Que não se reclamem do caos!

Qual terá sido a intenção do sujeito que através do livro do Gênesis nos passou a ideia de que antes de Deus criar o céu e a terra, o que havia era o caos e o verbo?

Quando escrevo, costumo pensar que existe o mundo e existe a palavra. Existe o nosso relacionamento com o mundo e a nossa experiência com a palavra. Na página em branco, na tela do computador, diante de mim está o caos do mundo e a ausência de palavra, que vou tentando ordenar, operando, deste modo, uma passagem, do vazio e a desordem, para o ordenamento de meus pensamentos e de minhas ideias. Assim, por analogia, posso deduzir que caos é o total vazio, a existência absoluta do nada ou do mesmo modo, a definitiva inexistência de qualquer coisa. Há ainda a possibilidade de caos ser simplesmente o que está no dicionário: grande confusão; desordem.

Penso sobre o caos, que pode ser aquele causado por medidas econômicas do governo ou do mercado, que de vez em quando nos surpreendem, ou o caos ocasionado pelas chuvas, inundações e catástrofes. No estudo da física, por exemplo, os cientistas pesquisam sobre um tipo especial de caos, que assola o mundo microscópico da matéria, provocando desordem entre os átomos de uma substância. Já na medicina, o caos é provocado pela desordem causada por células de uma substância alheia ao meio em questão, no caso o corpo humano. Câncer.

Alguns filósofos acreditam que o caos possa não ser assim tão desorganizado. Talvez haja certa ordem escondida por trás da aparente confusão. Seria possível então aproveitar certos estados “organizados” do caos, estabilizá-los e devolver harmonia na bagunça?

Já houve quem apontasse o tema caos como forte candidato ao Prêmio Nobel de Física. Mas não vingou. Ganharam os quarks, as menores partículas da matéria. Há uns 30 anos, o cenário era mais pobre, cientistas achavam que não havia remédio para o caos. Mesmo a poderosa matemática não poderia prever o futuro depois de instalada a desorganização. Com o status adquirido nas últimas décadas, o caos ganhou vigor e virou moda. Resultados teóricos e experimentais já comprovaram que até mesmo a passagem para o estado caótico é feita sob uma determinada ordem.

Eu prefiro, no entanto, pensar no caos de uma forma mais didática e metafórica. Vejamos a agricultura: antes do plantio há o caos, o vazio ou a desordem. Com trabalho se prepara a terra, se semeia, se colhe. Armazena-se e come-se o fruto desse trabalho. Depois recomeça-se o ciclo.

Em tudo, no mundo e na palavra, na ideia e na ação, o caos é presente, pois é somente dele que nascem as coisas. Só existe fato no caos, seja por existir o vazio anterior, seja por haver a desordem primordial. O certo mesmo, é que continuamos no início, de onde acho que nunca realmente saímos. Continuamos no caos. De onde acredito que não sairemos jamais, pelo menos do ponto de vista do crescimento e do progresso. Não há progresso sem um caos anterior que o defina.

Só há progresso porque no início tudo era caos. Só ficará melhor amanhã, porque ontem estava péssimo e porque hoje ainda está ruim.

Quando quem escreveu o livro sagrado nos passa a ideia de vazio anterior à criação, ele quer dizer que o melhor ainda está por vir. O homem sábio, mais que reclamar do caos o usa como adubo para cultivar as boas sementes do progresso e do desenvolvimento.

Entre todos os homens, o agricultor é para mim um símbolo de amor, bravura, coragem e determinação. Ele enfrenta a terra, muitas vezes mata a mata, e a trabalha. Revira o solo transformando um caos em outro caos. Ele escolhe as melhores sementes, as planta, rega quando pode ou reza para chover. Ele espera pacientemente até que o tempo e a natureza ajudem em seu trabalho e as sementes brotem, cresçam, frutifiquem, para que ele possa colher seus frutos e começar novamente o ciclo eterno da vida, desde seu início. Um novo caos.

Acredito fervorosamente em todo aquele que é otimista e que encara os desafios e as dificuldades como um degrau a ser conquistado, uma obra a ser construída.
Hoje entendo melhor a alma daquele poeta que indagado de quando e como escrevia seus versos, respondia: “nunca quando está tudo normal. É preciso cabeça ou vida, em calmaria ou vendaval”.

Nesse início de novo ano desejo a todos que o caos de nossas vidas nos sirva de ponto de partida para uma grande jornada. E já que Deus nos fez à sua imagem e semelhança, vamos imitá-lo! Trabalhemos para transformar o caos em vida. Em uma vida boa para todos nós.

PS: De hoje em diante a minha participação nesta página se fará com menos frequência, mas sempre que tiver algo que eu acredite importante ser dito, voltarei aqui para conversar com você.

Que 2015 lhe seja leve.

1 comentário em “Que não se reclamem do caos!”

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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