Notícias de Havana 4

foto02.jpgCheguei a Havana no amanhecer do dia 6 de dezembro, depois de quase 48 horas sem dormir. Mesmo cansado fui logo conhecer o Hotel Nacional onde ficaria hospedado e depois de um bom banho, fui me credenciar para participar do 30º Festival do Novo Cinema Latino-Americano com o curta-metragem “Pelo Ouvido”, um dos selecionados para a sessão oficial da competição. Em seguida, depois de um rápido café da manhã, fui para a piscina, em companhia de alguns amigos brasileiros. Os atores Selton Mello e seu pai, senhor Danton Mello; o casal Daniel e Vanessa Oliveira que por onde passavam eram reconhecidos como a Zuca e o Luís de “Cabocla”; a linda e simpática atriz Fernanda Machado; Jal Guerreiro, diretora da Link Digital, uma das empresas patrocinadoras do festival; a produtora de dois dos filmes em competição de ópera prima, Vânia Catanni; e a diretora Lucia Murat, entre outros, como o grande cineasta Orlando Senna, Paula Gaitán, documentarista e ex-esposa de Glauber Rocha, a também documentarista Maia Da Rin, Claudia Buschel, produtora de “Ensaio sobre a Cegueira” e o ator Rodrigo Santoro, que também participavam do festival.

foto07.jpgSeis da tarde aconteceria o mais importante evento do festival até então: a primeira apresentação do filme “Che”, de Steven Soderbergh, com Benicio Del Toro, como produtor e encarnando o revolucionário argentino, que, junto com Fidel Castro e outros revolucionários tomaram Cuba de Fulgêncio Baptista, na madrugada de 31 dezembro para 1º de janeiro de 1959.

A recente história de Cuba, da guerrilha na Sierra Maestra, às lutas abertas e heróicas em plenas cidades onde meia dúzia de obstinados barbudos buscava resgatar a dignidade de seu povo, já eram conhecidas de quase todos os presentes. O local era o Cine Yara, um dos maiores em que já estive, capaz de acolher, sentados, algo em torno de duas mil pessoas, ou seja, quatro mil pares de olhos e ouvidos sedentos por ver o comandante e seus camaradas. E lá estavam duas mil pessoas, boa parte delas havia pagado 2 pesos para estar ali, mas não quero falar de política nem de economia, o papo aqui é cinema e o turbilhão de sentimentos que vem junto com essa arte tão essencial.

foto06.jpgEstávamos mais ou menos o mesmo time de brasileiros que de manhã fora à piscina e mais Manoel Rangel, presidente da Ancine, e Bernardo Pericás Neto, embaixador do Brasil em Cuba. Todos sentados num lugar honroso, reservado para autoridades e convidados especiais, quando chegaram dois senhores, um deles fardado e o outro com uma elegante guayabera branca e sentam-se bem atrás de nós. De repente, um montão de fotógrafos veio em nossa direção e apontaram suas câmeras acima de nossas cabeças, para onde estavam os tais senhores que depois vim a saber que era Urbano e Pombo, ex-combatentes da revolução cubana, que estiveram com Chê na Sierra Maestra, no Congo e na Bolívia. Eram sobreviventes de uma época heróica. Dinossauros vivos, bem ali, pertinho de nós. A sensação era incrível.

foto01.jpgAté aí tudo bem, mais ou menos tudo certo, isso até entrarem os atores para apresentarem a película. Todos muitos aplaudidos, principalmente Benicio Del Toro, mais nenhum como o brasileiro Rodrigo Santoro que no filme interpreta o atual presidente cubano, Raul Castro, irmão de Fidel. Quando se anunciou o Rodrigo a platéia delirou. É que ele é um ídolo em Cuba. Ele e todos os atores brasileiros, graças às nossas novelas que não param de passar por lá. Agora mesmo são três.

As primeiras três horas do filme são épicas. Cenas de batalha, fatos históricos e heróicos já cantados em verso e prosa, conhecidos pelo povo cubano, que cada vez que podia manifestava-se de forma contundente, sempre reagindo às colocações geniais de seu líder Fidel, com as brincadeiras de seu herói prematuramente morto, Camilo Cienfuegos, ou com extrema devoção a seu camarada, Chê.

foto04.jpgComo um filme-documento, penso que a primeira parte é irretocável. Em muitos momentos vimos as cores sumirem para presenciarmos fatos possíveis de serem comprovados documentalmente, como no caso da ida de Chê às Nações Unidas. É uma elegia ao heroísmo e à glória. Não é um filme de propaganda, mas serve magnificamente como tal. É um documento dramático.

Essa parte é um soco na boca do estômago. Não há diálogo nos primeiros cinco minutos. Acredito que a segunda parte do filme não possa ser vista separada da primeira, sob pena de dificultar o entendimento daquilo que foi a vida de Chê em seus últimos dias.

A vida de Ernesto Guevara, graças ao cinema, é vista em três de seus cinco momentos. Diários de Motocicleta que conta a segunda fase de sua vida, e esse filme em suas duas partes que fala do Chê revolucionário em Cuba e do guerrilheiro que quer ser veículo de liberdade e justiça, na Bolívia.

foto05.jpgA primeira parte de sua vida, sua infância, nos é desconhecida, mas fazendo as contas, descobri que se vivo fosse, estaria com a idade de minha mãe. Faria 80 anos no ano que vem. Quanto à última parte de sua vida, ou seja, a sua morte, essa será eterna.

É incrível o que acontece. A forma de contar é outra, o enquadramento é outro, há outra luz. Os personagens são outros. Parece até que é outro diretor e outro fotógrafo. Tudo é diferente, principalmente o público que se na primeira parte se manifestava, reagia, sorria, aplaudia, falava, nessa mantinha-se em um silêncio sepulcral. Menos Pombo e Urbano, sentados atrás de nós. Deles se ouvia algumas palavras, dos demais só se ouvia a respiração.

O que poderia se chamar de Calvário, de Gólgota de Chê, é na verdade um poema de angústia, dor e impotência. Uma metáfora doída à espera de uma morte anunciada.

foto08.jpgCena que bem exemplifica esse trecho do filme é quando ele, Chê, aparece montado em um burro branco e o animal empaca, não quer sair do lugar. Chê tenta fazê-lo andar e nada consegue. Cai do animal na tentativa de demovê-lo da burrice, e começa a espancá-lo, matá-lo, quando é impedido pelos companheiros.

Ao final de cinco horas. Três de êxtase e duas de agonia fica clara a importância deste homem para a história contemporânea da latinidade e de toda a humanidade.

Ao sairmos do cinema, nós e mais dois mil cubanos, eu que trazia em minhas mãos cartazes e postais de meu filme, cai na besteira de dar um para uma moça que ouvi falar português – depois soube que era esposa do 1º secretário da embaixada espanhola – então as pessoas em volta passaram a me pedir tanto os cartazes quanto os postais. Era tamanho seu interesse e a simpatia com que me tratavam que me senti como se estivesse em casa, em São Luís, saindo do Cine Praia Grande.

Depois fomos todos para um cabaré bem cubano, tomar “margueritas”, comer “mariquitas” e falar sobre o filme.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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