Homens e himens complacentes

Outro dia, um amigo meu me chamou de complacente, mas aquilo que deveria ter sido um elogio, soava como insulto e me incomodou bastante, pois ele estava usando o sentido pejorativo da expressão.

Complacente é alguém desejoso de agradar, alguém gentil, simpático e cortês, coisas que eu tento ser sempre, mas ele estava usando o termo no sentido de dizer que eu aceito os abusos daqueles que pensam diferentes de mim e principalmente dele, pois mesmo pensando na mesma direção, eu e ele pensamos de modos bastante diferentes.

Esse amigo é um conservador pouco transigente, não chega a ser totalmente radical, mas quase chega lá, exatamente por não se permitir ser complacente, aqui usado no seu sentido literal.

Depois daquele dia, resolvi analisar mais detidamente os motivos pelos quais eu era considerado, por meus amigos posicionados mais à direita, complacente com aqueles que pensavam mais à minha esquerda e por outro lado, estes, os à minha esquerda, me consideram na verdade um autêntico direitista, sendo que claramente eu me diferencio daqueles pelo simples fato de ter diversos pontos de discordância com as ideias defendidas pela direita, principalmente no que diz respeito a forma.

A minha primeira certeza é que ambos os grupos nada tinham de complacentes. Não eram gentis nem simpáticos com aqueles que pensassem de modo diferente do deles. Cortesia para com pessoas de posicionamentos distintos dos seus era coisa que não estava em suas pautas. Nisso os dois grupos eram idênticos, variando apenas de indivíduo para indivíduo, os graus de intransigência e intolerância para com os discordantes.

Logo no inicio de minha carreira política, descobri que o fato de ser criticado pelos dois lados de uma questão é sinal de que em algum aspecto estamos corretos em nossas posições, mesmo que isso não nos faça ser popular em nenhum dos lados, uma vez que desagradamos a ambos, e só se é plenamente aceito por aqueles que nos acham igual.

Parei pra pensar como eu me transformara num sujeito assim tão complacente, termo aqui usado por mim mesmo em sentido ambíguo, um pouco no sentido literal e um pouco no sentido pejorativo.

Lembrei que em minha casa, sempre tivemos e cultivamos a liberdade de pensar, de dizer o que se pensava e defender nossas ideias. Lembrei que meu pai era presidente do Moto Clube e eu resolvi torcer pelo Sampaio e meu irmão pelo MAC, pelo simples fato de querermos cultivar a diversidade em nossa família, e isso jamais foi tema de discussão, pois as escolhas pessoais de cada um sempre foram totalmente respeitadas.

As escolhas que fazíamos eram respeitadas, mesmo que houvessem discordância quanto a elas. Lembro que certa vez meu pai foi chamado por um amigo para criticar o fato de eu estar namorando com uma certa garota, e ele, tido por muitos como um homem truculento e de poucas luzes, disse ao seu amigo pouco complacente: “Meu filho tem todo o direito de escolher quem ele desejar para conviver, a nós só resta respeitar a escolha dele.”   

Lembro que meu irmão resolveu ser garçom de um bar, na cabeceira da ponte do São Francisco, e muita gente criticava a escolha dele. Minha mãe foi questionada por algumas pessoas sobre isso, e a resposta dela aos questionamentos foi convidar meu pai para ir ao tal bar para serem atendidos por ele.

Foi assim que fomos criados, foi assim que nossa personalidade foi formada, e é dessa matéria que nosso caráter é composto.

Assim que ouvi, naquele dia, a palavra complacente, me veio imediatamente a lembrança de uma aula de medicina legal, matéria da qual sempre fui um aluno medíocre, em que pese o esforço do professor Moraes para me fazer entender um pouco sobre ela.

Algum colega piadista perguntou ao professor se era possível, em uma relação sexual, haver penetração sem que o hímen da moça se rompesse. E Moraes que não era nenhum santo, de maneira que hoje seria considerada imprópria, desrespeitosa e abusiva, explicou que esse era o caso dos himens complacentes, algumas mulheres têm muita elasticidade no hímen, a ponto de ele voltar ao normal depois do ato sexual sem que ocorra a ruptura da membrana himenal, nem sangramento.

Me senti um hímen, porém tive orgulho do fato de ter bom senso para aceitar a opinião das pessoas, mesmo que elas sejam diferentes das minhas.

Esta semana sofri forte assedio verbal e moral por defender uma ideia nas redes sociais. Meus amigos da direita foram mais complacentes e como sempre os da esquerda, menos preparados para as divergências e o antagonismo, foram grosseiros e intolerantes. De minha parte tiveram o revide verbal que achei cabível, pois quem diz o que quer ouve o que não quer!

2 comentários em “Homens e himens complacentes”

  1. Joaquim: daria para você dizer da relação da TV por assinatura Prime Box com o estado do Maranhão? Ocorre que diariamente essa emissora mostras matérias da AML e história maranhense. Essa emissora é de algum maranhense?

    1. Os canais Box pertencem a um gaucho chamado Cícero Aragon. Ele é um querido amigo meu e exibe em seus canais os filmes produzidos por minha empresa, a Guarnicê Produções.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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