Salve Jorge

Calma aí meu camarada! Não se preocupe que eu não vou comentar sobre a nova novela das oito da Rede Globo, nem sobre qualquer outro Jorge que não seja o Amado.

Tinha eu uns 15 anos quando passou pela segunda vez na televisão brasileira a novela Gabriela, baseada no livro do genial Jorge Amado. A primeira vez que ela havia sido levada ao ar, foi pela extinta TV Tupi, em 1960.

Mas vamos ao que interessa.

Mesmo não tendo acompanhado todos os capítulos da Gabriela de Sonia Braga, pois naquela época minha vida era dedicada mais ao basquete, lembro de algumas cenas marcantes e dos personagens mais importantes: Gabriela resgatando uma pipa, trepada numa cumeeira íngreme e o mundo todo observando cá embaixo; Ana Maria Magalhães, como Glorinha, na janela, vendo a vida passar; as “moças” do Bataclan, que nem de longe poderiam ser comparadas às atuais; As belas Malvina, Elizabeth Savalla e Gerusa, Nívea Maria; o velho e poderoso coronel Ramiro Bastos, em seu ocaso, e o jovem promissor político Mundinho Falcão, em sua aurora, interpretados por um soberbo Paulo Gracindo e um José Wilker que já dizia a que vinha.

No começo da década de 80, o maior ator italiano de todos os tempos, Marcelo Mastroianni, meteu-se nas roupas de Nacib e ao lado da mesma Sonia Braga na pele da mulher que cheirava a cravo e tinha a cor de canela, mostrou ao mundo através do cinema a vida que levavam os baianos da região de Ilhéus na época áurea do cacau.

Anos mais tarde tive o prazer de conviver com Jorge Amado e sua mulher Zélia Gattai, quando eles passaram aqui em São Luís uma boa temporada, enquanto ele concluía seu livro Tocaia Grande.

Não sou crítico literário, mas como curioso do cinema, devo dizer que as obras de Jorge Amado são perfeitas para adaptações audiovisuais. Muito mais para novelas e minisséries que para cinema, pois a grande riqueza de detalhes e os personagens muito bem caracterizados não facilitam a realização de uma obra de tempo mais limitado.

Tudo dele que foi colocado a serviço do audiovisual foi bem feito e foi sucesso: Gabriela, Dona Flor, Tieta, Tenda dos Milagres, Quincas Berro D’água, Capitães da Areia, Jubiabá, Pastores da Noite, Terras do Sem Fim, Tereza Batista, Tocaia Grande e Porto dos Milagres.

Mas voltemos à Gabriela. Nessa nova versão aparece pelo menos um personagem que a censura do regime militar não permitiu que fosse mostrado em 75. Outros personagens tiveram suas características atenuadas.

Miss Pirangi, o ajudante homossexual de Maria Machadão, que não existe na primeira montagem da Globo, nesta ele não só aparece como tem relevante papel. Dona Dorotéia e suas beatas têm na atual novela uma importância crucial, coisa que na anterior foi atenuada, talvez para não ofender tanto a religião dominante com suas atitudes hipócritas e repugnantes.

Na história, Mundinho Falcão, para atingir seus objetivos, usa as mesmas armas do coronel Ramiro Bastos. Este fato me passou despercebido naquela época, quando era um adolescente. Agora, já maduro, isso fica claro.

Em uma cena ele pede ao coronel Altino, Nelson Xavier, que deixe seus jagunços de prontidão, pois precisará deles para um trabalho.

Pouco importa o fato de Mundinho não usar os jagunços para matar ou coagir quem quer que seja. O simples fato de ele usar os mesmos instrumentos do velho coronel, o iguala a este de maneira prosaica. Ou será aquela velha máxima atribuída erroneamente a Maquiavel, que apregoa que os fins justificam os meios, em casos como esses, devem ser aceitos? Isso sem contar o fato de que pra enfrentar o oligarca de plantão ele precise cooptar primeiro seus asseclas de maior patente, praticantes das mesmas práticas condenáveis.

Mais adiante ele tenta subornar a Madre Superiora do convento onde sua amada Gerusa se encontra enclausurada.

Esses fatos me remeteram automaticamente a três acontecimentos atuais de nossa ilha, que nem por isso está tão distante em tempo e espaço da Ilhéus de Jorge.

Uma entidade, da qual as ações em pouco ou em nada se pode recriminar, está usando os mesmos artifícios e práticas que seus próceres combateram e combatem. Nisso eles estão corretos, errados eles estão é em copiar e repetir as manipulações praticadas por aqueles de quem divergem, mesmo que pensem agir em nome da defesa daquilo que é melhor para sua instituição e quem sabe até para o Maranhão. Não chego a recriminá-los, mas não me venham mais posar de vestais.

Por fim, os dois incidentes que pautaram os noticiários políticos dos últimos dias: primeiro o bate-boca entre um importante chefe político e um juiz eleitoral. Fato que só cito, nem comento mais profundamente, por achá-lo descabido.

Depois, uma reunião em um comitê de uma suposta milícia formada por policiais militares. Um verdadeiro absurdo.

Absurdo se fazer na reta final de uma campanha eleitoral uma reunião daquelas. Se não bastassem fazê-la, falarem todas aquelas asneiras e ainda por cima na presença de uma pessoa que nem deveria estar ali.

No frigir dos ovos aquilo tudo não passava de uma reles bravata, uma vã tentativa de valorização de um grupo que queria ser lembrado no futuro como detentor de uma força política decisiva. Só isso, pois nada iriam fazer realmente, sob pena de prejudicarem sua própria causa, já àquela altura aparentemente vitoriosa. Uma tolice. Burrice mesmo.

Salve Jorge! Os fatos citados acima me fazem ter certeza de que a real diferença entre Ramiro Bastos e Mundinho Falcão é só mesmo o tempo e alguns comparsas, mesmo que os coronéis Altino e Manoel das Onças, que outrora foram homens de Ramiro, agora marchem ao lado das tropas de Mundinho.

Nesse baile de máscaras, todos, eu disse todos, estão vestidos a caráter.

3 comentários em “Salve Jorge”

  1. Tenho acompanhado sua “pena” todos os domingos por aqui. Leio, encanto-me e calo-me. Hoje porém, foi impossível agir assim. Quando vi o título pensei: não acredito que refere-se à novela! (e olha que sou noveleira).
    Seu texto é majestoso, sua visão do tempo, do espaço e das pessoas é límpida. Tens toda razão, a arte imita a vida desde sempre. Apenas atualizamos o cenário.

    Salve os Jorges e os Joaquins!

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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