A Importância da Pontuação (. ou ! ou ?)

A Importância da Pontuação (. ou ! ou ?)

Lembro-me como se fosse hoje. Foi numa daquelas noites quentes, de pouquíssima comida e nenhuma bebida, às quais todos nós nos submetíamos espontaneamente e ainda por cima pagávamos para aparentemente usufruir tão pouco prazer, lá em Sorocaba, naquele que se não é o mais chique spa do Brasil, é certamente o mais aprazível e aconchegante, o Spa São Pedro. Aquele mesmo que serviu de cenário pra Mário Prata escrever um de seus livros de maior sucesso editorial, “O diário de um magro”.

Naquela noite aconteceu uma conversa bastante interessante entre quatro grandes amigos, que pelo menos duas vezes por ano se encontram para fazer um minucioso check up médico, para emagrecer um pouquinho ou para temporariamente parar de beber, e para rir bastante.

Depois da sopinha nossa de cada noite, que logo na primeira semana aprendi a duplicar adicionando-lhe água quente, pimenta, limão, sal e cebola ralada, do disputadíssimo jogo de dicionário, no qual raramente vence o maior conhecedor da língua mãe – tanto que nestes dez anos, não me lembro de ter visto Mário Prata nem Fernando Moraes nem Benedito Rui Barbosa, vencido uma única rodada – e da tão esperada ceia – meia rodelinha de abacaxi – eu e esses três amigos, fomos para a beira da piscina.

Iríamos encher a cara com uma bebida que Pratinha inventara especialmente para uma festa que anos antes organizamos por lá: in tônica. Caro revisor, por favor, não tente corrigir o termo anterior. Não está faltando a letra G no nome da bebida não. Mário a batizou de “in tônica” por que ela não leva gin. Só leva água, tônica é claro, misturada com soda limonada diet e uma lasquinha de limão.

Ficamos os quatro em volta de uma mesa branca e redonda de PVC, jogando conversa fora. Cada um contava um “causo”, uma estória de sua terra. Depois de duas rodadas descobrimos que já conhecíamos todas as historias “unsosotros” *. Então alguém sugeriu que cada um de nós fosse ao seu quarto, procurasse, imprimisse e trouxesse um desses milhares de e-mails que recebemos todo dia. Um bem interessante. O mais interessante que se encontrasse. Teríamos 15 minutos para fazer isso. Fomos e em menos de 15 minutos estávamos todos de volta e o mais incrível, nós quatro escolhemos o mesmo texto que fora nos enviado por um amigo comum e que reproduzo a seguir:

A Importância da Pontuação
Um homem muito rico ficou mal repentinamente e prevendo a morte iminente, pediu papel e caneta ao mordomo e escreveu seu testamento:
“deixo meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres”.
E morreu antes de conseguir revisar seu texto e fazer a pontuação.
Ficou então a grande pergunta. A quem ele deixara realmente sua fortuna?

Nós quatro então nos pusemos, cada um, a colocar naquela frase testamento, a pontuação que achávamos que ela deveria ter.

O numero um passando-se pelo sobrinho fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a
conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

O numero dois, como se fosse a irmã, chegou a seguinte conclusão:
Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

O três, como padeiro, puxou a brasa para sua sardinha: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a
conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

E finalmente o numero quatro, representando os pobres da historia, sentenciou: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.

Naquela noite ficou muito mais claro pra nós que é assim que é a vida. Nós é que colocamos a pontuação e damos as ênfases que queremos dar. E isso faz toda a diferença.

* “unsosotros”: Brasileirismo maranhense. O mesmo que uns dos outros; conjuntamente; entre si.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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