Ser ou estar, eis a questão.
Nos últimos dias alguns fatos me fizeram parar para refletir um pouco sobre essa condição, temporária, que é estar Deputado. Lógico, porque estou Deputado. Sou advogado, empresário, escritor e ocupo um cargo de Deputado Estadual no Maranhão.
Num domingo, quando passava por um retorno da Avenida dos Holandeses, um grupo de deficientes físicos tentava parar os carros com faixa e todo o aparato de pedágio. Isso não é de hoje que acontece. Eles tentam parar os carros que por ali trafegam no intuito de conseguirem um auxílio financeiro, vendendo água e refrigerantes. Nunca achei aquilo lá muito correto, mas naquele domingo fiquei imaginando que quase todo mundo já fez esse tipo de coisa pelo menos uma vez na vida. Acho normal. Mas aqueles senhores há mais de dez anos transformaram os fins de semana nas rotatórias em meio de vida. Fiquei pensando se aquilo seria correto. O meu lado generoso acha que sim. O outro que queria chegar rápido em casa e não queria ouvir uma piadinha do tipo ajuda a gente deputado, um dia o senhor pode precisar do voto de um aleijado acha um abuso. Abuso da triste condição de deficiente físico. Mas para não correr nem sequer o risco de cometer alguma injustiça, nem em pensamento, parei e tomei uma água.
Na terça da mesma semana aconteceu outro caso. Ao adentrar a ante-sala do plenário da ALM, deparei com uma senhora que veio falar comigo como se me conhecesse de longas datas. Eu meio sem jeito, por mais que tentasse, não conseguia lembrar dela. Toda intima, ela se apresentou. Disse onde morava e que sempre votou em mim e antes em meu pai O Senhor não é filho do saudoso Deputado Nagib? O Senhor é a cara dele. O jeito, o sorriso ela dizia estar precisando tirar a segunda via dos documentos de uma neta para que ela pudesse procurar emprego A menina foi assaltada e os ladrões levaram a bolsa dela com todos os documentos.
O meu primeiro impulso foi, como sempre, ajudar, mas foi aí que ela repetiu, com um sorrisinho maroto Nós sempre votamos em vocês. Eu mesmo votei no Senhor no ano passado. Ia perguntar-lhe se ela se lembrava o meu numero ou do meu partido, mas isso talvez fosse pedir demais. Fiquei desconfiado. Aí ela sacou o título de eleitor da bolsa. Parecia que ele, por si só, provaria que ela havia realmente votado em mim. Fiquei incomodado com aquilo. Convidei-a para ir até ao meu gabinete e foi.
Tenho em meus arquivos, toda a minha votação, por Município, por Zona e ate por Sessão. O que eu iria fazer era checar se a história de Dona Raquel era mesmo verdadeira. Bem lá no fundo, eu rezava para que na sessão dela, aparecesse pelo menos um único voto para mim. O que não me garantiria que fosse o voto dela, mas a ela eu daria o benefício da dúvida.
Quando lhe disse o que iria fazer, empalideceu. Sua voz ficou tremula. Um sorriso amarelado escapava de seus lábios. Tive pena dela. Por um instante quis parar. Mas ela respirando fundo, me disse que eu tomasse muito cuidado com esse negocio de computador, pois às vezes até eles erram. Foi a deixa que eu precisava para não me preocupar mais com os sentimentos dela. O computador poderia estar errado e não ter registrado o voto dela! Simples, não!?
Lá estava eu, em frente ao computador checando a informação de Dona Raquel que se dizia minha eleitora. E não é que para minha surpresa e certeza dela, o computador errou mesmo, não registrou o seu voto para mim. E agora?O que fazer com Dona Raquel? E vocês ainda pensam que a vida de Deputado é fácil?
Na quinta-feira, ali na Beira-Mar, em frente da delegacia da mulher. Fui abordado por uma viatura, com três soldados dentro. Um dos policiais desceu, pediu minha carteira de motorista e os documentos do carro. Foi extremamente educado. Ele olhou para mim. Preencheu a multa eu estava falando no telefone celular enquanto dirigia, e ainda continuava falando ele olhou novamente para mim como se esperasse que eu lhe pedisse para que ele relaxasse a multa e me deixasse ir. Ele me entregou a multa, mas não se conteve e disse: Muito obrigado. Aí eu não entendi mais nada. O guarda me multa, se vira para mim e diz muito obrigado! Curioso como só eu sou, não me contive e quis saber o porquê dele ter-me dito aquilo: Sabe como é… gente como o senhor normalmente vai logo dizer que é isso e aquilo, que eu me coloque no meu lugarzinho de meganha… Mas o senhor não fez nada disso. É por isso que eu estou lhe agradecendo, pelo senhor ter me respeitado… Nunca fiquei tão satisfeito em ter sido multado em toda minha vida.
Aquela multa, a conversa com Dona Raquel e o caso do pedágio, serviram para que passasse a viver melhor, com menos culpa. Para que confirmasse o que há muito tempo já sabia. Que realmente só estou Deputado. Que sou uma pessoa, um homem, e que é assim que eu devo me comportar. Que é só assim que as pessoas devem me encarar.
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