No Escurinho do Cinema

Já faz algum tempo que eu tenho vontade de fazer uma pergunta pra você que me prestigia com sua leitura, aqui nesse privilegiado espaço. Será que você poderia me dizer o que é mesmo que as pessoas vão fazer nas salas de projeção de cinema?

Pergunto isso porque acredito que assistir a filmes é uma das coisas que algumas pessoas não vão fazer nesses lugares.

Eu vou, pelo menos uma vez por semana ao cinema, sendo que às vezes vou a este lugar de entretenimento duas vezes na mesma semana e chego a ir até três vezes, quando a oferta de filmes é generosa. Com essa frequência acabo sendo testemunha da existência de grande quantidade de uma espécie de hominídeos, similar ao grupo de criaturas bípedes do qual eu e você fazemos parte, que infelizmente, assim como nós, também frequentam esses lugares.

Vou tentar ajudar você nessa investigação sobre o que alguns dos descendentes de Caim, de um ramo diferente do nosso, vão fazer nas salas de projeção de cinema.

Em primeiro lugar, vamos estabelecer os tipos desses seres quase alienígenas que convivem conosco nas escuras salas onde a sétima e mais polivalente das artes humanas se consuma:

Existem os que vão para o cinema se alimentar. É como se aquele local e aquela atividade, lhes propiciasse um apetite desenfreado. Eu até entendo que o hábito de comer uma pipoquinha e tomar um refrigerante no cinema é uma coisa saudável e ajuda a entrarmos no clima, a ficarmos à vontade, como se em nossa própria casa estivéssemos. Ocorre que uma coisa é uma pipoca e outra coisa é um excessivamente aromático Mac Fish, capaz de infestar com o cheiro de peixe e de cebola toda a sala, fazendo com que até pessoas que não suportem sanduiches de peixe queiram dar uma mordida no maldito, fazendo com que o desconcentrado vizinho divida sua atenção entre a guloseima e a talentosa Juliane Moore que na tela interpreta a esquecida “Alice”.

Outra coisa importante. Anteriormente disse que a pipoca e o refri podem nos fazer sentir estar em casa, mas em que pese este sentimento ser importante, não devemos jamais esquecer que não estamos. Estamos no cinema, logo não devemos nem podemos colocar os pés na poltrona da frente, como se estivéssemos na sala de estar de nossa residência.

Voltando a falar de comida. Um dos pecados capitais nos cinemas de todo mundo são os pequenos ruídos causados pelos saquinhos de guloseimas que levamos para dentro das salas. Deste pecado nem eu, nem o papa Francisco estamos absolvido. Saquinhos de pipoca, embalagens de balas e bombons bem como qualquer ruído pode distrair o vizinho de uma cena imperdível de “O Enigma”. Pecado capital!

Ainda na categoria das comidas existem os porcalhões, que se não atrapalham o filme, acabam com a higiene e a civilidade do ambiente.

Outra categoria de atrapalhadores dos cinemas são os namorados, que hoje estão democraticamente divididos em três categorias distintas e em duas classificações de comportamento. Comecemos pelos comportamentos. Existem os discretos e os indiscretos, aqueles que parecem que vão ao cinema porque não encontraram outro lugar mais aconchegante para se pegarem. Estes fazem tantos e tão variados barulhos, que nem a mais discreta das criaturas, e eu não me incluo entre essas, deixaria de notar e observar.

Vejamos agora as categorias, e é bom que se diga que a existência delas está assegurada no artigo quinto da Constituição Federal. A categoria 1 é composta por uma pessoa do sexo masculino e outra do sexo feminino. Estes, com raras exceções, são os menos mal comportados. Depois, vem a categoria 2, composta por duas pessoas do sexo feminino, que se pode dizer que tem um comportamento aceitável na maioria das vezes, mas cometem um outro grave crime que será mais adiante abordado. Incontinência digital. Por fim, na categoria 3, formada por duas pessoas do sexo masculino, os campeões de pegação no cinema. Ou é isso ou é azar meu. Talvez o problema seja o lugar que eu sento no cinema. Escolho sempre a última fileira, na direção do corredor e alguns rapazes escolhem exatamente a última fileira, nas duas cadeiras, as mais próximas à parede. Um dia, ou melhor, uma noite, quase eu interrompo os amassos de um casal de rapazes, pois estava com medo que um deles matasse seu companheiro de tanto espremê-lo contra a parede, ou mesmo de asfixia. Isso sem falar nos frenéticos ruídos dos beijos.

Quero deixar claro que aqui não há nenhum ingrediente de preconceito quanto à opção sexual de cada um, o que há é a indignação de quem adora filmes e que vai ao cinema para assisti-los. Quando quero pegar minha mulher de jeito, o faço em casa ou em algum outro local reservado, onde só eu e ela contracenemos.

Existem ainda aquelas pessoas que vão para o cinema bater papo. São amigos falantes, casais que discutem as relações, pais que tentam explicar para os filhos o que está acontecendo no filme, ou traduzir para eles o que disse um ou outro personagem.

Falar baixo e discretamente dentro da sala de cinema não chega a ser uma violação gravíssima. Eu também falo no cinema, faço um ou outro comentário, mas fazer como o casal que certa vez sentou-se ao meu lado e passou o filme inteiro comentando os problemas da família de um parente… Eu estava a ponto de dar um grito, e olha que eu sou bem paciente!

Esse é o segundo pior tipo de vizinho de poltrona de cinema. Ele só é superado pelos mais imbecis de toda a galáxia: Os usuários compulsivos de telefones celulares e de todos os aplicativos de comunicação à disposição deles.

Outro dia quase avanço sobre um rapaz que tinha na mão um objeto luminoso que me fazia lembrar o vulcano “Spock”. Ele tilintava o instrumento e as luzinhas piscavam como em “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”. Passou muito tempo até que minha mulher perdesse a paciência e pedisse para que ele desligasse o aparelho.

Desse tipo não existem poucos espécimes. Eles são muitos e acreditam que o que fazem é a coisa mais normal e correta que existe.

Por isso meu caro amigo leitor, é que te pergunto o que é mesmo que essas pessoas vão fazer no cinema? Assistir a filmes é que não é!

PS: Em que pese hoje ser Dia das Mães, eu não consegui preparar um texto sobre essas maravilhosas rainhas dos lares. Por mais que tentasse, a única coisa em que eu conseguia pensar era na minha sorte e na minha felicidade por ser filho da melhor mãe do mundo, e dizer isso em todo um texto soaria cabotino! Por isso deixei para fazê-lo só aqui, neste PS.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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