… É refresco!
Tomar decisões não é uma coisa fácil! É complicado, principalmente se você pretende fazer isso usando a coerência e o bom senso.
Ano passado recebi um pedido de um grande amigo meu a quem devo muitos e impagáveis favores. Político de grande peso eleitoral em seu município, esse meu amigo pediu que eu não descansasse enquanto um adversário seu, na verdade nosso, um sujeito realmente ordinário, não fosse cassado. Ele me pediu que me empenhasse ao máximo para que o dito cujo perdesse o mandato de vereador, tendo em vista o flagrante descumprimento às normas eleitorais vigentes. O safado infeliz mudou de partido quando isso não era possível fazer.
Quando ele me falou isso, imediatamente me veio à lembrança um pedido semelhante, mas, ao inverso, que me fizera uma semana antes outro amigo, desta vez um vereador de outro município. Este, que também é gente boa e meu amigo de primeira hora, pediu-me para que eu não permitisse que ele fosse cassado, pois também mudara de partido fora do prazo.
Eu discordo peremptoriamente da interpretação do Tribunal Superior Eleitoral – TSE sobre a decisão de a quem pertence o mandato eletivo, sobre qual é a intenção do eleitor ao votar e eleger este ou aquele candidato. Em minha modesta opinião o eleitor escolhe esse ou aquele representante independentemente do partido a que ele pertença. Por exemplo, todos nós sabemos que para o eleitor de Lula não importa se ele é do PT, do PSB, do PCdoB, do PDT ou do PMDB. O mesmo acontece com Maluf, Gabeira, Collor, Ciro, Clodovil…
Acho que tenho um exemplo que pode provar a minha tese. Caso Romário se candidatasse a deputado pelo Rio de Janeiro, tanto alguns vascaínos quanto outros flamenguistas iriam certamente votar nele, não importando se ele fosse filiado ao PV ou ao PRB.
Os manuais de política, dos mais elementares aos mais complexos, mandam que se encarem os casos que citei anteriormente de forma pragmática. Da mesma forma como faria um advogado que fosse contratado por aqueles meus dois sujeitos, um querendo que acompanhasse o processo para garantir a cassação de um desafeto e o outro para defendê-lo, para que ele não fosse cassado.
Qualquer advogado pegaria os dois casos sem nenhum constrangimento ou medo de ferir a ética. Pois, pelo fato de serem processos diferentes e interesses não conflitantes, mesmo que ele, o advogado, tivesse perante a mesma corte de justiça, no caso a eleitoral, se posicionar usando argumentos completa e diametralmente opostos, de um caso para o outro, ele estaria no seu papel de advogado.
Essa aparente falta de coerência às vezes me incomoda, mas ao mesmo tempo me faz refletir sobre minha atividade política. E é bem ai que se localiza todo o mistério do exercício da política, é exatamente aí que reside o meu dilema em relação a ela: o político correto, coerente, sensato, deve propugnar uma única verdade para correligionários e adversários? Deve colocar acima de seus interesses partidários e eleitorais a defesa da coerência? Coerência e política podem andar juntas sem que uma prejudique a outra? Deve o político ter um juiz dentro de si, que julgue a todo instante o que fazer e o que deixar de fazer? Ou ele deve simplesmente defender os interesses de seus eleitores, não importando para isso nenhuma noção de coerência ou de juízo de valor?
Talvez não esteja conseguindo ser bem claro, por isso vou tentar exemplificar melhor: imagine um congressista que tenha sido eleito com o decisivo apoio do Movimento dos Sem-Terra. Um dia ele tem que votar uma lei, que apesar de correta, coerente e justa, impedira definitivamente que se faça reforma agrária em terras realmente produtivas, coisa que o MST discorda totalmente. Como você acha que deve agir esse parlamentar? Votar a favor da lei ou, mesmo sabendo ser a tal lei correta e justa, votar contra ela, mas em defesa dos interesses daqueles que o elegeram?
E então, você ainda pensa que ser político é fácil!?
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