dei a elas e, muitas vezes, elas me deram pedaços de seus corações para colocar nos espaços deixados no meu; como esses pedaços não eram de tamanho exato, hoje parecem enxertos feios e grosseiros, mas eu os conservo como lembranças de amor que dividi com aquelas pessoas. Algumas vezes eu dei pedaços do meu coração e as outras pessoas que o receberam não me deram em retorno pedaços dos seus. Esses são os buracos que você vê. Dar amor, dar o coração, é arriscar. Embora esses buracos doam, eles permanecem, aí, abertos, lembrando-me do amor que tenho por aquelas pessoas, e tenho esperança que um dia elas me dêem retorno desse amor e preencham os espaços que ficaram vazios”.
O jovem Vasti, tendo então entendido o que é realmente o significado da beleza, em silêncio, com lágrimas rolando pela face, caminhou na direção do velho homem, olhou para o próprio coração e arrancou um pedaço, e com as mãos trêmulas ofereceu-o a ele. Mehta pegou aquele pedaço, colocou no seu coração e tirando dele um outro pedaço, colocou-o no espaço deixado no coração do jovem. Coube, mais não perfeitamente, já que havia irregulares beiradas.
Vasti olhou para o seu antes tão perfeito coração, já não tão perfeito depois disso, mas, no entanto muito mais bonito do que sempre fora.
Diante da multidão que os observava em respeitoso silêncio, eles se abraçaram e saíram andando lado a lado, seguidos por Gita, o cavalo do homem velho, cujas patas batendo no solo emitiam o som de corações pulsando.

* Crônica adaptada de uma estória antiga, mas pautada em acontecimentos recentes.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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