História de um sonho

Artigo publicado no domingo, 22/02/09, no Jornal O Estado do Maranhão

Lá pelos idos de 1985 eu estive nesta nossa cidade, em estreito contato com os amigos Ivan Sarney e Joaquim Haickel. Conversávamos sobre muitas coisas e, em especial, sobre cinema.

Joaquim via todos os filmes e falava com entusiasmo daqueles que mais gostava, citava nomes de diretores, muito deles que eu nem conhecia. Ivan, por sua vez, tinha feito alguns trabalhos na bitola do Super-8 e pelo que depreendi, só não foi em frente, até alcançar o 35 mm, por falta de estímulo, pois produzir um curta que seja é coisa complicada, envolve muita gente, os custos eram elevados.

Minha conversa com esses amigos tinha um objetivo: criarmos em São Luís, onde já havia o Festival Guarnicê de Cine – Vídeo, um Polo de Cinema. Na época havia festivais em Fortaleza, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Curitiba e Gramado, no Rio Grande do Sul. Botar as mãos no “Kikito” (troféu gaúcho) era a glória para muitos realizadores.

O pólo cinematográfico funcionaria amparado pelas leis de incentivo e São Luís, já conhecida por aqui como terra de pintores e intelectuais, se tornaria ainda mais importante com seus cineastas em atividade.

O tempo passou, os festivais entraram em crise, junto com o cinema nacional, mas Joaquim Haickel seguiu cinéfilo e com muita garra para viabilizar suas invenções e vencer desafios.

Nessa época em que estivemos juntos Haickel marcava-se pela inquietação, extrema curiosidade e a mania de tudo querer renovar, virar pelo avesso, na condição de poeta rebelde e contista insatisfeito. Nunca desejou escrever conforme a cartilha oficial, sempre se inclinou pelas técnicas mais ousadas.

No conto “Pelo Ouvido”, número 12 da coletânea intitulada “A Ponte” (São Paulo, 1991) ele chega ao atrevimento de brincar com a lógica gramatical, debocha de pensamentos tidos e havidos como normais, aprofunda-se nessa coisa humana, porém misteriosa, que é a sensualidade, o desejo de um corpo pelo outro.

Os anos se passaram, o pólo de cinema não aconteceu, Haickel e Ivan transitaram e transitam pelos caminhos da política, sem deixar o que para eles é básico: o amor pela arte de escrever. Com isso Ivan colhe poesia e Haickel inebria-se com a sensualidade.

Seu conto “Pelo Ouvido”, o mais breve da coletânea, é aquele que nos leva ao universo da felicidade plena, essa coisa tão simples da mulher e do homem que têm afinidade e que se amam.

Em “São Luís – Uma Cidade no Tempo” Ivan compôs, através da junção de crônicas, um poema difícil de algum dia ser igualado. Com “A Ponte”, o poeta Joaquim Haickel (“O Quinto Cavalheiro”) firma-se na literatura como contista de grandes méritos e, agora, pelo que estou informado, como diretor cinematográfico premiado, inclusive no exterior.

Curiosamente, sua obra no cinema tem o mesmo título do Conto número 12. E pelo que consta na sinopse do curta, imagino que foi a partir dessa história (década de 90), que saiu o roteiro para a produção que vem fazendo sucesso e mostrando que Haickel é maranhense de múltiplos talentos!

Se o pólo de cinema, sobre o qual tanto conversamos, não aconteceu é, para mim, motivo de alegria saber que Haickel é, hoje, além de poeta e ficcionista, um diretor premiado e tem tudo para ir em frente, pois seu curta-metragem, tema desta nossa crônica, funciona como verdadeiro teste para quem ingressa, com a cara e a coragem, no mundo mágico das imagens.

Falta que o prezado amigo Ivan Sarney siga pelo mesmo caminho, agora que as câmeras filmadoras operam milagres, o material sensível tem preço baixo. as casas exibidoras que não se modernizaram estão fechando as portas O cinema via TV democratizou-se, passou para dentro das casas, a imagem em alta definição é um sucesso!

José Louzeiro
Escritor, jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras

3 comentários em “História de um sonho”

  1. José Louzeiro é talvez um dos maiores escritores profissionais vivo. Por sua vivência no mundo literário e cinematográfico sua palavra deve ser levada a sério. Sugiro uma coluna ou um encarne no jornal OEM de autoria somente do José Louzeiro. Ele é um grande escritor.
    Acesse o blog notasjudiciosas.wordpress.com

  2. Joaquim,
    Algumas pessoas ainda nao entenderam a visibilidade que o seu premiado filme deu ao Maranhao.Entretanto, deve ser bastante salutar perceber como sua ausencia é notada no Estado, ao contrario de muitos, que mesmo estando presentes, ninguem percebe.

  3. SHEILA VASCONCELLOS

    senhor joaquim, gostaria de adquirir o livro de josé louzeiro sobre sua experiência com a diabetes. Vc poderia me direcionar onde o encontro no rio de janeiro. se vc tiver email gostaria de falar com ele. sou diabética há 24 anos e o vi ontem, dia 08/06 no Programa do JÔ. obrigado

    Resposta: Sheila vou encaminhar para seu e-mail os telefones e o email do Louzeiro, espero que ele possa ajudá-la.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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